O julgamento dos ex-policiais militares Ronnie Lessa e lcio Queiroz, rus confessos dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em 2018, ser retomado s 8h desta quinta-feira (31), no 4 Tribunal do Jri do Rio de Janeiro. O julgamento foi iniciado nessa quarta-feira (30), com os depoimentos de nove testemunhas e dos dois rus.
O crime foi cometido em 14 de maro de 2018. Nesse dia, Marielle participou de um compromisso na Casa das Pretas, na Lapa, centro da cidade. Quando o encontro terminou, a vereadora saiu com a assessora Fernanda Chaves, em carro dirigido pelo motorista Anderson. Quando avam pelo bairro do Estcio, na Zona Norte, foram atingidos por treze disparos. Apenas Fernanda sobreviveu.
Ronnie Lessa e lcio Queiroz esto presos desde 12 de maro de 2019, e foram interrogados hoje por videoconferncia. Lessa est no Complexo Penitencirio de Trememb, em So Paulo, e Queiroz, no Complexo da Papuda, em Braslia.
Os acusados de serem mandantes dos crimes so os irmos Chiquinho e Domingos Brazo, respectivamente, conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RJ) e deputado federal. O delegado Rivaldo Barbosa, chefe da Polcia Civil do Rio de Janeiro na poca do crime, acusado de ter prejudicado as investigaes. Os trs esto presos desde 24 de maro desse ano, depois das delaes premiadas de lcio e Ronnie.
H um processo paralelo contra eles no Supremo Tribunal Federal (STF), que julga os irmos Brazo e o delegado Rivaldo Barbosa, por causa do foro. Tambm so rus no processo o ex-policial militar Robson Calixto, ex-assessor de Domingos Brazo, que teria ajudado a se livrar da arma do crime, e o major Ronald Paulo Alves Pereira, que teria monitorado a rotina de Marielle.
A motivao do assassinato de Marielle Franco, segundo os investigadores, envolve questes fundirias e grupos de milcia. Havia divergncia entre Marielle e o grupo poltico do ento vereador Chiquinho Brazo sobre o Projeto de Lei (PL) 174/2016, que buscava formalizar um condomnio na Zona Oeste da capital fluminense.
Testemunhas
Foram listadas nove testemunhas no julgamento que comeou nessa quarta-feira. Oito delas depam presencialmente: Fernanda Chaves, assessora de Marielle; Marinete Silva, me de Marielle; Mnica Bencio, viva de Marielle; gatha Arnaus, viva de Anderson; Carlos Alberto Para Jnior, policial civil que investigou o carro usado no crime; Luismar Cortelettili, agente da Polcia Civil do Rio; Guilhermo Catramby, delegado da Polcia Federal; e Marcelo Pasqualetti, policial federal. Carolina Rodrigues Linhares, perita criminal, no compareceu, e foi exibido um vdeo da oitiva em que participou nas fases iniciais do processo.
Nos depoimentos, os familiares de Marielle e Anderson destacaram o impacto causado pelos assassinatos na poca e como eles continuam repercutindo em suas vidas. A fala de gatha Arnaus foi uma das mais emotivas, ao indicar como a morte do marido prejudicou o desenvolvimento do filho, que possui uma condio rara de sade.
“O Arthur ava mal todo dia 13 ou 14 do ms, depois da morte do Anderson. Acho que muito tambm por ver na televiso e pelo jeito que eu chegava em casa. Ele j tinha perdido o pai. Eu estava resolvendo outras coisas tambm relacionadas morte. Momento que ele ficou sem o pai e sem a me”, disse ghata.
Os policiais, a perita e o delegado que falaram na sequncia trouxeram detalhes sobre o processo de investigao dos assassinatos. Foi relatado, por exemplo, como se deram as primeiras buscas por informaes sobre o veculo usado nos assassinatos. Por meio de imagens de cmeras e OCRs, pequenos pen-drives instalados em cmeras que controlam o trfego, a polcia descobriu que se tratava de um Cobalt prata, com placa clonada, e qual foi o trajeto realizado pelos assassinos.
