“O que era pra ser meu, no pde ser. Mas hoje Deus est me dando um novo retorno. Eu quero sair da rua, quero arrumar um lugar onde eu possa ter meu prprio sustento porque eu no gosto de depender de famlia, de ningum. Eu gosto de depender de mim mesmo. E como est tendo essa oportunidade nica hoje, eu tenho certeza de que vou abraar e, na hora em que eu restaurar tudo que eu quero, eu tenho certeza de que minha vida vai mudar”. com essa mesma esperana externada pelo auxiliar de servios gerais Lcio Mauro Carvalho, 63, que centenas de pessoas em situao de rua chegaram em busca de seus direitos ao 3 Mutiro Pop Rua Jud, realizado nesta tera-feira (15 de outubro), no Ginsio Dom Aquino, em Cuiab.
Sobrevivendo nas ruas a maior parte de sua vida, aps a morte de sua me, Lcio Mauro encontrou no mutiro servios como emisso de documentos pessoais para, com isso, se candidatar a uma vaga de emprego no posto do Sistema Nacional de Emprego (Sine), que atendia no local.
O Mutiro Pop Rua Jud uma estratgia prevista na Poltica Nacional de Ateno s Pessoas em Situao de Rua e suas interseccionalidades, instituda pela Resoluo 425/2021 do Conselho Nacional de Justia (CNJ), com o objetivo de garantir o o justia e aos direitos fundamentais s pessoas mais vulnerabilizadas social e economicamente.
No mutiro, so oferecidos diversos servios de cidadania, comoatendimento jurdico nas esferas estadual e federal, emisso de documentos, consulta a benefcios sociais e FGTS, atendimento do INSS e percia mdica, atendimento ao migrante, cadastro no carto SUS, CAD nico, alistamento e regularizao do servio militar, atendimentos de sade, avaliao odontolgica, distribuio de kit de sade bucal, atendimento psicolgico e social, vacinao, testes rpidos, atendimento oftalmolgico e distribuio de culos, banho solidrio, doao de roupas e kits de higiene pessoal, corte de cabelo e doao de livros, entre outros servios disponibilizados pelos mais diversos rgos pblicos e instituies privadas.
“So vrios rgos, todos irmanados nesse ato de fraternidade, de solidariedade, de resgate da cidadania e cumprimento dos preceitos fundamentais da Constituio federal, que envolve a dignidade humana. A pessoa em situao de rua no est assim porque o quer, e sim porque alguma condio a levou a isso e so diversos fatores. E elas no podem ser estigmatizadas e acharem que todo cidado que est em situao de rua um dependente qumico ou algum que no quer trabalhar, no!”, disse ocoordenador do Comit Multinvel, Multissetorial e Interinstitucional para a Promoo de Polticas Pblicas de Ateno s Pessoas em Situao de Rua (CMMIRua-PJMT), desembargador Mrio Roberto Kono de Oliveira.
Para o magistrado, existem vrias situaes sociais, familiares, econmicas e de sade mental que podem levar uma pessoa a se deparar com a falta de moradia. “Qualquer um pode estar em uma situao de rua, de repente. E aqui voc tenta resgatar a cidadania, reconstituindo documentos ou fazendo o documento de algum que nunca teve, encaminhando para tratamentos de doenas, tentativas de empregos, benefcios sociais junto Previdncia. Ento, um conjunto de fatores que ns podemos colaborar para fazer o mximo para que eles possam sair dessa situao e mostrar a sua dignidade”, declarou.
Um dos beneficiados pelo mutiro foi Marcelo Alves Siqueira, que ou pelo exame de vista oferecido em conjunto por diversos parceiros (Servio Social da Indstria - Sesi, Conselho Brasileiro de Oftalmologia - CBO, Associao Mato-grossense de Oftalmologia - AMO, Residncia de Oftalmologia do Hospital Universitrio Jlio Mller e Liga de Oftalmologia da Universidade de Cuiab - Loft/Unic), e recebeu a doao de um culos de grau da empresa OneSight Essilor, que ficar pronto dentro de alguns dias e ele poder buscar no Centro Pop. “S tenho a agradecer por esse mutiro porque proporcionou para a gente um estmulo. uma coisa muito importante porque se eu fosse ter que pagar o exame de vista e o culos, iria ser um absurdo para mim. O atendimento foi nota dez! O pessoal muito educado, muito carinhoso, ento s tenho a agradecer”, avaliou.
