Favorito para ser o prximo chefe do Ministrio Pblico Federal, o subprocurador da Repblica Augusto Aras defendeu em entrevista no final de 2016 vrios pontos que contrastam ou conflitam com os defendidos pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) e pelo seu entorno mais ideolgico.
Segundo o subprocurador, a direita radical se aproveitava de uma crescente "doutrina do medo" para fazer valer a opresso contra os mais pobres e a supresso de direitos e garantias sociais.
Aras, que j se reuniu por cinco vezes com Bolsonaro nas ltimas semanas, chegou a usar, sem citar o ex-presidente, o slogan da campanha vitoriosa de Luiz Incio Lula da Silva (PT) em 2002.
"Ns vivenciamos um momento difcil em que a sociedade brasileira, atravs da doutrina do medo, pede uma doutrina que reduz direitos sociais em troca de uma suposta segurana. Segurana essa que quem d so os poderosos", disse Aras.
"E ns no podemos ter uma sociedade estvel, em desenvolvimento constante, em conformidade com suas prprias peculiaridades se ns no compreendermos que direitos e garantias fundamentais, direitos sociais por ns conquistados durante os ltimos dois milnios, no podem ceder ao medo", continuou.
"Agora, mais do que nunca, a esperana precisa vencer o medo, porque o medo est nos conduzindo a renunciar a todos os direitos sociais que ns conquistamos a duras penas", afirmou o subprocurador no encerramento da entrevista ao programa "Cmara Comenta" , da TV Cmara de Salvador, em 2016.
Em suas palavras, essa doutrina ajudou na eleio de Donald Trump e era usada pela direita radical para tentar suprimir direitos e garantias dos mais pobres.
"Hoje vivemos cercado por medo. (...) Essa doutrina do medo vai ao encontro de uma certa posio poltica internacional, que atravs do medo estabelece o dio, o rancor, o ressentimento, e com isso, induz o cidado a ter uma impresso de que a lei e a ordem (...) possam resolver seus problemas, j que o pobre na periferia quem mais sofre a violncia, no s do bandido como de eventualmente de segmentos at da polcia."
"Isso relevante dizer porque quem mais aprova a pena de morte no Brasil so as pessoas pobres, as pessoas sofridas, porque elas j vivem a pena de morte sem existir formalmente uma norma prevendo a pena de morte. E essa poltica do medo tem consequncias desastrosas, que o crescimento de toda (...) uma doutrina de direita, uma direita radical, em que a lei feita pelos opressores para que os oprimidos venham a cumpri-la."
PERFIL CONSERVADOR
Defensores da indicao de Aras por Bolsonaro tm divulgado que o subprocurador apresenta um perfil conservador, mas na entrevista de cerca de 40 minutos, ele defendeu vrias teses alinhadas esquerda, especialmente a defesa das minorias e a afirmao de que so os mais pobres os maiores alvos de abuso de autoridade.
"Quem sofre o maior abuso de autoridade a comunidade pobre da periferia. a comunidade negra, a mulher, a comunidade sem representao poltica. (...) Essas minorias, ou maiorias no representadas [mulheres e negros], que so as maiores vtimas. Ento quando que algum que mora em uma zona nobre, que tem um padro econmico elevado, que autoridade, sofre abuso de autoridade?", questionou Aras.
"Sofre sim, pode vir sofrendo inclusive nas ltimas operaes [no se refere a quais]. Mas quem sofre no cotidiano a dor de uma priso ilegal, a humilhao, um tapa na cara sem nenhuma razo de ser, s porque um cidado que vai ando acidentalmente num momento infeliz, o pobre, o desprotegido, aquele que no tem ningum por si, a no ser Deus no cu e por testemunha."
Bolsonaro defendeu em toda a sua carreira poltica a livre ao de policiais nas ruas, classificando de "coitadismo" e de defesa do bandido, entre outros termos, as reclamaes de defensores de direitos humanos contra abuso de autoridade por parte de policiais.
Recentemente, inclusive, afirmou defender que a polcia tenha respaldo jurdico e legal para agir e matar criminosos nas ruas "como baratas".
De acordo com aliados, Bolsonaro tem vinculado a escolha para a sucesso de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da Repblica escolha de um nome que no tenha vinculao com a esquerda ou com a defesa de minorias e que no adote postura de enfrentamento com o Poder Executivo.
Na entrevista dada em 2016, Aras criticou ainda a tortura e ditadores populistas que conquistaram o poder como "salvadores da ptria" ou "mitos", que como simpatizantes de Bolsonaro se referem ao presidente.
"Todas as ditaduras populistas que conhecemos, especialmente na primeira metade do sculo 20, resultaram da mitificao. O salvador da ptria, o salvador da nao, o salvador do povo. Ento, Mussolini na Itlia, Hitler na Alemanha, Franco na Espanha, Salazar em Portugal, Lnin e Stlin na Unio Sovitica, todos fizeram revolues populistas, ditaduras populistas que em nada diferem dos efeitos de outras ditaduras no populistas."
CRTICAS LAVA JATO
Aras tambm fez crticas Operao Lava Jato e ao instituto da delao premiada -dois temas estritamente relacionados ao atual ministro da Justia, Sergio Moro.
Apesar de elogiar os fins alcanados e dizer que o Brasil deveria ter desde 1500 uma Lava Jato, Aras criticou meios usados pela operao que tem em Moro seu principal nome.
"Se formos itir na contemporaneidade essa mxima de Maquiavel [se refere expresso de que os fins justificam os meios] ns temos que itir que a tortura e o pau de arara e outros meios indignos de tratamento do ser humano, por mais culpado que ele seja, possa a vir a ser legtimo, o que no verdade. De maneira que devemos ter certas preocupaes. (...) Meios empregados que esto, muitos deles, comeando a criar um regime de cerceamento das liberdades pblicas", afirmou.
