Durante 365 dias do ano, o Centro de Valorizao da Vida (CVV) faz um trabalho de preveno ao suicdio baseado em uma caraterstica fundamental: a empatia pelo prximo. O ato de ouvir com ateno e cuidado o desabafo de outra pessoa, em muitas ocasies, salva vidas

No ms de setembro, o CVV a a intensificar sua atuao, colocando holofotes sobre um tema que ainda cercado de muito tabu na sociedade: o suicdio. preciso falar sobre o assunto para ajudar na preveno. o que coloca o porta-voz Carlos Eduardo Latterza de Oliveira.

Funcionrio pblico, h cinco anos Carlos se viu em uma situao confortvel. Com a estabilidade no emprego, sentiu a necessidade de fazer um “algo a mais”, segundo contou reportagem. Foi assim que ele se juntou equipe do CVV. Desde ento, semanalmente, ele dedica ao menos quatro horas para ouvir aqueles que clamam por ajuda.

Em suas palavras, Carlos classifica o CVV como “um servio de apoio emocional 24 horas por dia. De forma sigilosa e gratuita, a pessoa acolhida por um voluntrio que est ali realmente interessado em acolh-la, sem julgamento, com respeito e aceitao, de modo que a pessoa possa realmente falar sobre a situao, e que o assunto fica entre a pessoa e o voluntrio”.

Na pandemia, a preocupao com a sade do prximo se tornou mais acentuada. No apenas a sade fsica, mas tambm a emocional e mental aram a ser temas de debates e a receberem mais ateno. Alis, por conta do acontecimento atpico, a campanha deste Setembro Amarelo destaca a importncia de aes voltadas sade mental.

Abaixo, confira a entrevista com o voluntrio do CVV

Leiagora - Como foi a chegada da pandemia para vocs do CVV? Quais foram os maiores desafios?

Carlos Eduardo - Acho que, como todas as instituies, tivemos que nos adaptar questo do isolamento social. Num primeiro momento foi desenvolvida uma forma para os voluntrios fazerem o atendimento de forma remota, e alguns dos voluntrios que no tinham essa condio tiveram que se afastar do trabalho temporariamente. E tivemos que nos adaptar, de forma que algumas reunies que fazemos entre ns, de treinamento, aram a serem feitas de forma virtual. Palestras e debates que fazemos para a comunidade tambm aram a ser de forma virtual. Ento, como na maioria das instituies, tivemos que virtualizar o nosso servio, e o atendimento pessoal ns tivemos que fechar por esse perodo, enquanto o isolamento vigorar. A gente percebeu que essas solues conseguiram suprir a demanda. Somos 4 mil voluntrios no Brasil inteiro e, por enquanto, estamos conseguindo fazer o atendimento normalmente.

Leiagora - E a campanha do setembro amarelo este ano, como ser? Qual a programao?

Carlos Eduardo - O CVV, observando todas as formas que foram baixadas pelo Ministrio da Sade, no vai fazer aes presenciais, mas vai ter, como todo ms de setembro, uma intensificao das nossas aes, s que agora pelas redes sociais, virtualmente, com palestras e debates. Costumeiramente fazemos umas caminhadas, mas por motivos bvios no faremos este ano. Tambm pedimos para algumas instituies iluminar suas fachadas com a luz amarela e alguns j aderiram, mas as principais aes sero feitas de forma virtual.

Leiagora - Qual ser a temtica da campanha deste ano? Voc mencionou debates e palestras. Haver outro tipo de ao?

Carlos Eduardo - A gente faz divulgao pelas redes sociais. Aqui em Cuiab j tem algumas demandas de participao em lives, rodas de conversa, sempre nesse sentido. E a campanha de setembro sempre a preveno do suicdio, e esse o mote da nossa campanha, valorizando a vida.

Leiagora - O tema suicdio alvo de controvrsias e tido at como tabu. H quem diga que quanto mais se fala, mais se influencia outras pessoas. Qual sua opinio a respeito dessa afirmao?

Carlos Eduardo - Na verdade, um tabu o suicdio, na nossa sociedade e no mundo inteiro, e existe esse mito de que falar no suicdio acarreta em mais suicdio. Na verdade, tem formas e formas de se falar do assunto. No meio jornalstico tem uma cartilha de como abordar, disponibilizada at no nosso site. Porque quando voc glamouriza o suicdio, mostra imagens do fato, eventualmente isso pode desencadear em algumas pessoas o efeito "Werther", que um romance do Goethe que, quando ele escreveu, ele acabou glamourizando o suicdio e muitas pessoas vieram a tirar suas vidas. Ento essa uma forma de falar do suicdio que inadequada.