O policial Carlos Alberto Para Jnior relatou que foi preciso investir na compra de novos computadores para dar conta do processamento de um nmero muito grande de dados de trnsito. Tambm falou sobre a frustrao de a polcia no ter conseguido obter informaes de telemtica com o Google e a Apple, como dados de GPS, porque as empresas no quiseram colaborar. E que talvez tivesse sido possvel interceptar o veculo dos assassinos se um jornal no tivesse divulgado o nmero da placa.
No vdeo exibido no julgamento, a perita Carolina Rodrigues Linhares falou sobre como se chegou ao modelo da arma usado no crime. A partir da anlise da disperso de avarias no veculo, nos cadveres e estojos no cho, foram testados cinco tipos de armas de fogo, disparadas nos carros durante a reproduo do crime. A que mais se assemelhou ao cenrio observado foi a submetralhadora MP5, de calibre 9mm, produzido pela fabricante alem Heckler & Koch.
Rus
Durante o interrogatrio, o ex-policial militar Ronnie Lessa, de 54 anos, disse que recebeu, primeiramente, uma oferta para ass o ex-deputado federal Marcelo Freixo, atual presidente da Embratur.
“O assunto comeou no final de 2016. Surgiu a oferta com a seguinte palavra: voc vai ficar milionrio. Em janeiro, estive com a pessoa novamente, e ela veio trazer um nome que eu tive que rir”, disse Ronnie. “Ele era um poltico e eu achei invivel, achei que fosse uma loucura”.
“Quando chegou no fim de agosto para setembro, veio novamente o assunto. E a, surgiu essa proposta em relao a Marielle. Foi chocante pelos nmeros [do pagamento]. Eu aceitei e marcamos a reunio com os mandantes. Nessa reunio, eles me expam o pedido e o nome dela. Eu no conhecia a Marielle, nunca tinha visto foto dela. E dali ns buscamos os meios necessrios para dar prosseguimento”, complementou.
Ronnie tambm disse que ouviu dos mandantes que o motivo para ass a vereadora era uma questo fundiria.
“Na poca, me foi dito que ela atrapalharia, entraria no caminho e atrapalharia a venda de dois loteamentos. Um dos loteamentos seria para o Macal [ex-PM Edmilson Oliveira da Silva] e o outro loteamento seria dos mandantes. No sei se iam distribuir”, disse Lessa.
“As palavras deles foram as seguintes: que ela teria se reunido com algumas lideranas comunitrias e ela teria dado uma opinio para que ningum mais aderisse ao loteamento feito por milicianos. Eles usaram esse termo: ela virou uma pedra no caminho e ns vamos dar prosseguimento. Tem muita grana envolvida nisso e foi o que aconteceu.”
lcio Queiroz deps em seguida. Ele afirmou que, na virada de ano de 2017 para 2018, Lessa lhe contou que estava envolvido em um trabalho de execuo por encomenda, que o alvo seria uma mulher e que, inclusive, j tinham tido a oportunidade de mat-la mas no conseguira.
Queiroz contou ainda que foi convidado por Lessa para participar do assassinato apenas no dia do crime. De incio, ele no sabia que seria um homicdio, apenas que precisaria dirigir para o parceiro, em um “trabalho”. Ele destacou ainda que chegou a receber uma foto de Marielle com outras mulheres, mas, at ento, no conhecia a vereadora.
Apenas depois de se encontrar com Ronnie Lessa, na Barra da Tijuca, e chegar ao centro da cidade, onde comeariam a colocar em prtica o crime, foi que lcio viu o companheiro pegando uma submetralhadora e ficou sabendo que o “trabalho” se tratava do assassinato da vereadora.
No depoimento, lcio diz que inicialmente Ronnie pensou em matar Marielle no centro da cidade, assim que ela saiu de um evento, mas eles desistiram devido existncia de cmeras no local. Ento, ambos seguiram o carro da vereadora at o Estcio, onde Lessa mandou lcio emparelhar com o carro de Marielle e comeou a disparar sua arma. Depois, os dois fugiram em direo zona norte.
Pelos crimes de morte, o Grupo de Atuao Especializada de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministrio Pblico estadual, vai pedir ao Conselho de Sentena do 4 Tribunal do Jri a condenao mxima, que pode chegar a 84 anos de priso. O jri formado por sete homens e a juza que preside o julgamento Lucia Glioche.
Agncia Brasil