Se voc conhece algum que est triste, estressado emocionalmente ou abusando de substncias psicoativas (drogas ilcitas) ou lcool e no est conseguindo lidar com isso, ele pode estar com depresso e precisando de ajuda. A depresso um dos transtornos mentais que pode levar ao suicdio.
O ms de setembro dedicado a preveno ao suicdio, conhecido como o setembro amarelo. Mais de 90% dos pacientes que tentaram tirar a prpria vida possuem um transtorno mental que pode ser tratado, sendo que mais de 30% deles est associado depresso. Por esta razo, conversar sobre o assunto muito importante para preveno.
Para orientar e esclarecer sobre o assunto o Leiagora entrevistou a mdica psiquiatra, docente da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e presidente da Associao Mato-Grossense de Psiquiatria, Maria Fernnanda Carvalho.
Confira a ntegra da entrevista
Leiagora – Existe muito tabu e preconceito em falar sobre o suicdio, dificultando o esclarecimento sobre o assunto e a procura por ajuda de qualidade que pode salvar uma vida. Quais cuidados precisamos ter ao falar de suicdio?
Dra. Maria Fernnanda – O suicdio uma emergncia psiquitrica decorrente, na grande maioria, de transtornos mentais no tratados ou maltratados. Ento, o suicdio no uma doena, uma consequncia final. Se estou vendo que uma pessoa no est bem emocionalmente, est deprimida, com abuso de substncias ou estresse emocional muito grande e no est conseguindo lidar com isso, tenho que procurar ajuda neste momento. Muitas vezes, procuramos ajudar no final e no conseguimos salva-la. As pessoas tm dificuldade de falar sobre suicdio, porque quando algum comea a pensar nisso, ele est em uma emergncia psiquitrica desesperadora.
Quem pensa em suicdio no quer acabar com a prpria vida, ele quer acabar com um sofrimento interno. Existe um tabu em pensar que quando falamos sobre isto estamos sugerindo que ela faa e o inverso. Muitas vezes, a pessoa est com um sofrimento interno e o que ela mais precisa apenas falar, liberar tudo que est ali dentro. Ento, quem est prximo dela precisa saber ouvir sem julgamento. Depois, entender que o pensamento suicida so perodos de desespero que a pessoa no consegue lidar com os seus problemas.
Vale ressaltar que uma coisa s no capaz de promover o suicdio. Existe um conjunto de fatores que faz com que a pessoa adoea internamente. Temos que dizer que ela pode se tratar, mudar de vida e procurar um atendimento psiquitrico para fazer um diagnstico da doena mental, se ele tiver. importante destacar que 96.4% dos pacientes que tentam suicdio possuem um transtorno mental associado, sendo que mais de 30% deles tem o transtorno depressivo. Em segundo lugar vem o abuso de substncias e do lcool e em terceiro o transtorno afetivo bipolar. Ento, se queremos falar em suicdio, temos que falar em avaliar o sofrimento mental, tirar o estigma relacionado procura pelo atendimento psiquitrico de qualidade e por um tempo adequado, porque as pessoas no se mantem em tratamento e isso faz com que elas fiquem maltratadas.
Leiagora – Quais so os principais distrbios relacionados prtica do suicdio?
Dra. Maria Fernnanda – 96.4% dos suicdios esto associados a transtornos mentais. O mais prevalente o transtorno depressivo, em mais de 30%. Depois temos o transtorno afetivo bipolar, em seguida o transtorno psictico, especialmente a esquizofrenia e o uso de substncia psicoativas (drogas ilcitas) e dependncia de lcool.
Leiagora – Como identificar uma pessoa com depresso e tendncias suicidas? E como podemos ajuda-la?
Dra. Maria Fernnanda – Temos que observar se essa pessoa est com humor deprimido, com tristeza, no est se alegrando com as coisas do dia a dia, no est vendo perspectivas futuras, est com alterao de sono e de apetite e que no est vendo alegria para viver. Ela tem que estar dessa maneira, no mnimo, h duas semanas, todos os dias ou na maior parte do dia. Ento, um dia ou outro ter tristeza algo comum. S que se isso estiver persistente ns temos que prestar ateno.
Temos que observar como ns ramos e como ns estamos. Que no d para compararmos a nossa vida com a do outro. No podemos ficar comparando como o outro est. Eu tenho que avaliar como eu sou, como eu estou. Se eu estou diferente do meu habitual, muito triste, desanimada, sem perspectivas futuras e isso estiver persistente e causando um sofrimento muito grande para mim um sinal de alerta que eu preciso procurar uma ajuda especializada. Nesse momento, o profissional vai ver a avaliao e a conduta desse paciente. Se for uma depresso leve, podemos tratar com mudana de estilo de vida e psicoterapia. Se for uma depresso moderada e grave, precisamos usar medicao, psicoterapia e mudana de vida. Precisamos entender que medicao no algo ruim. Temos que resolver o problema. Existe o tabu de no querer tomar o remdio. Acho que no o ponto de querer ou no. querer ou no tratar e resolver o problema que esse paciente tem.
Leiagora – As vezes a depresso subestimada. Alm disso, algumas pessoas chegam a tentar tirar a vida, e depois ouve que s queria chamar a ateno. O que voc tem para falar para essas pessoas que desprezam a doena ou o suicida?
Dra. Maria Fernnanda – Se pensarmos que uma pessoa utiliza da tentativa de tirar a prpria vida para chamar a ateno e acharmos isso normal, j no normal. Uma pessoa que no est conseguindo lidar com os problemas do dia a dia, do relacionamento ou do trabalho e ela parte para uma tentativa de suicdio para “tentar” resolver esse problema, uma pessoa adoecida de alguma forma. uma pessoa que no est conseguindo lidar com problema dela e est reagindo de uma maneira desproporcional. Ento essa pessoa precisa de ajuda.