Vivendo h 4 anos em situao de rua devido ao alcoolismo, que por sua vez, gerou o desvnculo familiar, Marcelo conta que busca tambm o Benefcio de Prestao Continuada (BPC), na esperana de conseguir pagar um aluguel para sair das ruas. “Infelizmente, por causa do alcoolismo, do desvnculo familiar com a esposa, houve esse problema. Hoje me encontro bem, com sade, no bebo mais, estou liberto, graas a Deus. Agora vou dar entrada no BPC porque eu necessito muito do BPC para dar uma condio a mais de estar alugando um barraco e reviver novamente, fazer um plano de vida e ser feliz novamente, uma mudana de vida. isso que eu estou buscando com f em Deus”.
O sonho de conseguir uma casa prpria o que o pedreiro Paulo Csar Dias da Silva, 43 anos, tambm destacou, enquanto era atendido pelo Exrcito, que emitiu o certificado de dispensa militar.
“Realmente, esse evento que est acontecendo aqui uma realidade sobre-humana porque muitas vezes ns precisamos de alguma coisa na nossa vida e no temos o necessrio para um sobrevivente de rua, como eu. Tenho minha famlia no Dom Aquino que me ajuda, mas eu recebo o Auxlio Brasil. E tem que ter mais auxlio em Cuiab, auxlio em tudo o que precisa, principalmente em moradia. H 10 anos eu vou e volto pra rua por falta de moradia. Quando voc tem que pagar um aluguel, as coisas no acontecem do jeito que voc quer. do jeito que acontece!”, afirma.
Alm do certificado de dispensa militar, Paulo Csar tambm foi em busca de segunda via de documentos pessoais. “Isso est sendo muito bom mesmo! Porque com documentao ns conseguimos trabalho, mas sem documentao como que voc vai uma carteira de trabalho? A nossa necessidade hoje em dia trabalho. Ns precisamos de trabalho e de lugar para morar”, apela.
Uma das organizadoras do evento, a defensora pblica Rosana Esteves Monteiro Sotto Mayor acredita que o mutiro pode ser uma das portas de sada da rua para as pessoas que por ali am. “Acredito que cada oportunidade que surge, cada vnculo que criado, cada barreira que quebrada estimula a pessoa a se reerguer. Ento esse mutiro pode ser o divisor de guas na vida de muitas pessoas, pessoas que vo comear a receber benefcios que no recebiam porque no tinham documentos, porque aqui esses documentos podero ser emitidos, os benefcios podero ser implantados, ento isso vai com certeza trazer dignidade e um novo futuro para as pessoas que arem por esse mutiro”, avalia.
Servios da Justia estadual
Durante o mutiro, o Centro Judicirio de Soluo de Conflitos e Cidadania (Cejusc) da Infncia e Juventude estava presente, levando informaes sobre os servios da justia voltados a essa parcela da populao. “Estamos oferecendo tudo o que est ligado aos menores, seja na questo de famlia, seja na questo infracional. Viemos com a campanha Entrega Legal, a campanha da oficina de parentalidade e da alienao parental”, explica Juliana Quito, gestora do Cejusc da Infncia e Juventude.
O juiz Geraldo Fidelis, titular da Vara de Execuo Penal de Cuiab, tambm transferiu seu gabinete para o Ginsio Dom Aquino, onde, juntamente com autoridades do Ministrio Pblico Estadual e da Defensoria Pblica Estadual, realizou audincias para as pessoas em cumprimento de medida cautelar.
“Estamos saindo do frum para fazer esse o mais direto porque essas pessoas, muitas vezes, tm dificuldade para chegar at ns. Ento ns viemos at o ginsio hoje para verificar situaes, por exemplo, se tem condies de progredir de regime, porque o pessoal de rua no tem condio de pagar multa, que muitas vezes so elevadas. Como eles vo pagar? impossvel! Seno eles vo se associar ao mundo do crime de novo e ns no queremos isso, ns queremos uma sociedade pacificada. Tambm vamos atender pessoas que esto monitoradas em situao de rua. Situaes que vierem aqui em relao execuo penal ns estamos disposio para atender”, disse o magistrado.
Fidelis destacou ainda a parceira com o Escritrio Social e a Fundao Nova Chance, que estavam juntos no mutiro, recebendo as pessoas que saam da audincia judicial para oferecer servios de educao, qualificao profissional, assistncia social, entre outros. “Isso essencial! Ningum faz nada sozinho. Esse trabalho s ns do Poder Judicirio estadual no faramos sozinhos. preciso a Defensoria Pblica, o Ministrio Pblico Estadual, ao lado tambm da Justia federal e, principalmente, essa ateno especial, esse acolhimento do Escritrio Social, que um acolhimento dado pessoa e sua famlia no sistema de ateno sade, alimentao, trabalho. O Sine est conosco aqui e ns vamos encaminhar essas pessoas para o trabalho, conforme o perfil de cada um, e garantir a cidadania plena a todas essas pessoas”, afirmou.
Da assessoria