Na prxima semana, a Comisso de Indstria, Comrcio e Servios da Cmara dos Deputados dever votar a proposta de lei complementar encaminhada pelo governo para regulamentar a relao de trabalho intermediado por empresas operadoras de aplicativos de transporte remunerado privado individual de ageiros em veculos automotores de quatro rodas.
Os parlamentares devero votar o substitutivo doPLP 12/2024, escrito pelo deputado Augusto Coutinho (Republicanos – PE), relator da matria. O projeto original, modificado por Coutinho, foi apresentado pelo governo no comeo de maro.
Segundo o Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), a proposta que chegou no Congresso Nacional fruto das discusses de grupo de trabalho (GT) criado em maio do ano ado pelo prprio MTE, com a participao das empresas e de trabalhadores do setor. O PLP tambm estabelece “mecanismos de incluso previdenciria e outros direitos para melhoria das condies de trabalho.”
De acordo o parecer do deputado Augusto Coutinho, o PLP reflete “questes mais amplas sobre o futuro do trabalho, a proteo dos direitos trabalhistas em uma economia cada vez mais digitalizada e a necessidade de encontrar um equilbrio entre a inovao tecnolgica e os patamares mnimos de proteo social.”
Jurisprudncia negativa
O impacto no futuro do trabalho esperado at mesmo por quem no tem sua atividade alcanada diretamente pelo PLP, como o caso do SindimotoSP que representa motociclistas, ciclistas e mototaxista intermunicipal do estado de So Paulo. Para o presidente da entidade, Gilberto Almeida dos Santos, se o projeto virar lei cria “grande jurisprudncia negativa” que “vai arrastar todas as outras atividades que esto sucateadas e precarizadas pelos aplicativos.”
Para Santos, a categoria no precisa da nova lei. Bastaria que as empresas de aplicativo cumpram a Lei 12.009/2009, sobre a atividades de motoboys e mototaxistas; a Lei 12.436/2011, vedando o aumento de velocidade das entregas; e a Lei 12.997/2014, que inclui o trabalho do motociclista como atividade perigosa na CLT. “A legislao atual j seria suficiente. O PLP assegura menos direitos do que essas outras trs leis.”
O sindicalista alerta para a possibilidade de que a nova legislao retire garantias e direitos aos trabalhadores como carteira de trabalho assinada, frias remuneradas, dcimo terceirosalrio; recolhimento do Fundo de Garantia doTempo de Servio (FGTS).
Perda de autonomia
No existe unanimidade entre trabalhadores sobre o PLP 12/2024 e a regulamentao do trabalho para os aplicativos. Alguns, como Gilberto Almeida dos Santos, temiaa perda de direitos e se retiraram das discusses no grupo de trabalhodo MTE . Outros trabalhadores temem a perda de autonomia e tributao. “A regulamentao vai estourar em dois bolsos: no dos motoristas e no dos usurios”, acredita o deputado Marcos Pollon (PL-MS) que se ope proposta.
Em audincia pblica para debater o PLP na Assembleia Legislativa do Mato Grosso do Sul (29 de maio), Pollon defendeu que “se tiverregulamentao que seja apenas para assegurar aos motoristas autnomos as garantias no seu relacionamento com a plataforma, para que no ocorram abusos e o piso no se torne teto.”
Para o parlamentar, os trabalhadores terem os direitos de quem est empregado no mercado formal “uma fria, uma gelada.” Antes de ser ovacionado por motoristas e seus representantes que acompanhavam a audincia, Marcos Pollon afirmou que “para cada salrio que vocs recebam, o empresrio paga mais dois de impostos, taxa, tributo e coisa e tal.”
Perfis diferentes
A diviso de opinio dos trabalhadores pode ter a ver com os diferentes perfis que se dedicam ao trabalho. Segundo a Associao Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Abomitec), quatro de cada dez motoristas tm outra atividade e completam a renda atendendo ageiros de aplicativos, enquanto seis de cada dez motoristas tm o trabalho com os apps como atividade principal.