No sabemos se a ajuda que ela vai precisar ser medicao, mudana de estilo de vida, readequao. O que precisamos entender que essa pessoa no est bem e a partir da leva-la para uma avaliao e tentar entender. Tem pessoas que tem baixa resilincia, que tem mais dificuldade para lidar com as adversidades da vida, mas a que procuremos uma maneira dessa pessoa compreender e aliviar essa dor interna e elabore maneiras de lidar dor com essa dor, que no seja acabando com a vida dela.
Leiagora – Existe ainda aqueles que acabam que, sem saber como lidar e entender que se trata de uma doena psquica, leva para o lado religioso, falam em falta de Deus, tratamentos espirituais. Qual a melhor forma de lidar com isso? Qual a orientao nesses casos?
Dra. Maria Fernnanda – Ter uma religio algo protetor para o suicdio. As pessoas precisam entender que a religio no para ser algo contrrio ao tratamento tradicional da psiquiatria. Que ns, quanto psiquiatras, queremos mostrar para a populao que se o paciente tiver uma qualidade de vida geral, ou seja tiver um bom ambiente familiar, uma boa alimentao, pratica de atividade fsica, no consumir bebida alcolica e tabaco e tambm frequentar um grupo religioso e enaltecer a sua alma, em relao a religio, que isso vai ajudar muito. No tem como ser s uma falta de Deus. Temos comprovaes cientificas de alteraes neurotransmissores. Ento, a religio deve vir para somar ao tratamento e no para contradizer, para ser uma coisa ou outra coisa. Na verdade, temos que orientar que as duas coisas juntas ajudariam muito o paciente.
Leiagora – Um estudo da Organizao Mundial de Sade de 2019 mostrou que o suicdio a 2 causa de morte mais frequente entre as pessoas de 15 a 24 anos. O que leva os jovens a tiraram a prpria vida?
Dra. Maria Fernnanda – Estamos vendo cada vezes mais uma baixa resilincia, que seria uma dificuldade em lidar com as diversidades, porque os jovens esto muito imediatistas, eles querem tudo no momento deles e ai muitas vezes quando as coisas no saem da maneira, exatamente, como eles planejaram isso causa um desconforto emocional muito grande. E o outro ponto que ns observamos tambm o abuso de substncias e lcool. Ento, tudo isso junto faz com que os jovens “tenham mais o” a meios letais e faz com que eles acabem tirando a prpria vida, muitas vezes, que no seja aquela inteno primeira, mas que acaba acontecendo, porque ele no pensa nas consequncias dos atos dele. Isso nos preocupa bastante. Na verdade, precisamos falar mais sobre isso. Precisamos que a famlias escutem os jovens e saibam o momento de dar ateno e carinho, mas tambm que de as regras. Que os estejam mais presentes, eu falo fisicamente conversando e no todos no mesmo ambiente, mas cada um em um aparelho de celular, televiso ou tablet. Se eu estou vendo que o meu filho est adoecido ou eu ou o meu marido est adoecido, que tenhamos a iniciativa de procurar ajuda, porque ai quando um fica melhor, ns melhoramos o relacionamento familiar. No geral, os pais precisam entender que so pais e no amigos. Eles tem que entender o que permitido e o que no pode, estabelecer bem as regras. Cada famlia tem um tipo de regra e conduta, mas ns observamos que quando essas regras, deveres e prazeres so bem estabelecidos essa famlia funciona de uma maneira melhor e menos patolgica.
Leiagora – Quais so os fatores preditores para o suicdio. Quais so os principais sinais de alerta?
Dra. Maria Fernnanda – Ser jovem ou idoso do sexo masculino, ter um diagnstico psiquitrico, uma doena crnica ou incapacitante, uso de substancia psicoativas, ser solteiro, separado ou vivo. Morar sozinho e estar desempregado. Todos esses fatores nos levam a pensar em mal prognostico. E os fatores protetores seriam o casamento para o sexo masculino, ter indivduos que depende de si, pertencer a um grupo religioso. E em relao ao gnero as mulheres tentam mais, mas efetivam menos. E os homens tentam menos, mas efetivam mais. Os meios que os homens tentam geralmente so mais violentos.
Leiagora – Para finalizar, possvel prevenir o suicdio? Como? E onde essas pessoas podem ir em busca de ajuda? Quais so os canais ou centro de atendimentos para essas pessoas em sofrimento psquico?
Dra. Maria Fernnanda – No seria prevenir o suicdio, como eu falei o suicdio a ponta do iceberg. Na verdade temos que prestar ateno nos transtornos mentais e procurar ajuda, que pode ser procurada em ambulatrios de sade mental, consultrios de psiquiatras e psiclogos. Se a pessoa no tem o a esses profissionais, ela pode procurar um mdico de sade da famlia. Tem o Centro de Valorizao da Vida (CVV) que tem atendimento 24 horas e pode orientar essa pessoa naquele momento de desespero. Essas so as principais medidas, mas eu friso que para reduzir o suicdio preciso ficar alerta para os primeiros sintomas de transtorno mentais, abrindo a nossa cabea para saber orientar as pessoas e ns tambm sabermos como procurar ajuda, entender que o suicdio poderia ser prevenido se a pessoa procurasse o tratamento adequado. Os transtornos mentais so doenas como a diabete e presso alta. Imagina se essas pessoas no se tratassem no incio. Muita gente estaria em uma emergncia ando mal. Ento, eu tenho que comear a fazer o tratamento cedo. Isso que estamos fazendo aqui, que um trabalho de preveno e orientao para a populao algo de extrema importncia para que as pessoas entendam de que maneira podemos ajudar uma pessoa que est com transtornos mentais.