Agora, quando informamos a pessoa de como fazer a preveno adequada, tirando o foco do suicdio e fazendo como ns do CVV nos propomos, de valorizar a vida, de mostrar que existe outros caminhos, o acolhimento... Quando a pessoa liga para o voluntrio e escutada, ela encontra um lugar para falar, se sente acolhida, aceita, valorizada e consegue encontrar caminhos para sair da ideia suicida. Assim, consegue encontrar solues para suas questes. Ento falar sobre o assunto importante para informar a populao. Mas como achar que falar sobre a Aids pode gerar mais casos de Aids. Na verdade a gente previne as situaes de riscos para a pessoa humana falando das formas de fazer a preveno, e no caso do suicdio no diferente. Ento informao correta, que leve preveno, necessria e deve ser divulgada. Agora, quando a gente glamouriza o suicdio, um desservio.

Leiagora - Nos dias atuais, a exposio das pessoas na internet muito grande, de forma que elas ficam vulnerveis a comentrios maldosos. Essas atitudes, s vezes at cometidas de formas impensadas, podem potencializar pensamentos suicidas? De que forma a presso da internet contribui para este cenrio?

Carlos Eduardo - Toda vez que a pessoa se sente julgada, ela se afasta. Quando se sente acolhida, se aproxima. Se ela est ando por uma situao pessoal difcil, ou est enfrentando uma doena mental, como depresso, ansiedade e outras condies que so fatores de risco para o suicdio, situaes de julgamento vo fazer com que a pessoa sofra ainda mais, seja nas redes sociais ou na convivncia. Ela vai se sentir incompreendida e no vai encontrar nas pessoas o espao ideal para que ela possa desabafar. O CVV funciona dessa forma.

A pessoa s vezes enfrenta vrias situaes na vida dela e tem uma presso emocional muito grande, e ela precisa desabafar. Ela precisa colocar isso pra fora e falar com algum. Ento, quando ela liga para o CVV, ela encontra esse espao, porque o voluntrio vai acolher sem julgamento, aceitando-a como ela , sem oferecer conselhos, para que ela possa, ali, se expressar, desabafar. E ali ela tira a presso interna. como se fosse uma a de presso, e ela encontra dentro dela espao emocional para que ela possa encontrar outros caminhos que no seja o suicdio.

Quando acontece isso nas redes sociais, tem at mito em cima disso. Dizem que quando a pessoa fala que vai se matar, ela no vai. Mas um mito. Quando a pessoa fala, ela est dando sinal. O prprio suicdio um ato de comunicao. Ela est comunicando uma dor intensa e s encontrou esse caminho para aliviar aquela dor. Quando ela encontra um espao confiante, no caso do CVV pelo telefone 188, ela encontra um voluntrio realmente interessado naquilo que ela est falando, e ai ela pode desabafar, falar dos seus problemas, e a ligao sigilosa.

Leiagora - Ainda sobre as redes sociais e a presso emocional, ltimo levantamento da OMS apontou que o suicdio a segunda maior causa da morte de jovens de 15 a 24 anos. Voc sabe indicar o motivo? a presso do incio da vida adulta, cobranas inesperadas, ou mesmo a exposio online?

Carlos Eduardo - O suicdio uma situao complexa, uma questo que surge de forma multifatorial. Nessa faixa etria, os jovens enfrentam uma srie de problemas: a mudana no corpo, presso pela faculdade, por emprego, presso dos colegas, e tambm fatores que so internos, doenas mentais como depresso e ansiedade, que podem se instalar nesse momento e levar a pessoa a pensar em suicdio. Ento o aumento de casos nessa faixa etria um fator muito preocupante.

O CVV, pensando nisso, disponibilizou no site uma srie de vdeos, primeiro para mostrar para os jovens que, na situao que eles vivenciam, existem outros caminhos para os problemas, e existe outra srie de vdeos para pais e educadores poderem se instruir e saber como lidar com esses adolescentes e jovens adultos, numa situao de risco e tentativa de suicdio possa vir a acontecer. Ento justamente nessa faixa etria, e tambm na da terceira idade, existem situaes peculiares que levam a pessoa, em algum momento, a pensar em suicdio, mas existem caminhos.

Leiagora - Vocs tm estatsticas dos atendimentos do CVV? Esse perfil apontado, por exemplo, est na faixa dos que mais procuram o servio de vocs?

Carlos Eduardo - muito importante essa sua questo para destacar um ponto do nosso trabalho: como a ligao completamente sigilosa, a pessoa no precisa se identificar e no existe nenhuma possibilidade de identificao da ligao da pessoa, e o que ela conversa com o voluntrio fica entre eles, a gente no tem nenhuma estatstica disponvel, justamente para preservar o sigilo e a pessoa poder ligar, de forma confiante, sabendo que o que ela fala fica ali.

Leiagora - E possvel indicar como as pessoas podem, no dia-a-dia, ajudar a prevenir o pensamento suicida?

Carlos Eduardo - Existem, basicamente, trs os para prevenir o suicdio: a gente precisa reparar nos sinais que a pessoa est dando, de que, de repente, ela possa estar pensando em suicdio, eventualmente de que ela esteja com uma doena mental subjacente; depois se colocar ao lado dessa pessoa, fazer com que ela se sinta acolhida, apoiada efetivamente por algum prximo; e depois encaminh-la para um servio de sade mental, onde ela vai poder encontrar ajuda para tratar aquela questo que a faa, eventualmente, pensar no suicdio.