12/07/2018 s 13:44 162f5c
Iury Lupaudi
Quando o filho completou 4 anos, Elaine Kiss, como a maioria dos pais, comeou a procurar escola. Para a sua surpresa, todos os colgios diziam no ter mais vaga. As escolas no estavam lotadas, mas recusavam lugar para crianas como Gustavo, que autista. A lei probe negar matrcula a alunos com deficincia ou transtornos globais do desenvolvimento, como o autismo, mas instituies particulares afirmam ter nmero mximo de vagas para estudantes com deficincia. A justificativa dos colgios a dificuldade de receber vrias crianas ou adolescentes com esse perfil, que demanda outros tipos de ateno.
"Dez escolas recusaram matrcula para o meu filho. Quando ligava, perguntando se havia vaga, todas diziam que tinham e agendaram horrio para eu ir conhecer o espao. Quando eu dizia ou viam que o Gustavo autista, na mesma hora falavam que as vagas para deficientes j estavam preenchidas", conta Elaine, de 37 anos. Aps dois anos de busca, Gustavo, hoje com 6 anos, vai comear a frequentar em agosto as aulas em um colgio particular na zona leste de So Paulo.
Me de Giovana, de 11 anos, tambm autista, Elaine sabia que as justificativas dos colgios no eram amparadas por lei, mas preferiu no insistir na matrcula. "Uma diretora disse que j tinha outras crianas com deficincia e, se aceitasse meu filho, deixaria de ser escola regular. Sabia que era mentira e ilegal, mas no queria deixar meu filho nesse lugar."
Em junho de 2016, o Supremo Tribunal Federal validou as normas do Estatuto da Pessoa com Deficincia, de 2015, proibindo escolas privadas de recusar matrcula sob qualquer justificativa ou de cobrar valores adicionais nas mensalidades do aluno com deficincia. A lei, assim como normas anteriores, no prev nmero mximo de crianas com deficincia por turma ou escola. So comuns, no entanto, relatos de pais que ouviram das escolas justificativas sobre um "limite" de capacidade.
Demanda
Como muitas escolas criam empecilhos para matricular alunos com deficincia, segundo especialistas, unidades consideradas melhores no atendimento de estudantes desse tipo costumam ter maior procura pelas famlias e podem ficar sobrecarregadas.
A Red House International School, em Higienpolis, na regio central de So Paulo, usa abordagens de ensino desenvolvidas pelo National Autism Center (EUA). O rgo recomenda, para um trabalho eficiente de incluso e aprendizagem, proporo de 30% de alunos com alguma necessidade de interveno pedaggica por turma.
"Atendemos o nmero mximo possvel para beneficiar tanto a criana de incluso, como as demais. Cada aluno tem um plano individual de ensino com um currculo adaptado para suas necessidades, materiais adaptados, assistncia diferente. Se aceitarmos mais do que isso por turma, esse trabalho se perde", explica a diretora Denise Liam. Dos 170 alunos da escola, 18% tm alguma deficincia.
Ela explica que a proporo no rgida e avaliada a cada caso. No 3. ano do ensino fundamental, 4 de 12 alunos so autistas. "Esses nmeros nos garantem boa educao. Quando os pais me procuram e no tenho condies pedaggicas de aceitar a criana, explico e ajudo a encontrar outra escola que v garantir bom trabalho de ensino." O colgio vai inaugurar uma nova unidade em 2019.
No Colgio Anglo 21, zona sul, a coordenao tenta colocar uma criana com deficincia por turma, especialmente em sries iniciais. Diz que, ao longo do ano, perceberam que outros alunos acabam sendo diagnosticados com alguma sndrome ou transtorno. "Por esse cenrio triste e grave de excluso em outros lugares, muitas famlias no avisam a escola com antecedncia. Ou, e o que ocorre na maioria das vezes, o diagnstico ainda no est fechado pelos mdicos", explica a coordenadora, Ana Clara Bin.
Ludmila Harabura, de 41 anos, matriculou Felipe, de 8, no Anglo 21, aos 3 anos. Com paralisia cerebral, ele tem dificuldade de locomoo e na fala, mas, com adaptaes feitas no material didtico, acompanha o mesmo contedo que os colegas. "Aprende a mesma coisa, mas de forma diferente. A escola entendeu que precisava adaptar o material, as aulas e a forma de ensino. No era o Felipe que tinha de se adaptar", diz a me.
Na turma, o nico com deficincia. Para Ludmila, a escola teria condies de atender mais de uma criana com deficincia por sala, mas acredita que a ateno pode ficar "diluda". "O diferencial foi o poder de adaptao da escola. Se tivessem de fazer isso com duas ou trs crianas na mesma sala, usar estratgias e materiais diferentes, no sei se a qualidade seria a mesma. um dilema."
Recusas
Para Fernanda Maria Correia, de 42 anos, a escola ideal s apareceu depois de vrias rejeies. Ela tirou o filho Davi, autista e com 9 anos, de um colgio privado de Belo Horizonte por causa de agresses fsicas e psicolgicas. Foi em busca de outras unidades.
"Em uma das escolas, a coordenadora dizia que no tinha condies de fazer a incluso de mais de uma criana em uma turma com 30. Ela me mostrou o livro e me perguntou se achava que ele conseguiria acompanhar. Usam argumentos to absurdos que eu mesma no quis deix-lo naquele colgio." Por fim, uma escola privada abrigou Davi, hoje no 2. ano do fundamental, aps discutir com a famlia e terapeutas a melhor forma de incluir a criana.
Adaptao
A maioria das escolas, segundo especialistas, entende que no sua misso atender alunos com deficincia. E nem toda necessidade de interveno pedaggica, defendem, deve ser tratada da mesma maneira.
Coordenadora do Laboratrio de Estudos e Pesquisas em Ensino e Diferena da Unicamp, Maria Teresa Mantoan diz que a lei e as escolas no podem fixar limite de alunos com deficincia, pois estariam "embutindo a noo de que esse aluno um fardo". Os pais, afirma, devem denunciar esse tipo de prtica ao Conselho Estadual de Educao ou ao Ministrio Pblico. Entre as sanes possveis, a escola pode ser multada.
" claro que os pais vo buscar aquelas que se mostram mais abertas e isso sobrecarrega algumas unidades. Temos de cobrar esse posicionamento de todas, muitas escolas se isentam dessa responsabilidade porque no querem se adaptar", afirma Maria da Paz Castro, assessora de educao inclusiva em escolas particulares.
Para ela, que foi capacitadora do Centro de Estudos da Escola da Vila, "cotas", alm de ilegais, podem criar distores. A demanda de um aluno com sndrome de grau mais grave no a mesma de um com dislexia leve, por exemplo. "Criana com deficincia no traz problemas, mas revela problemas que escolas tm e tentam empurrar para debaixo do tapete."
Estado Contedo, Isabela Palhares
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