A Abomitec, que representa empresas de aplicativos de transporte, defende a regulamentao conforme proposto pelo governo ao Congresso Nacional. “Trata-se de nova forma de trabalho intermediada por aplicativos, que no se encaixa naqueles parmetros previstos na CLT”, disse Agncia BrasilAndr Alencar Porto, diretor executivo da Abomitec.
A entidade empresarial criticou o texto substitutivo ao PLP 12/2024, apresentado pelo relator - deputado Augusto Coutinho (Republicanos – PE). Conforme nota, o texto avanou “sobre temas que no foram objeto de discusso no grupo de trabalhocom os representantes dos trabalhadores e das empresas”. A entidade tambm pondera que a proposta pode aumentar “a insegurana jurdica” e erra ao incluir “dispositivos que promovem interveno direta na operao das plataformas, engessando diversas questes operacionais que podem afetar a qualidade do servio.”
Aes civis
O Ministrio Pblico do Trabalho j ajuizou 15 aes civis pblicas contra as empresas que operam os aplicativos de mobilidade. At o momento, nenhuma teve julgamento final no Poder Judicirio.
Na avaliao de Renan Kalil, procurador do MPT, h motoristas que “entendem que as plataformas no permitem que faam um trabalho que de fato seja autnomo” e que tm a percepo de que as plataformas controlamotrabalhos que motoristas e entregadores realizam.”
Kalil assinala que o relacionamento entre empresas e trabalhadores de aplicativos conforma situaes peculiares de patro e empregado. Como ocorre, por exemplo, nas punies, quando os trabalhadores deixam de aceitar a quantidade mnima de corridas que a plataforma considera ideal; ou quando motoristas apresentam taxa de cancelamento maior do que a plataforma entende como aceitvel.
“So punies que as empresas acabam aplicando diante de situaes em que o motorista est se comportando fora do esquadro em que elas projetaramcomo ideal. O patro tem o poder de avaliar, o patro tem o poder de punir, no?”, pergunta o procurador.
Empresas de transporte
Para Renan Kalil, est errado, “do ponto de vista trabalhista tributrio e do direito do consumidor”, o fato de as empresas de aplicativos se identificarem como “de tecnologia ou de intermediao”.
“Os clientes quando baixam o aplicativo, no esto querendo um servio de tecnologia. Eles esto querendo um servio de transporte, de entrega. E os trabalhadores, quando se cadastram na plataforma, no esto indo prestar um servio de tecnologia, masum servio de transporte de pessoas ou de entrega de mercadorias”, dizKalil.
O procurador lembra que as empresas de mobilidade registram suas marcas no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) “como empresa de transporte”, que deve respeitar legislao trabalhista existente para osetor.
Outro aspecto que deveria ser considerado na regulamentao, na opinio do procurador, o fato de que o trabalhador no tem autonomia em relao s operadoras para executar a atividade, para estabelecer o preo da corrida e nem paraescolher ageiros, “Se fosse autnomo, ele no deveria ser punido por aceitar a corrida ou por cancelar”, acrescenta Kalil.
Aps a tramitao do PLP 12/24 na Comisso de Indstria, Comrcio e Servios, a proposta segue para a Comisso de Trabalho e, posteriormente para a Comisso de Constituio e Justia e de Cidadania – todas na Cmara dos Deputados. Sendo aprovado nas comisses, o PLP segue para o plenrio da Casa. Aprovado, o PLP segue para tramitao no Senado.
Em entrevista Agncia Brasil, oMinistro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho defendeu a proposta encaminhada originalmente pelo governo e assegurou que os trabalhadores recebero melhor remunerao.
De acordo com oInstituto de Pesquisa Econmica Aplicada,motoristas e entregadores de aplicativos esto trabalhando mais e ganhando menos desde que as plataformas de mobilidade comearam a fornecer os servios para os usurios. Entre 2012 e 2015, os motoristas tinham rendimento mdio mensal de R$ 3.100. Em 2022, o valor auferido era inferior a R$ 2.400 (queda de 22,5%). No caso dos entregadores, a reduo da renda mdia foi ainda mais aguda em intervalo menor (- 26,66%), de R$ 2.250 em 2015 para R$ 1.650 em 2021.
Agncia Brasil