25/08/2018 s 09:00 1a653d
Redao Leiagora
Quase dez mil mulheres foram vtimas de feminicdioou tentativas de homicdiopor motivos de gnero nos ltimos 9 anos, segundo levantamento da Central de Atendimento Mulher, o Ligue 180. Desde 2009, a central registrou denncias de morte de pelo menos 3,1 mil mulheres e outras 6,4 mil foram alvo de tentativa de assassinato.
Na ltima dcada, o pico de registros ocorreu em 2015, ano em que o feminicdio foi includo no Cdigo Penal brasileiro como qualificador de homicdio e no rol de crimes hediondos. Naquele ano, a central recebeu 956 registros de assassinatos de mulheres, contra 69 mortes apontadas no ano anterior.
O nmero de denncias, entretanto, est muito aqum das ocorrncias de feminicdio. Segundo o Sistema de Informaes sobre Mortalidade (SIM), do Ministrio da Sade, s em 2016, cerca de 4.635 mulheres foram mortas por agresses, uma mdia de 12,6 mortes por dia.
A secretria nacional de Mulheres, Andreza Colatto, explica que ainda h subnotificao de denncias e alerta que muitos casos de assassinato de mulheres poderiam ser evitados. ?Quando ns interrompemos um ciclo de violncia contra uma mulher por meio de uma denncia simples salvamos muitas vidas?, destaca Andressa.
Ela lembra que o Ligue 180 pode ser acionado em todo territrio nacional e em mais 16 pases. ?A denncia pode ser feita anonimamente. Ningum se compromete ao denunciar, apenas apoia e auxilia mulheres que ficam desprovidas de coragem para fazer essas denncias. necessrio que a sociedade se empenhe na ajuda contra esse problema to grave que, todos os dias, tem registrado aumento de casos no Brasil?, refora.
O assassinato de mulheres devido condio feminina a expresso mais grave dos vrios tipos de violncia de gnero.
Segundo a Central, desde 2009 foram relatados quase 737 mil casos de violncia domstica ? mais de 80% do total de denncias recebidas no canal. Das agresses denunciadas em ambiente familiar nos ltimos anos, quase 60% so fsicas e cerca de 30% psicolgicas, tipos de violncia que geralmente precedem o crime do feminicdio.
De acordo com a chefe do Centro Especializado de Atendimento Mulher (Ceam) do Distrito Federal, Graciele Reis, a violncia domstica o crime mais identificado nos relatos de mulheres.
?Violncia domstica o carro-chefe. Normalmente, quando a mulher busca ajuda j chegou na violncia fsica. Para que ela entenda que est ando por uma violncia psicolgica, realmente ela est no pice da humilhao, do isolamento?, alerta a assistente social.
Segundo a OMS, um tero das mulheres do mundo j sofreram alguma vez na vida violncia fsica e/ou sexual. A organizao estima que mulheres expostas a violncia domstica tm duas vezes mais chance de desenvolver depresso e uso abusivo de lcool.
Graciele destaca que a melhor forma de prevenir o feminicdio identificar os casos de violncia psicolgica. Mas, em geral, as mulheres no conseguem compreender que vivem uma situao de abuso e so submetidas, por muitos anos, aos excessos de maridos e companheiros. ?O [abuso] psicolgico precisa estar quase na violncia fsica para ela compreender que est numa relao violenta, ela tem que estar sofrendo muito j?, explica.
Casos de violncia sexual e patrimonial dentro do casamento tambm so menosprezados, segundo a assistente social. ?Fica naquela cultura, 'eu trabalho, mas ele istra meu dinheiro porque sabe usar melhor' e isso tudo vai podando a mulher de ter a liberdade, de ter autonomia, de fazer o que ela quiser com o dinheiro do prprio trabalho?, analisa.
?Todo mundo entende violncia sexual como aquele estupro que puxa, rasga roupa. Mas aquela fala do homem 'voc fria, voc no quer nunca', 'voc minha esposa e tem que cumprir tambm esse papel'; ele fica mal-humorado, ela cede para ele no ficar grosseiro, as mulheres no compreendem isso como violncia sexual?, ressalta.
Para a vice-presidente do Instituto Maria da Penha (IMP), Regina Clia Almeida Silva Barbosa, importante ficar atento a agresses verbais e importunaes que, muitas vezes, so vistas com naturalidade.
?Feminicdio no comea com feminicdio. Ele comea nas sutilezas daquilo que muitas vezes o autor da violncia entende como uma permisso [da mulher]?, afirma Regina Clia.
O Ceam atende mulheres de diferentes perfis sociais ? desde pessoas em situao de rua at mulheres ricas. Em comum, elas tm o medo de retaliao do companheiro e de serem julgadas pela sociedade, a falta de informao sobre os tipos de violncia e as dificuldades de expor o problema, principalmente na esfera policial e criminal.
?J atendemos mulheres que aram por violncias fsicas graves, dente arrebentado, facada, tiro, paulada. No fcil se deslocar de casa [para denunciar], no fcil criar coragem, mas h vrios casos de superao?, disse Graciele.
Mrcia*, 44 anos, um das mulheres atendidas pelo Ceam que tem superado o medo e o trauma da violncia domstica. Durante os anos de casada, ela foi impedida de estudar e trabalhar por cimes desmedidos do marido. O desejo de encerrar o relacionamento de oito anos tornou o companheiro mais agressivo. Ele se recusou a deixar a casa e ou a humilhar e maltratar a mulher.
?Eu estava triste, porque no estava mais dando certo e eu vi que j estava comeando a ficar doente, no estava mais aguentando. Eu estava to abalada que no sabia o que fazer, a gente fica sem cho, sem rumo, sem foras?, relata.
Mrcia ou a perceber que ele estava a ponto de agredi-la. Prevendo o pior, ela decidiu buscar ajuda. ?Liguei no 180, conversei, desabafei um pouco, porque eu estava vendo que eu tinha que me movimentar, porque se eu no me mexesse, eu j estava enxergando o que ia acontecer?, completou.
Ela tambm recorreu ao Ceam onde recebeu atendimento psicolgico e assistncia social. ?Elas perceberam que eu estava precisando e comearam a me atender. Ali um meio de ajudar as mulheres que am por problemas de violncia, no s fsica, mas psicolgica. Realmente fortalece, porque quando a gente se sente esmagada, triturada por algum como se no tivesse ningum para te acolher, te amparar?, conta.
Quando Mrcia buscou apoio, o ex-companheiro saiu de casa, intimidado pela iniciativa da mulher de denunciar a situao. Hoje, ela cursa faculdade e j est aconselhando amigas da vizinhana que am por situaes de violncia a buscarem ajuda.
?Se todas as mulheres que am por isso pudessem evitar a partir desse momento da agresso psicolgica, antes de chegar agresso fsica, eu acho que j seria um grande fato para evitar esse nmero de mortes?, afirma.
Na experincia diria de atendimento s mulheres vtimas de violncia domstica, a chefe do Ceam do Distrito Federal diz que h uma dificuldade dos policiais e dos operadores da Justia de enquadrar o abuso psicolgico ? como o caso de Mrcia ? se no estiver acompanhado de uma evidncia como xingamento ou leso corporal.
?Precisa trazer a violncia psicolgica luz, porque isso tem destrudo as mulheres que acabam desenvolvendo transtornos mentais serssimos. E, infelizmente, o Estado ainda no est preparado para ouvir essas vtimas de forma qualificada?, critica Graciele.
*Nome fictcio para preservar a identidade da vtima
Direto da Agncia Brasil,Dbora Brito
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