Em MT, mulheres negras plantam primaveras h geraes e lutam contra a 'poltica de morte' 2a15p
No momento em que o movimento negro pauta o mundo, elas afirmam: precisamos no s que as pessoas no sejam racistas, precisamos de uma poltica antirracista 1q404
No Brasil, mes veem seus filhos morrerem diariamente, muitas vezes nas mos do Estado, sem justia. Todas elas negras. A situao evidencia o racismo estrutural na sociedade, que assiste a uma crescente apario de movimentos e smbolos supremacistas pelo mundo, inclusive dentro de espaos institucionais.
Como reao, muitas ocupam espaos de construo de polticas pblicas, organizando suas comunidades ourepresentando-as no parlamento dos principais centros urbanos. Em Mato Grosso, diferentes geraes de mulheres negras, que trilharam o caminho da cultura e educao, protagonizam movimentos sociais no estado com aes contnuas de apoio populao negra, alinhadas aos movimentos brasileiros.
“Ns, mulheres negras, sempre defendemos a nossa populao, essa uma realidade do Brasil. Quando os filhos de uma comunidade suburbana so violentados, no tm sade ou educao, as mulheres negras se colocam a todo momento”, destaca a ativista e pesquisadora Zizele Ferreira dos Santos.
Em tempos de pandemia e primavera negra no mundo, elas seguem em alerta, denunciando a “poltica de morte” como uma das maiores ameaas ao povo negro brasileiro.
“Se voc perguntar quem racista, ningum vai dizer que . Racismo crime, feio. Mas quando voc liga a televiso, voc v a necropoltica sendo colocada em prtica. O pequeno Joo Pedro levou 70 tiros e ningum fez nada. Miguel morreu porque a patroa mandou ame ear com o cachorro e meteu o menino dentro de um elevador. Quem era esse menino? Negro, a me negra”, destaca Antonieta Luisa Costa, conhecida como Nieta, presidente do Instituto das Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune-MT).
Antonieta Lusa Costa, conhecida como Nieta, presidente do Instituto de Mulheres Negras de Mato Grossoe militante desde os anos 1980.
O movimento vem ainda denunciando um “mito da democracia racial” que impede o avano do combate violncia contra negros e negras. “Ns vivemos em um pas racista e omisso. O primeiro o para mudar isso itir. Quando um presidente da repblica senta em uma live tomando um copo de leite, ele est dizendo o que para gente?”, questiona.
No estado, a carncia de polticas pblicas agravante da insegurana das mulheres negras, que alm de serem vtimas do feminicdio, temem diariamente pela morte de marido e filhos.
“No vamos nem fazer recorte, vamos s falar de mulher. Que poltica a gente tem? O governo acabou com a superintendncia da mulher e, de tanto a gente falar, vai criar ncleo. E s vai fazer isso porque Mato Grosso matou 400% de mulheres a mais no ano ado. E quem so essas mulheres? No temos poltica de monitoramento e sabemos que a maioria dos feminicdios recai nas mulheres negras”, destaca Nieta.
Atuao
Zizele Ferreira, que atualmente vice-presidente do conselho de aes afirmativas da UFMT, iniciou sua trajetria ativista em So Paulo por meio da arte. “Foi onde encontrei um espao de fala, construo e protagonismo. No teatro amador eu me envolvia com questes polticas, mas a questo racial ainda no era central”, conta.
A militncia no movimento negro comeou efetivamente h 10 anos, como resultado do envolvimento em formao e gesto pblica. Em Cuiab, Zizele, que hoje doutoranda, ingressou no Coletivo Negro Universitrio da UFMT, assumindo a coordenao que hoje responsabilidade da Lupita Amorim, 21.
Lupita (foto ao lado) faz parte de uma gerao que se insere no espao acadmico com a democratizao do o ao ensino superior. Resultado da atuao de ativistas da educao como Zizele e a professora Cndida Soares da Costa. “Anteriormente eu no tive contato com o movimento negro no ensino mdio e fundamental”, conta a jovem.
Vrzea-grandense, Lupita atriz e estudante de cincias sociais da UFMT e comeou no movimento negro em 2017, em reunies do coletivo e aes do Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre Relaes Raciais e Educao (NEPRE), poca coordenado por Cndida. Pelo grupo, Lupita coordena a ao ‘Ciclo de Cinema em Cena: Relaes Raciais e Desigualdades Sociais’.
“E essa minha forma de contribuir na luta. Pela universidade, colocando o meu lugar de fala enquanto uma mulher transexual negra e perifrica. Representando e trabalhando sempre para orgulhar a minha famlia, minha me e minha v, que trabalham muito para que eu me dedique aos estudos”, afirma.
