Em depoimento no Senado para explicar a troca de mensagens vazadas com o procurador Deltan Dallagnol, chefe da Lava Jato, o ministro Sergio Moro (Justia) itiu a possibilidade de deixar o posto no governo de Jair Bolsonaro (PSL) caso sejam apontadas irregularidades em sua conduta.
"Eu no tenho nenhum apego pelo cargo em si. Apresente tudo. Vamos submeter isso, ento, ao escrutnio pblico. E, se houver ali irregularidade da minha parte, eu saio. Mas no houve. Por qu? Porque eu sempre agi com base na lei e de maneira imparcial", disse Moro.
O ministro respondia ao senador Jaques Wagner (PT-BA) sobre a possibilidade de deixar o posto para que se garanta a iseno em eventuais investigaes sobre seu papel como juiz da Operao Lava Jato.
Moro disse estar "tranquilo" e que, se forem divulgadas pelo site The Intercept Brasil a ntegra das mensagens, "sem adulterao e sem sensacionalismo", "essa correo vai ser observada".
A estratgia do ministro ao longo da sesso foi organizada em cinco frentes: 1) colocou-se como alvo de ataque hacker de um grupo criminoso organizado; 2) disse no ter como garantir a veracidade das mensagens (mas tambm no as negou); 3) refutou a possibilidade de ter feito conluio com o Ministrio Pblico; 4) chamou a divulgao das mensagens de sensacionalista; 5) e desqualificou os que apontaram irregularidades na sua atuao quando juiz da Lava Jato.
Nesta quarta (19), Moro presta esclarecimentos desde as 9h Comisso de Constituio e Justia (CCJ) do Senado. Na sesso, travou embates com senadores petistas e afirmou ainda ser alvo de um ataque hacker que mira as instituies e que tem como objetivo anular condenaes por corrupo.
"Estou absolutamente tranquilo em relao conduta que realizei como juiz. Houve aplicao imparcial da lei em casos graves de corrupo e lavagem de dinheiro", afirmou.
Moro se ofereceu para ir CCJ para esfriar o trabalho de coleta de s para a criao de uma I para investig-lo. Ao iniciar sua fala, disse no ter nada a esconder, que gostaria de fazer esclarecimentos "em cima do sensacionalismo que tem sido criado" e focou a defesa da Lava Jato.
"Se falou muito em conluio. Aqui um indicativo de que no houve conluio nenhum", afirmou, ao citar embates com a Procuradoria. " normal no Brasil esses contatos entre juiz, advogado e Ministrio Pblico ou policiais. O que tem que ser avaliado o contedo destes contatos."
Nas conversas publicadas pelo site Intercept, Moro sugere ao Ministrio Pblico Federal trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobra a realizao de novas operaes, d conselhos e pistas, antecipa ao menos uma deciso judicial e prope aos procuradores uma ao contra o que chamou de "showzinho" da defesa do ex-presidente Lula.
Segundo a legislao, papel do juiz se manter imparcial diante da acusao e da defesa. Juzes que esto de alguma forma comprometidos com uma das partes devem se considerar suspeitos e, portanto, impedidos de julgar a ao. Quando isso acontece, o caso enviado para outro magistrado.
As conversas entre Moro e a Lava Jato tambm provocaram reao no STF. Na semana que vem, dia 25 (tera-feira), um pedido dos advogados de Lula pela anulao do processo do trplex em Guaruj (SP), que levou o petista priso em abril do ano ado, ser analisado pela Segundo Turma da corte.
Aps ser anunciado como um dos principais nomes do novo governo, o ex-juiz acumulou derrotas em menos de seis meses mandato. Sob desgaste devido divulgao de mensagens do perodo da Lava Jato, ainda teve que aguardar a cautela de Bolsonaro em defend-lo abertamente.
O presidente chegou a manter silncio por trs dias e, no ltimo sbado (15), embora tenha defendido o legado de Moro, afirmou que no existe confiana 100%. "Meu pai dizia para mim: Confie 100% s em mim e minha me", disse Bolsonaro.
