Com as mortes dos advogados Roberto Zampieri e Renato Nery, uma lupa foi colocada sobre os profissionais que atuam no Direito Agrrio, rea em que ambos os executados militavam. Com apenas sete meses de intervalo entre uma execuo e a outra, os fatos ligam um alerta sobre a segurana dos juristas que atuam com litgios de terras em Mato Grosso.
Conforme a Polcia Civil, a morte de Zampieri, ocorrida em 5 de dezembro de 2023, quando o advogado saa de seu escritrio, em Cuiab, deu-se devido a uma disputa de terras avaliadas em R$ 100 milhes, em Paranatinga (a 375 km de Cuiab).
Renato Nery foi executado a exatos sete meses depois da morte do colega, em 5 de julho. O jurista chegou a ar por uma cirurgia e, posteriormente, foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), mas no resistiu aos ferimentos. Ainda no h informaes sobre os suspeitos de cometerem e determinarem o assassinato.
Para falar sobre Direito Agrrio e os riscos que se corre atuando na rea, o Leiagora entrevistou Ana Caroline Almeida Souza, advogada especialista em agronegcio pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Leiagora - Como voc ingressou na rea de Direito Agrrio e h quanto tempo voc atua na funo?
Ana Caroline - Eu atuo com a regularizao fundiria h seis anos, comecei a trabalhar em um escritrio muito forte nessa rea e tive a oportunidade de trabalhar com alguns litgios possessrios no norte [de Mato Grosso] e eu gostei da rea, fui estudando, me aperfeioando e t nela at hoje.
Leiagora -Quais os riscos que advogados que militam no Direito Agrrio sofrem?
Ana Caroline - Essa rea uma rea que perigosa no s de hoje, talvez hoje esteja sendo mais noticiado, mas quem trabalha na rea sabe que perigoso. Eu acredito que a rea mais perigosa do Direito, at mais que criminal, porque a gente lida com valores muito altos e a gente tem duas partes, porque, no criminal, o Ministrio Pblico contra uma pessoa. Aqui [no Direito Agrrio], so duas partes, ns temos o lado A e o lado B. Por se tratar de um litgio contra outra pessoa e valores muito altos, o perigo sempre, iminente, a todo momento. muito difcil uma pessoa que atua na rea que nunca recebeu algum tipo de ameaa.
Leiagora - Com as mortes de Zampieri e Nery, h uma impresso de que Mato Grosso terra sem lei?
Ana Caroline - Sim, ns temos essa impresso, a gente tem essa insegurana e d essa impresso. Mas, na verdade, eu acho que essa questo de terra sem lei at foge um pouco do poder da segurana pblica, porque, inicialmente, uma discusso ali particular, nem sempre isso levado s polcias e como algo corriqueiro, que acontece na vida do advogado especialista em Direito Agrrio, muitas vezes aquela situao no est no pice do problema. Ento, parece que uma terra sem lei, porque existem muitos casos. Como Mato Grosso tem muita terra rural, existem muitos problemas. Quanto maior a quantidade de problemas na regularizao fundiria, maior a quantidade de disputas. Ento, isso traz sim um medo para ns, que somos advogados, mas acredito que, com a atuao do governo, a gente tem uma resposta positiva, principalmente por causa desses dois casos [Zampieri e Nery] que, infelizmente, aconteceram.
Leiagora - A OAB nacional pediu ao Congresso a incluso do homicdio qualificado contra juristas no Cdigo Penal. Voc acredita que s isso basta?
Ana Caroline - Acredito que isso seja um o muito importante. […] um trabalho que a OAB vem fazendo, tanto a nacional, quanto a estadual. Eu acredito que s isso no seja suficiente. Eu acho que tambm precisa ser viabilizado o porte de arma como uma prerrogativa de funo para os advogados, que algo que j existe para juzes e promotores. O advogado tambm indispensvel Justia, est previsto no artigo 133 da nossa Constituio. Ento, acredito que essa facilidade do porte de arma como uma prerrogativa do advogado pode ser algo que traga mais segurana e que minimize esses casos.
Leiagora - Por ltimo, com as mortes de Zampieri e Nery, voc e seus colegas ficaram com medo? Esto tomando alguma medida de segurana?
Ana Caroline - impossvel a gente dizer que no impactou. Um advogado de qualquer rea dizer que uma morte de um advogado, e a gente tratar como comum, seria banalizar a situao. Aqui, principalmente em Cuiab, acho que todos sentiram, da rea principalmente, porque os dois eram muito conhecidos, eles eram tidos como referncias, e isso traz sim uma postura diferente dos advogados. Isso reflete tanto na segurana pessoal, porque j havia uma preocupao, mas, depois desses dois fatos, aumentou.