Valdecir de Oliveira, a Val, 28 anos, procurou a Defensoria Pblica do Estado de Mato Grosso (DPEMT) nesta segunda-feira (2) com um pedido de ajuda: quer deixar as ruas de Cuiab. Mulher transsexual, HIV positivo, sem famlia e endereo certo, ela conta que, em quatro dias na Capital, foi assaltada e levaram seu celular e o nico dinheiro que tinha para se alimentar, R$ 20. Isso depois de deixar Rondonpolis. Agora, seu objetivo ir atrs de uma tia que mora em So Paulo, onde pretende recomear. E para que ela consiga a mudana, a Defensoria conseguiu o compromisso de empenho por parte da Secretaria de Assistncia Social do Municpio para que ela viaje o mais rpido possvel.
“Preciso sair da rua. Cuiab muito violenta, no quero ficar nas ruas daqui. Procurei a Defensoria Pblica e pedi ajuda. No rgo, fui encaminhada com um oficio para o Centro Pop, para de l conseguir uma agem para So Paulo. Mas, se no conseguir ainda hoje, vou tentar ir de carona. Aqui no quero ficar”, contou.
Magra, cabelos longos postios, mala cor de rosa e um tigre de pelcia nos braos, Val conta que sabe ler soletrando e escreve pouca coisa. E que sua vida daria um filme cheio de sucessivas dificuldades, inseguranas e ausncias. Da famlia, restou o pai preso e as irms, que ela afirma no saber onde esto.
“Depois que minha me faleceu em 2012, nossa famlia foi cada um para um lado. A nica coisa que sei dessa minha tia, que mora perto do Rio Tiet, em So Paulo, e quero tentar ir para l”, disse.
Sonhos? Val diz que no tem. Simptica, sorridente, afirma que a sua prioridade deixar de ar fome e ter um lugar para dormir. “Mais cedo me viram tremendo, encolhida e perguntaram se era frio. No, eu estava com fome. Comi ontem. Hoje perdi a hora para pegar o almoo gratuito que oferecido em vrios pontos da cidade”, contou ela, guardando parte da comida que acabara de ganhar como almoo, contando que ela seria sua janta mais tarde.
Encaminhamento– No Acolhimento da Defensoria Pblica, alm dos atendimentos feitos para pessoas com residncia em Cuiab que precisam de sade, educao, proteo contra violncia, direito do consumidor e superendividamento, existe o feito por uma equipe multidisciplinar, formada por psiclogas e assistentes sociais, que orientam ou encaminham para atendimento internamente ou para rgos de Estado, pessoas com problemas similares aos de Val.
A gerente de assessoramento ao atendimento do rgo, vila Ferreira, informa que o atendimento populao em situao de rua representa a segunda maior demanda da Coordenadoria Tcnica de Assuntos Interdisciplinares (CTAI ) no Acolhimento, correspondendo a aproximadamente 23% dos atendimentos. De janeiro a maio de 2025, cerca de 50 pessoas aram pelo local, sendo encaminhadas para albergues e orientadas quanto emisso de segunda via de documentos, o a servios de sade mental e informaes sobre benefcios assistenciais.
"O trabalho da CTAI articulado com a rede por meio do Centro POP, o CAPS e o Consultrio na Rua, fortalecendo as aes interdisciplinares e intersetoriais, promovendo atendimentos efetivos s demandas que ultraam o atendimento jurdico. E tem sido de suma importncia para o nosso trabalho nesses atendimentos contar com o compromisso e os servios desses rgos", avalia.
No caso de Val, ela foi encaminhada para o Centro Pop, que encaminha pessoas em situao de rua para abrigos e que viabiliza a solicitao de agens. vila explica que para conseguir agem, o interessado precisa ter um endereo fixo, ou seja, precisa estar num dos trs abrigos de Cuiab. Mas, diante dessa exigncia, a defensora pblica que atua no Ncleo de Defesa da Mulher (Nudem), em Cuiab, Rosana Leite, tambm entrou em contato por telefone com a secretria adjunta de de Assistncia Social da Prefeitura de Cuiab, Paolla Reis, e recebeu o compromisso de empenho por parte do rgo para conseguir a agem para Val. "Diante do relato de violncia sofrida por ela aqui e da possibilidade de que a agem no fosse viabilizada hoje, consegui conversar com a secretria que nos garantiu que far o possvel para que a agem seja garantida", informou Rosana.
Nmeros do Grupo de Atuao Estratgica na Defesa da Populao de Rua (Gaedic/Pop Rua) da DPEMT indicam que, em Cuiab, vivem atualmente cerca de 1,5 mil pessoas em situao de rua. E que faltam polticas pblicas efetivas destinadas a esse grupo social. Para eles mais difcil ter o sade, trabalho e habitao.
Peculiaridade– Para a defensora, pessoas trans encontram dificuldades especficas na convivncia social e quando esto em situao de rua elas so potencializadas. “ sabido que esse segmento enfrenta os muitos desafios, inclusive quanto expectativa de vida, que de 35 anos. Apesar das muitas conquistas, a legislao no avanou em prol da populao LGBTQIAPN+. Existe inmeros preconceitos com as pessoas trans, a comear pelo uso de sanitrios pblicos, o que dificulta muito mais a vida socialmente. A luta contra a transfobia uma realidade a ser enfrentada cotidianamente, assim como se valer de programas governamentais de o da sociedade”, afirmou a defensora.
Ela lembra que transfobia crime desde que o Supremo Tribunal Federal (STF), em 2019, enquadrou a conduta na Lei de Racismo. “Condutas homofbicas e transfbicas praticadas contra pessoas LGBTQIAPN+ crime e a dignidade da pessoa humana princpio constitucional inerente a todo ser humano”, concluiu.
Da assessoria