Filho mais velho do presidente, o senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ) afirmou no Senado que o governo "nunca cogitou" tirar Moro do cargo. "Isso s a na cabea de quem no tem nada na cabea", disse Folha.
Na audincia no Senado, Moro tentou reforar o discurso de que a crise esperada com a divulgao das conversas no prosperou j que, para ele, os dilogos no mostram nada mais que a atividade normal de um juiz.
Moro citou diversas vezes artigo de Matthew Stephenson, professor de direito em Harvard, cujo ttulo "O Incrvel Escndalo que Encolheu? Novas Reflexes sobre o Vazamento da Lava Jato".
O texto, publicado no blog Global Anticorruption, Stephenson elenca motivos pelos quais mudou de opinio sobre a srie de reportagens do The Intercept. "Tendo a pensar que esse 'escndalo' consideravelmente menos escandaloso do que o Intercept relatou ou do que eu acreditava originalmente."
Moro recorreu ao artigo durante a audincia para reafirmar seu discurso de que, "tirando o sensacionalismo", as conversas no revelam nenhuma ilegalidade.
Ao longo de seu depoimento, Moro repetiu diversas vezes no poder confirmar a veracidade das mensagens, mas relativizou algumas delas, como a que cita o ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal). O ministro disse no ver problema na mensagem "in Fux we trust" (em Fux confiamos).
"Posso ter mandado. Qual o problema de uma mensagem assim? Eu confio no Supremo, confio na instituio", afirmou. Mais tarde, disse: " algo que posso ter dito, mas no posso afirmar com convico que, eu tendo dito, foram com aquelas palavras".
Moro tambm negou haver qualquer acordo com o presidente Jair Bolsonaro para que ele seja indicado ministro do STF.
"Essa histria de vaga no Supremo uma fantasia. Nunca me prometeu nada. Isso tem que ser discutido l na frente. No sei se vou querer, no sei se ele vai me oferecer", afirmou. Em abril, ele disse ao jornal portugus Expresso que ir para o STF seria "como ganhar na loteria".
O presidente da Repblica chegou a afirmar neste ano que havia prometido a Moro indic-lo ao STF. Depois, disse que no havia nenhum acerto, apenas a inteno de escolher algum com perfil do ex-juiz.
No incio da audincia, Moro afirmou que "ainda que tenha alguma coisa verdadeira, essas mensagens podem ser total ou parcialmente alteradas para caracterizar uma situao de escndalo".
O clima de tenso seguiu durante os questionamentos feitos pelo lder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), que acusou Moro de sensacionalismo na Lava Jato, disse no ser possvel que o ministro no lembre de algumas das conversas e questionou se o ministro estava a servio de algum projeto poltico.
"Estou absolutamente tranquilo em relao conduta que realizei como juiz. Houve aplicao imparcial da lei em casos graves de corrupo e lavagem de dinheiro", afirmou.
O ex-juiz da Lava Jato disse que a operao atingiu "vrios partidos" e que "no teve nenhum projeto poltico envolvido". Disse ainda que as acusaes de Humberto Costa eram '"bastante ofensivas". "Eu vou declinar de responder", reagiu o ministro.
O ministro tambm foi alvo de provocaes, como quando o senador Otto Alencar (PSD-BA) disse, ironicamente, que era exigir demais que Moro se lembrasse das conversas. "No exijam muito da memria do ministro. Ele tem pssima memria."
Moro tambm reagiu com rispidez em alguns momentos. Ao ser indagado pela segunda vez pelo senador Angelo Coronel (PSD-BA) se autorizaria que o Telegram divulgasse as mensagens, afirmou que o parlamentar "deveria se informar melhor".