Sobre as delaes, um dos principais instrumentos usados pela Lava Jato, ele afirmou que em muitos casos elas serviram a interesses esprios e ilegtimos.
"O importante que o sistema de Justia, o Ministrio Pblico estejam atentos, porque muitas vezes, e ns sabemos de casos concretos, em que autoridades do Judicirio, autoridades do Ministrio Pblico, autoridades policiais [no cita casos especficos] procuraram usar esses colaboradores processuais para atingir fins esprios, ilcitos, imorais. Conseguiram determinadas delaes para satisfao de caprichos prprios, para atingir adversrios", afirmou.
E acrescentou: "Evidente que sempre h interesse poltico porque a poltica da nossa natureza. Eu no sou poltico partidrio e muitos colegas que esto na Lava Jato certamente no so tambm. Mas no podemos afastar a possibilidade de que segmentos explorem a Lava Jato politicamente, partidariamente."
Segundo revelou a Folha de S.Paulo, Moro no v com bons olhos a indicao de Aras.
Bolsonaro afirmou nesta quarta-feira (7) que pretende anunciar at a prxima segunda (12) o nome escolhido por ele para o comando da Procuradoria-Geral da Repblica.
Em entrevista na entrada do Palcio do Alvorada, ele disse que o nome de Aras "est no radar". O mandato de Dodge acaba em setembro.
"Eu acredito que no mximo segunda-feira [12], at para dar tempo dele conversar com senadores e fazer a sabatina de modo que quando a senhora Raquel Dodge sair, ou caso ela seja reconduzida, tudo esteja resolvido", disse o presidente nesta quarta.
Aras foi apresentado a Bolsonaro pelo ex-deputado federal Alberto Fraga (DEM-DF), que liderou no ado a bancada da bala e amigo do presidente. Ele ganhou a simpatia de Bolsonaro quando abriu dilogo com o governo federal para evitar que fosse suspensa a concesso da Ferrovia Norte-Sul, assinada na semana ada.
"Ele [Aras] um bom nome que pensa no progresso e no desenvolvimento do pas. E quer ajudar o Brasil a se desenvolver", disse Fraga reportagem.
Procurado por meio de sua assessoria no incio da tarde desta quarta (7), o subprocurador no se manifestou at a publicao desta reportagem.
O QUE DISSE ARAS EM 2016 E O QUE PENSA O BOLSONARISMO
Doutrina do medo
Aras: "Hoje vivemos cercado por medo. (...) Essa doutrina do medo vai ao encontro de uma certa posio poltica internacional, que atravs do medo estabelece o dio, o rancor, o ressentimento, e com isso, induz o cidado a ter uma impresso de que a lei e a ordem (...) possam resolver seus problemas, j que o pobre na periferia quem mais sofre a violncia, no s do bandido como de eventualmente de segmentos at da polcia."
Bolsonarismo: O presidente e seus aliados defendem uma poltica de ampliao do o s armas e adotam discurso contrrio aos grupos defensores de direitos humanos, apontados como eles como defensores de bandidos.
Abuso de autoridade
Aras: "Quem sofre o maior abuso de autoridade a comunidade pobre da periferia. a comunidade negra, a mulher, a comunidade sem representao poltica. Embora a mulher seja a maioria da populao brasileira, ainda no tem uma representao poltica adequada. E esses abusos de autoridade so essas comunidades, essas minorias, ou maiorias no representadas, que so as maiores vtimas."
Bolsonarismo: a favor de dar amparo legal e jurdico para que policiais possam matar criminosos sem o risco de responderem por eventuais abusos.
Lava Jato
Aras: "Se formos itir na contemporaneidade essa mxima de Maquiavel [se refere expresso de que os fins justificam os meios] ns temos que itir que a tortura e o pau de arara e outros meios indignos de tratamento do ser humano, por mais culpado que ele seja, possa a vir a ser legtimo, o que no verdade."
Bolsonarismo: Defende a Lava Jato, tendo convidado para ministro da Justia o principal nome ligado a ela, Sergio Moro. A Lava Jato tambm j foi objeto de manifestaes de rua feitas por bolsonaristas em sua defesa.
Delaes premiadas
Aras: "A delao premiada por si s no uma prova sagrada, uma prova absoluta. (...) Evidente que sempre h interesse poltico porque a poltica da nossa natureza. Eu no sou poltico partidrio e muitos colegas que esto na Lava Jato certamente no so tambm. Mas no podemos afastar a possibilidade de que segmentos explorem a Lava Jato politicamente, partidariamente."
Bolsonarismo: Defende as delaes premiadas.
Tortura
Aras: "Se formos itir na contemporaneidade essa mxima de Maquiavel [se refere expresso de que os fins justificam os meios] ns temos que itir que a tortura e o pau de arara e outros meios indignos de tratamento do ser humano, por mais culpado que ele seja, possa a vir a ser legtimo, o que no verdade."
Bolsonarismo: O presidente j defendeu a tortura durante sua carreira poltica e, ao votar a favor do impeachment de Dilma Rousseff, homenageou o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos principais smbolos da represso luta armada durante a ditadura militar (1964-1985). Segundo o relatrio final da Comisso Nacional da Verdade, s na gesto de Ustra o DOI-Codi, rgo de represso, do 2 Exrcito em So Paulo foi o responsvel pela morte ou desaparecimento de ao menos 45 presos polticos.
Direto de BRASLIA,RANIER BRAGON,(FOLHAPRESS)