Ao reclamar sobre a atuao da OAB na investigao do caso de Adlio Bispo, autor do atentado faca do qual foi alvo, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) disse que poderia explicar ao presidente do rgo, Felipe Santa Cruz, como o pai dele desapareceu durante a ditadura militar.
"Por que a OAB impediu que a Polcia Federal entrasse no telefone de um dos carssimos advogados?
Qual a inteno da OAB? Quem essa OAB? Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como que o pai dele desapareceu no perodo militar, conto pra ele. Ele no vai querer ouvir a verdade. Conto pra ele."
"No minha verso. que a minha vivncia me fez chegar nas concluses naquele momento. O pai dele integrou a Ao Popular, o grupo mais sanguinrio e violento da guerrilha l de Pernambuco e veio desaparecer no Rio de Janeiro", disse o presidente.
Felipe filho de Fernando Augusto Santa Cruz de Oliveira, desaparecido em fevereiro de 1974, depois de ter sido preso junto de um amigo chamado Eduardo Collier por agentes do DOI-CODI, no Rio de Janeiro.
Fernando era estudante de direito e funcionrio do Departamento de guas e Energia Eltrica em So Paulo e integrante da Ao Popular Marxista-Leninista. Felipe tinha 2 anos quando o pai desapareceu.
No relatrio da Comisso da Verdade, responsvel por investigar casos de mortos e desaparecidos na ditadura, no h registro de que Fernando tenha participado de luta armada.
O documento, inclusive, ressalta que Fernando poca do seu desaparecimento "tinha emprego e endereo fixos e, portanto, no estava clandestino ou foragido dos rgos de segurana".
Ainda sobre o caso de Adlio, Bolsonaro disse que ele "se deu mal".
"Adlio se deu mal. Eu no recorri porque se recorresse ele seria julgado no por homicdio, mas tentativa de homicdio, em um ano e meio ou dois estaria na rua. Como no recorri, agora maluco o resto da vida. Vai ficar num manicmio judicial, uma priso perptua. J fiquei sabendo que est aloprando por l. Abre a boca, p", afirmou.
Sem manifestaes de Bolsonaro e do Ministrio Pblico Federal (MPF) em Minas Gerais, a 3 Vara Federal de Juiz de Fora encerrou o caso.
Bolsonaro foi intimado no dia 28 de junho sobre a deciso e no recorreu. O MPF, no dia 17 daquele ms. O prazo para recursos se esgotou em 12 de julho.
Na deciso, o juiz responsvel diz que a investigao da Polcia Federal e do Ministrio Pblico Federal no deixa dvidas sobre a autoria do crime.
Mas, como o ru tem transtorno mental e considerado inimputvel, o magistrado decidiu pela absolvio imprpria (quando uma pessoa declarada culpada por um delito, mas no tinha capacidade de entender o que estava fazendo quando cometeu o ato) e internao por medida de segurana.
Segundo a Lei de Execues Penais, nesses casos o preso deve ser encaminhado a hospitais de custdia para receber tratamento psiquitrico.
O juiz, porm, optou por manter Adlio no presdio federal de Campo Grande. Medidas de segurana no tm prazo determinado, e o preso depende da alta de um mdico para que seja liberado.
QUEM FOI FERNANDO DE SANTA CRUZ OLIVEIRA
Militante da AP (Ao Popular), o pai do atual presidente da OAB foi visto pela ltima vez por seus familiares em 23 de fevereiro de 1974, segundo o relatrio da Comisso Nacional da Verdade.
Fernando de Santa Cruz Oliveira havia sado de casa para encontrar um amigo de infncia e havia dito famlia que, caso no voltasse at as 18 horas daquele dia, "provavelmente teria sido preso".
A Comisso Nacional da Verdade, criada pelo Estado para fazer um registro oficial dos crimes do regime militar, relata que Fernando e seu amigo -Eduardo Collier Filho, tambm militante contra a ditadura- provavelmente foram presos por agentes do DOI-Codi no Rio.
O relatrio narra a partir da o esforo dos familiares dos dois de descobrir, sem sucesso, o paradeiro de Fernando e Eduardo.
A me de Fernando chegou a ir ao quartel-general do 2 Exrcito, em So Paulo, quando recebeu a informao, de um agente do local, de que seu filho e Eduardo estavam naquelas dependncias. Ao retornar, pouco dias depois, recebeu de outro funcionrio uma informao diferente: a de que ocorrera um equvoco e que Fernando e Eduardo no estavam no 2 Exrcito.
Os familiares seguiram com as buscas, ainda de acordo com o relatrio da Comisso Nacional da Verdade. Foram enviadas cartas ao comandante do 2 Exrcito e ao general Golbery do Couto e Silva.
A famlia recebeu uma resposta do 2 Exrcito, que negou que Fernando estivesse preso desde fevereiro de 1974 em "qualquer dependncia" da instituio [2 Exrcito].
O texto da Comisso Nacional da Verdade tambm revela que a famlia escreveu cartas primeira-dama dos Estados Unidos, CIDH (Comisso Interamericana de Direitos Humanos) e a Dom Helder Cmara, entre outras pessoas influentes.
O regime militar disse, em resposta CIDH, que Fernando estaria vivendo na clandestinidade.
Apesar da verso oficial, a Comisso Nacional da Verdade cita um documento de 1978 no qual o Ministrio da Aeronutica reconhece que Fernando foi preso em fevereiro de 1974.
"J na dcada de 1990, o Relatrio da Marinha enviado ao ento ministro da Justia, Maurcio Corra, em dezembro de 1993, informava que Fernando teria sido preso no dia 23 de fevereiro de 1974, sendo considerado desaparecido desde ento", acrescenta o relatrio.
A Comisso Nacional da Verdade elencou duas hipteses para o caso do pai do atual presidente da OAB. A primeira a de que, depois de preso no Rio, ele foi levado para o DOI-Codi em So Paulo.
"Essa indicao do DOI-Codi/SP como possvel rgo responsvel pelo desaparecimento de Fernando e Eduardo aponta para a possibilidade de os corpos dos dois militantes terem sido encaminhados para sepultamento como indigentes no Cemitrio Dom Bosco, em Perus", diz o texto.
Outra possibilidade levantada pela Comisso a de que Fernando e seu amigo foram encaminhados para a chamada Casa da Morte, em Petrpolis (RJ), "e seus corpos levados posteriormente para incinerao em uma usina de acar".
"Fernando de Santa Cruz Oliveira e Eduardo Collier Filho permanecem desaparecidos at hoje", conclui a Comisso Nacional da Verdade.
Direto de Braslia, Talita Fernandes e Ricardo Della Colleta