O relatrio preliminar da auditoria operacional sobre Violncia Contra a Mulher do Tribunal de Contas de Mato Grosso (TCE-MT) evidencia como uma srie de falhas estruturais, de planejamento e gesto resultam em altos ndices de feminicdios. No estado, 90% dos municpios no possuem Secretaria da Mulher ou unidade similar, 52% no contam com Conselho Municipal, 85% no tm um protocolo de atendimento s vtimas e 75% apontam falhas na integrao de servios da rede de atendimento.
“Ns temos que mudar esse quadro e isso comea pela indignao, porque preciso se indignar. Mas depois precisamos conhecer os nmeros e foi por isso que ns fizemos essa auditoria. Os nmeros so muito ruins. Em Vrzea Grande, que a segunda maior cidade do estado, ns no temos uma delegacia especializada unicamente para a mulher, por exemplo. E pelo interior pior ainda”, destacou o presidente do Tribunal, conselheiro Srgio Ricardo, ao avaliar os ndices.
Anunciada em maro de 2024 por Srgio Ricardo, a fiscalizao considera os altos ndices de feminicdios registrados no estado, lder no ranking nacional de 2023 com 2,5 mortes para cada grupo de 100 mil mulheres, segundo o Frum Brasileiro de Segurana Pblica (FBSP). “A mulher est sendo espancada, est sendo morta, est sendo tirada do mercado de trabalho. Mato Grosso campeo em feminicdio e isso resultado da ausncia de poltica pblica ao longo dos sculos”, afirmou o presidente.
A auditoria incluiu visitas in loco a 12 municpios e a coleta de dados em 141 prefeituras, sendo que 88 delas responderam ao questionrio eletrnico. A amostra foi selecionada com base em critrios populacionais, regies do estado, ndices de violncia e feminicdio, alm de informaes extradas do Sistema Aplic do TCE-MT e dos portais de transparncia municipais. Assim, o levantamento alcanou um nvel de confiana de 90%, com margem de erro de 5%.
Constatou-se ainda que 82% dos municpios no tm um Fundo Municipal da Mulher e apenas 8% incluem previso oramentria especfica para enfrentamento da violncia de gnero em seus Planos Plurianuais. Alm disso, algumas prefeituras incluem o tpico "mulheres" de forma genrica no oramento, sem apontar a devida destinao dos recursos.
Segundo a auditora pblica-externa Simony Jin, que coordena a ao, o problema da falta de recursos agravado pela falta de planejamento: apenas trs prefeituras contam com Plano de Metas relacionado ao tema e o Plano Estadual, que deveria orientar as aes, no atualizado desde sua criao, em 2017. “ claro que os recursos so importantes. No entanto, existem outras aes igualmente importantes, como o planejamento e o envolvimento das instituies que executam”, explica.
Boas prticas
Apesar das dificuldades, a equipe tcnica do TCE identificou algumas iniciativas exitosas em 12 municpios que receberam visitas in loco. Entre os exemplos que podero nortear aes futuras est a lei municipal de Sinop que probe a nomeao de servidores condenados com base na Lei Maria da Penha. Em Sorriso, a notificao compulsria de casos de violncia feita de forma annima diretamente s autoridades e, em Lucas do Rio Verde, foi criado um Boto do Pnico para mulheres com medidas protetivas.
Em outra frente de atuao, h ainda a Casa de Acolhimento Feminina "Casa Belbellita", em Cceres, que assim como a Casa Sarita, em Vrzea Grande, oferece abrigo humanizado a vtimas de violncia domstica. J em Barra do Garas e Rondonpolis, h grupos reflexivos para homens agressores e, em Cuiab, nica cidade que conta com uma Secretaria da Mulher em todo o estado, tambm h espaos de acolhimento s vtimas dentro das unidades de sade.
Determinaes e recomendaes do TCE-MT
Na maioria dos casos, contudo, o levantamento indica a urgncia de planejamento estratgico, financiamento adequado e, sobretudo, integrao entre os diversos rgos de assistncia. “ necessrio o movimento em conjunto das instituies e uma sensibilizao dos gestores, principalmente agora que ns amos por uma troca de prefeitos em quase 50% dos municpios, para que possam ser traadas a partir de um novo governo polticas pblicas que realmente atinjam quem precisa”, explicou Simony.
Diante desse cenrio, o relatrio preliminar prev uma srie de recomendaes ao Governo do Estado, aos municpios, ao Judicirio, Defensoria Pblica e outras instituies que atuam em defesa dos direitos das mulheres. Vale destacar que o trabalho est em andamento e que as medidas sero deliberadas pelo Plenrio do TCE-MT. Nas prximas semanas os gestores devem se manifestar sobre os apontamentos e s ento o processo retornar ao TCE para as consideraes finais da equipe tcnica e apreciao dos conselheiros.
A auditoria conduzida pela 2 Secretaria de Controle Externo (Secex), com apoio da Comisso Permanente de Segurana Pblica, presidida pelo conselheiro Waldir Teis, que tambm o relator do processo.
Trabalho j traz resultados
Mesmo antes de ser concluda, a auditoria j traz conquistas fundamentais para o estado. Na ltima semana, o presidente do TCE-MT anunciou que os dados subsidiaro um ponto de controle na anlise das contas anuais de governo dos municpios, o que contribuir para o cumprimento das recomendaes e garantir uma rede de proteo mais estruturada para as mulheres mato-grossenses.
O ponto de controle deve considerar a previso oramentria para polticas pblicas e a execuo de programas de combate violncia de gnero. Desta forma, o Tribunal poder identificar eventuais contingenciamentos ou subutilizao de recursos. “Quando formos julgar as contas, verificaremos se h delegacia especializada, se foi feito algum movimento para melhorar os ndices, se houve dinheiro destinado, se o gestor foi atrs de recursos. Cada um vai ter que se adaptar e executar”, concluiu Srgio Ricardo.