Lideranas do movimento indgena reprovaram a iniciativa do Ministrio dos Povos Indgenas de indicar nomes para integrar a cmara de conciliao formada para discutir a tese jurdica do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF). Uma das principais entidades representativas dos povos originrios, a Articulao dos Povos Indgenas do Brasil (Apib),que se retirou da comisso em agosto, afirmou, em nota divulgada nesta segunda-feira (14), temer que o espao "desemboque num cenrio de 'desconstitucionalizao' de direitos fundamentais".
Ao anunciar a lista, o ministrio frisou que a deciso se deu aps a sada da Apib e que o ministro do STFGilmar Mendessolicitou ao governo, em 1 de outubro, a designao de representantes. A pasta, porm, afirmou que "os nomes no substituem a representao da Apib, cuja vaga segue disposio da organizao".
Conforme observa a Apib no comunicado publicado, as pessoas indicadas pelo ministrio pertencem a rgos governamentais, o que demonstra, na avaliao da instncia, que "no estaro l em nome do movimento indgena". Ao todo, foram escolhidos cinco nomes e seus respectivos suplentes. So eles: o secretrio especial de Sade Indgena, Weibe Tapeba; a coordenadora do Distrito Sanitrio Especial Indgena (Dsei) Interior Sul, Eunice Kerexu Yxapyry;o coordenador regional da Fundao Nacional dos Povos Indgenas (Funai) em Minas Gerais e Esprito Santo,Douglas Krenak; Pierlangela Nascimento da Cunha, queintegra a Coordenao-Geral de Polticas Educacionais Indgenas na Diretoria de Polticas da Educao Escolar Indgena, do Ministrio da Educao; e o educador Eliel Benites.
Apesar de o ministrio dizer que tem "confiana de que, como guardi mxima da Constituio, a Corte no permitir retrocessos em relao aos direitos indgenas", essa no a percepo da Apib. "A Apib lamenta profundamente que as instncias autnomas dos povos indgenas ou entes pblicos em que h participao indgenas sejam pressionados a ocuparem colegiados contra a sua vontade, sobretudo em espaos nos quais no est garantido o respeito lei e s decises j tomadas pelo plenrio da Suprema Corte, que declarou inconstitucional a tese do marco temporal, em setembro de 2023", escreve.
"O Estado tutelar, paternalista e autoritrio foi enterrado pela Constituio Federal h 36 anos, ao mesmo tempo que reconheceu o nosso direito de sermos povos tnica e culturalmente diferenciados, e de sermos protagonistas do nosso prprio destino e, por isso, reivindicamos dos poderes do Estado que respeitem as nossas decises autnomas", acrescenta.
O Conselho Indgena de Roraima (CIR), que defende os direitos dos povos macuxi, wapichana, ingaric, taurepang, patamona, sapar, wai wai, yanomami e ye’kwana, tambm se manifestou contra a indicao do ministrio, veiculando uma nota de repdio. A entidade lembrou a recusa da Apib em participar da cmara e afirmou que, "at o momento, o ministro Gilmar Mendes no tomou a medida urgente e necessria que se impe: suspender aLei n 14.701/2023, que representa uma grave ameaa aos nossos territrios e modos de vida".
Com contundncia, a CIR disse que, "ao fazer essa indicao, o ministrio alinha-se com fazendeiros, garimpeiros, agronegcio, revivendo prticas coloniais de tutela e contra os direitos dos povos indgenas. Esse ato constitui uma violao clara ao princpio da boa-f e ao direito internacionalmente reconhecido de consulta e consentimento prvio, conforme previsto em mecanismos de direitos humanos, como a Conveno 169 da OIT [Organizao Internacional do Trabalho]".
A organizao indgena complementou a crtica defendendo que "a criao do ministrio foi uma demanda coletiva, mas no tem legitimidade para nos representar dentro da estrutura do Estado brasileiro". "Por fim, reafirmamos que apenas as nossas instncias legtimas de representao tm o direito de decidir o nosso futuro e defender nossos territrios", finaliza.
Emerson Patax, vice-presidente daAssociao de Jovens Indgenas Patax, dos patax da Bahia, foi outra liderana que demonstrou insatisfao com a soluo encontrada pelo ministrio. "A deciso do Ministrio dos Povos Indgenas em indicar parentes para a falsa cmara de conciliao do STF um verdadeiro atentado autonomia do movimento indgena e um desrespeito sem medida contra a Apib", postou em sua conta na rede social X.
AAgncia Brasilsolicitou posicionamento do ministrio quanto questo e aguarda retorno. Caso a pasta se pronuncie, a matria ser atualizada.