O crescente interesse de algumas mulheres adultas pelas chamadas bonecas “bebê reborn” – réplicas hiper-realistas de recém-nascidos – tem gerado debates nas redes sociais e entre profissionais da saúde mental. Para os psiquiatras mato-grossenses, Werley Peres e Manoel Vicente, o fenômeno, longe de ser apenas uma excentricidade ou modismo, revela questões emocionais complexas que merecem atenção e empatia.
Segundo Werley Peres, especialista em psiquiatria, é necessário compreender o perfil psicológico das mulheres que am a tratar essas bonecas como filhos. “Boa parte dessas pessoas carrega traumas importantes, como a perda de um filho, de uma gestação, ou até a impossibilidade de engravidar. Às vezes, o que parece uma brincadeira é, na verdade, a expressão de uma dor muito profunda”, explica. Para ele, o uso dos bonecos funciona como uma tentativa de preencher lacunas emocionais causadas por perdas afetivas significativas.
O especialista enfatiza que não se trata, necessariamente, de quadros psicóticos. “Muitas vezes, é um comportamento fantasioso que substitui aquilo que se perdeu ou nunca se teve. Não é justo patologizar essas mulheres. Elas estão lidando com uma dor que sempre existiu, mas que agora ganha visibilidade por meio das redes sociais.”
Por outro lado, Werley reconhece que alguns casos envolvem exposição exagerada para obter seguidores ou vender produtos, mas afirma que isso não representa a maioria.
Manoel Vicente, também psiquiatra, aprofunda a análise ao destacar o papel do vínculo afetivo na formação psíquica. “O mais importante que ninguém está dizendo é que os pais, sem perceber, também transformam os filhos reais em objetos de apoio emocional. Quando esse vínculo se baseia na insegurança ou no medo do abandono, ele pode se tornar codependente”, afirma.
Segundo Vicente, o vínculo com o bebê reborn pode ser uma tentativa inconsciente de reconstruir um afeto seguro, controlável e constante – algo que a realidade, com suas incertezas e frustrações, não permite. “A boneca está sempre ali, disponível, e nunca vai contrariar. É como muitas pessoas esperam que os filhos sejam. Mas isso revela feridas emocionais não tratadas, que acabam se expressando nesse tipo de comportamento.”
Para os especialistas, a atenção clínica deve ir além do julgamento e buscar entender o que há por trás da conduta. Ambos concordam que o fenômeno, embora amplificado pelas redes, ainda é a um número pequeno de pessoas. “Não é uma febre, é apenas mais visível agora. O sofrimento por trás, no entanto, é antigo e real”, conclui Werley Peres.
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