Antes delas, Antonieta j travava a luta racial no estado desde a dcada de 1980. Formada em pedagogia e geografia, ela ingressou na militncia ainda jovem, aos 13 anos, seguindo os os do pai. O reconhecimento de negritude, no entanto, veio na infncia e da forma mais dolorosa.
“Eu soube que era negra aos sete anos de idade. Um dia eu e meu irmo fomos comprar po e a dona da mercearia falou que no vendia para negros. Quando chegamos em casa, meu pai pegou na mozinha minha e do meu irmo e voltou l e fez a dona vender para gente. Eu s chorava. At ento, eu era criana e a sociedade me mostrou que eu era uma criana negra”, relata.
Histrico do movimento negro em Mato Grosso
Nieta, Zizele e Lupita Amorim representam trs geraes que plantam e colhem frutos de um histrico de luta da populao negra no Brasil e em Mato Grosso.
O marco do movimento no estado data 1983 nos registros da Igreja de Nossa Senhora do Rosrio e So Benedito, em Cuiab, onde o pai de Nieta atuava como presidente do conselho paroquial. A primeira reunio do agrupamentom mais tarde se tornaria o Grucon, grupo Conscincia Negra.
Nieta foi inserida em espaos de expresso poltica tambm estudando teatro com expoentes como Ivan Belm e Liu Arruda, ainda adolescente. Na poca, ela foi apresentada a prtica das danas africanas. “De l para c, no parei mais”.
A partir de 1987, a ativista conheceu o movimento negro brasileiro em encontros no Rio de Janeiro e Braslia. Na capital federal, ela lembra que os mato-grossenses chegaram a celebrar os 300 anos de Zumbi dos Palmares, em 1988. “Samos daqui de um nibus e ele quebrou no sei quantas vezes. Chegamos e j havia acabado a marcha de Zumbi”.
O ano seguinte, 1989 marca o primeiro encontro da Conscincia Negra em Mato Grosso, com abertura no Liceu Cuiabano. “A gente colocou mil pessoas ali. Nunca tinha tido nada assim. A negrada tudo ali, excluda e descriminada, se sentiu no cu”, lembra.
Em julho de 1990, morre o pai de Nieta e ela reafirma para si o protagonismo da luta, mobilizando outras mulheres a incorporar a questo de gnero nas pautas da negritude. “Pensei ‘o que fazer?’. Mas eu j estava incorporada no movimento, j tinha 22 anos e era hora de dar continuidade a luta”.
Protagonismo feminino
Antonieta ou a reunir suas companheiras de militncia para discutir efetivamente gnero e raa a partir de 2001. O agrupamento ou a se reunir na sede da Central nica dos Trabalhadores, no bairro Aras, todos os fins de semana.
“Comeamos a perceber que nossa voz como mulheres negras no movimento negro era s para danar, cantar, sorrir e cozinhar. Quando a gente colocava nossas pautas acabava a reunio. E ns sabamos que poderamos fazer mais e participar efetivamente”, complementa.
No dia 12 de outubro de 2002, o Instituto das Mulheres Negras de Mato Grosso foi criado, segundo Nieta, “sem nenhuma pretenso”, para discutir poltica sem a necessidade do comando de um homem. Em 2020, o Imune completa 18 anos construindo polticas voltadas para mulheres, inseridos nos movimentos Articulao das Mulheres Negras Brasileiras (AMNB), Rede Nacional de Mulheres Negras e Coaliso Negra de Direitos.
Antes disso, a mobilizao de mulheres negras em Mato Grosso partiu da formao do grupo de dana ‘Filhas de Oxum’, no fim da dcada de 1980, o qual integrou por 22 anos. “Foi um grupo muito legal e discriminado. Chamavam a gente de macumbeira. Fazamos apresentaes nas igrejas e nas escolas. E esse trabalho da dana afro cresceu em proporo imensa, a gente rodava os municpios dando oficinas”, lembra Nieta.
Zizele e Lupita, por sua vez, j colheram os frutos plantados por mulheres da gerao de Nieta, de conquista de espao no movimento racial. “Desde que cheguei na universidade eu me deparei com muitas mulheres na posio de liderana. Mas no s estar presente, mas propondo”, afirma Lupita.
“Para mim, o movimento social negro uma experincia de mulheres o tempo todo em movimento e homens negros acompanhando essa movimentao”, conta. Ns somos o pescoo do movimento e das nossas casas. Somos base e alicerce da organizao dos movimentos negros no Brasil. O que acontece que ns temos um perfil violento patriarcal imposto pelos colonizadores, que um perfil masculino, mas no um perfil negro”, complementa Zizele.
Nieta reafirma o protagonismo feminino como cultura dos povos africanos e afro-brasileiros, que ganha maior evidencia com a organizao poltica das mulheres negras. “Lideranas quilombolas, povos de terreiro, so lideradas por mulheres. Sempre tivemos frente das lutas, mas ela no estava evidente”.
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