A divulgao de conversas entre autoridades da Lava Jato abriu espao para crticas ao modelo de investigao com o uso de foras-tarefas, defendido como eficaz pelo Ministrio Pblico Federal, masainda semuma regulamentao especfica.
Desde as suas primeiras fases, ainda em 2014, aoperao que teve origem no Paranfoi tocada por procuradores designados para reforar as investigaes no caso.
Os resultados bem-sucedidos ajudaram a consolidar iniciativas parecidas pelo pas, como a Lava Jato do Rio e a Operao Greenfield, no Distrito Federal.
Tambm deram notoriedade ao grupo coordenado pelo procurador Deltan Dallagnol, que ou a se mobilizar por causas alheias investigao criminal, como o projeto no Congresso de dez medidas anticorrupo.
A revelao de que o ento juiz Sergio Moro opinou sobre as investigaes com Deltan, conforme mostrou o site The Intercept Brasil, levantou discusses sobre a credibilidade da fora-tarefa paranaense, tambm afetada pela divulgao de troca de mensagens crticas ao PT na campanha eleitoral ao Palcio do Planalto do ano ado.
"Juiz no pode ser chefe de fora-tarefa", afirmou na quarta-feira (12) o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, durante sesso na corte. Gilmar alvo constante de crticas dos procuradores em declaraes e nas redes sociais.
O Cdigo de Processo Penal impede um magistrado de atuar em um caso, se tiver aconselhado uma das partes, o que consequentemente probe que integre uma fora-tarefa investigativa.
Apesar de no fazer parte da acusao, Moro tambm tinha exclusividade nos processos da Lava Jato, o que o fez ser o responsvel no s por analisar autorizar as medidas investigativas da fora-tarefa, como por julgar os denunciados pelos procuradores.
A discusso jurdica sobre proximidade do juiz com foras-tarefas anterior Lava Jato. Ex-juiz, hoje deputado federal pelo PSB-SP e ativista pr-Lava Jato, Luiz Flavio Gomes escreveu em 2006 que nos grupos de investigao "no existe espao algum para a participao ativa (e muito menos proativa) dos juzes".
"O julgador tem sempre que zelar pela sua imparcialidade. um terceiro, dotado de garantias supremas, que deve cuidar da preservao de todos os direitos fundamentais (do indivduo e da sociedade), procurando compatibiliz-los na medida do possvel."
Procurado agora, Flvio Gomes dizachar que houve quebra da imparcialidade de Moro nas mensagens que trocou com Deltan. "Afala do Moro, pelo que j se divulgou at aqui, foi de orientao ao MinistrioPblico. Pela lei brasileira, isso tira a imparcialidade do juiz. Eleum juiz suspeito porque aconselhou uma das partes", diz.
"Qual a consequncia de tudo isso? Eventual nulidade. Compete ao Supremo reconhecer quais atos podem se tornar nulos ou no."
A troca de mensagens tambm reacendeu discusso sobre a atuao de ummesmo juizdesde a investigao at a sentena em uma ao criminal, como previsto na legislao.
Em diferentes pases, um magistrado decide sobre a investigao (em prises preventivas, quebras de sigilo e buscas e apreenses, por exemplo), enquanto outro, posteriormente, conduz o processo e sentencia.
Segundo o procurador regional da Repblica Vladimir Aras, que participou da elaborao de um manual sobre foras-tarefas em 2011, o modelo brasileiro criauma "percepo de mistura entre os papis de juzes e procuradores no Brasil".
Ele exemplifica com o caso do mensalo, em que havia a impresso de que o inqurito foi tocado pelo ministro aposentado do Supremo Joaquim Barbosa.
Aras no comenta o casoMoro, mas defende uma mudana legislativa que preveja diferentes magistrados para a investigao e para o julgamento de um mesmo processo penal.
Tambm acha quedeve haveruma normatizao para foras-tarefas, inclusive que permita a integrao entre diferentes instituies, como MPs estaduais e federal, Receita e polcias.
Apesar de foras-tarefas terem sido formadas para a investigao de diversos casos nos ltimos 20 anos, do Banestado (2003) a Brumadinho (2019), ainda no h regulamentao sobre o tema na legislao brasileira.
Nem o prprio Ministrio Pblico tem uma norma interna a esse respeito. Hoje, para montar uma fora-tarefa, o procurador responsvel por um caso oficia a Procuradoria-Geral da Repblica ou o Conselho Nacional do Ministrio Pblico, solicitando reforos para uma investigao e justificando os motivos.
"Quem quiser fazer uma crtica ao que a gente faz nas foras-tarefas em geral precisa ter essa percepo inicial, de que hum problema estrutural do processo penal brasileiro [sobre o papel do juiz].Em segundo lugar,faltapreviso normativa do que uma fora-tarefa, de como ela funciona ou de como ela compartilha informao. Ns no temos uma lei que regule", afirma Aras.
Atualmente, para que haja interao entre entidades, diz, "ou voc faz convnio ou voc faz um acordo informal". "Isso gera um complicador que o compartilhamento de informaes. Esse aspecto o legislador tem que resolver."
A primeira fora-tarefa da Lava Jato funciona dessa forma. tocada na Procuradoria da Repblica no Paran, ainda que atue em colaborao com outros rgos, como a PF (que montou sua prpria fora-tarefa, extinta em 2017)e a Receita.
Inclui membros do Ministrio Pblico Federal lotados originalmente em outros estados, como SP e RS, e desde 2014, vem sendo renovada periodicamente por portarias da Procuradoria-Geral da Repblica.
Durante a operao, advogados fizeram constantes crticas ao modelo. Mas ele tambm foi tido como o responsvel pelo sucesso da Lava Jato.
Nem todas as foras-tarefas tm um juiz nico, como o caso da Lava Jato em So Paulo, que est distribuda por diversas varas federais. No estado, contrrio do Rio e do Paran, os procedimentos tm tramitado com maior lentido.
Em 2006, a Enncla (Estratgia Nacional de Combate Corrupo e Lavagem de Dinheiro), rgo ligado ao Legislativo que discute o combate corrupo, estabeleceu como meta a regulamentao do instituto.
A ideia era que um decreto presidencial fosse elaborado para que institucionalizasse as foras-tarefas e facilitasse a cooperao de rgos como o Ministrio Pblico, a Controladoria-Geral da Unio, a Receita e outros rgos federais.
aram os governos Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e se iniciou a gesto Bolsonaro. A ideia no saiu do papel.
Para que um procurador seja autorizado a trabalhar na fora-tarefa, so considerados fatores como a disponibilidade de integrantes do Ministrio Pblicona unidade solicitada e a disponibilidade oramentria.
Em 2017, o tema virou at plataforma de campanha na disputa eleio da lista trplice para a PGR. Candidatos defenderam, por exemplo, a limitao de tempo e de quantidade de procuradores cedidos a foras-tarefas ou a cargos de assessoramento do procurador-geral, em Braslia.
Direto de So Paulo, Jos Marques e Felipe Bchtold-Folhapress