Mas houve espao para brincadeira. "Hoje no tenho controle do meu Telegram, est l com o hacker", disse sorrindo ao responder o senador Marcos Rogrio (DEM-RO). Ao comentar as mensagens, o senador disse que "se houve excessos, vocs so seres humanos e podem cometer erros, sim".
Em um tom duro contra a atuao de Moro (Justia), o senador Cid Gomes (PDT-CE) disse que Moro, enquanto juiz da Lava Jato, tinha postura "de querer aparecer, se colocar como salvador da ptria" e que, atualmente, ningum fala no nome de quem o sucedeu na 13 Vara de Curitiba. "Eu dou um doce a quem disser o nome do atual juiz."
Mais cedo, Moro afirmou que o pas no precisa de heris, mas de instituies fortes, e negou que tenha atuado politicamente na Lava Jato.
"Nunca atuei nestes processos movido por questo ideolgica ou poltico-partidria. O fato de ter emitido sentenas a agentes polticos me trouxe dissabores, me trouxe pesos. Sou constantemente atacado h quatro, cinco anos, por ter cumprido meu dever", afirmou.
Cid Gomes tambm props que o Congresso instale uma I para apurar a conduta o ex-juiz frente dos processos da Lava Jato. Ele tambm defendeu que os parlamentares abram uma investigao "isenta e imparcial" sobre o autor dos vazamentos e sobre a segurana das comunicaes no pas.
Primeiro a propor a I, o senador Angelo Coronel disse que considera retomar a coleta de s aps a vinda de Deltan Dallagnol CCJ. O procurador foi convidado comisso, mas ainda no confirmou presena.
O senador Renan Calheiros (MDB-AL) lanou provocaes a Moro e disse que no prejulgaria o ministro.
"Defendo sua presuno de inocncia, o direito de defesa e acho, mais do que isso, que o senhor no est obrigado a responder sobre questes concretas destes vazamentos, mas so coisas graves", disse Renan, que, pedindo desculpas pela "coincidncia", afirmou ter 13 (nmero do PT do ex-presidente Lula) perguntas ao ex-juiz.
Moro repetiu ter havido "um sensacionalismo exacerbado" na divulgao das conversas e, pela quarta vez, citou o artigo de Matthew Stephenson.
Na tentativa de encurralar o ministro, Renan perguntou a Moro o que ele pensava sobre o pacote de dez medidas contra a corrupo, no qual haveria previso para usar os vazamentos na Justia.
"Sobre as dez medidas, precisava reavivar minha memria", esquivou-se Moro.
ATAQUE HACKER
Durante a sesso, Moro tambm deu detalhes do ataque hacker de que foi vtima h algumas semanas.
Afirmou que, em 4 de junho, por volta das 18h, seu prprio nmero o telefonou trs vezes. Segundo a Polcia Federal, os invasores no roubaram dados do aparelho do ministro -apenas o procurador Deltan Dallagnol teve informaes captadas durante o ataque que sofreu.
Moro afirmou ainda que deixou de usar o Telegram, de onde as mensagens vazadas foram extradas, em 2017, quando houve notcias de ataques hackers nas eleies dos Estados Unidos e ele comeou a desconfiar da segurana do aplicativo, que tem origem russa.
O pacote de dilogos que veio tona inclui mensagens privadas e de grupos da fora-tarefa no aplicativo Telegram de 2015 a 2018. As mensagens, segundo o site, foram entregues reportagem por fonte annima.
No Senado, Moro falou que houve interao de seu nmero com uma apresentadora de TV do Paran.
"Chamamos a PF, no mesmo dia, a PF examinou meu aparelho celular. Entreguei meu celular polcia para fazer exame. No tenho nenhum receio em relao ao que tem dentro daquele aparelho", disse Moro, reforando haver autonomia na investigao da Polcia Federal.
O ministro afirmou acreditar ser alvo da atuao de um grupo criminoso, pois "quem faz isso no um adolescente com espinha na frente do computador".
Direto de So Paulo, Thas Arbex e Daniel Carvalho / Folhapress