Ao longo de sete anos de atuao profissional como rbitro de futebol, Pedro Henrique Pio aprendeu a lidar com as ofensas comumente destinadas aos juzes das partidas. Com a ateno voltada ao que acontece dentro das quatro linhas, os gritos da torcida ficam em segundo plano. Foi assim na partida entre Mixto Esporte Clube e Bahia, pela segunda rodada do Campeonato Brasileiro Feminino A2, realizada no dia 21 de abril deste ano, em Cuiab. Somente ao fim do jogo, Pedro Henrique tomou conhecimento dos ataques racistas cometidos por um torcedor filmado enquanto o chamava de “macaco” reiteradas vezes.
Alm de relatar o fato na smula da partida, o rbitro registrou boletim de ocorrncia e tambm ajuizou ao contra o ofensor. Pedro no teve dvidas sobre procurar as autoridades competentes em busca de punio para o crime do qual foi vtima, previsto na Lei federal n 7.716/1989. Alterada em 2023, a norma ou a prever recluso de dois a cinco anos e multa nos casos de injria racial.
“A gente v na televiso o que acontece com o jogador Vincius Jnior, na Espanha, e se comove, mas quando acontece com a gente, toma outra proporo. A situao que ei me fez pensar no que eu poderia fazer para mudar essa realidade, para que no se repita. No me calar o comeo e chamar a ateno das pessoas para que todos entendam, de uma vez por todas, que racismo crime e tem punio”, disse Pedro Henrique Pio.
De acordo com dados do Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), o nmero de pessoas que se declaram pretas e pardas em Mato Grosso representa quase 70% da populao. “Somos maioria em nmeros, mas minoria nos espaos de poder, nos cargos mais importantes das empresas, nos quadros mdicos dos hospitais, nas polticas efetivas de incluso”, afirma Antonieta Costa, presidente do Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune). Para ela, nunca demais falar de racismo, expor os ataques, divulgar as leis que tratam do assunto.
“Para ter um pas igualitrio preciso se despir daquilo que impede o avano, que trava o desenvolvimento. Racismo, misoginia, intolerncia e homofobia esto entre esses fatores. Enquanto a gente no superar essas mazelas, o Brasil no crescer de maneira mais justa, com melhores nveis de desenvolvimento sociocultural e econmico”, explicou Antonieta que, como presidente do Imune, tambm est frente do Centro Cultural Casa das Pretas, importante ponto de difuso da cultura afro-brasileira em Cuiab.
Leis aprovadas na Assembleia Legislativa de Mato Grosso (ALMT) tm colaborado com o enfrentamento ao racismo. Entre elas est a Lei n 6.705/1995, que institui 13 de maio como o Dia de Denncia e Combate contra o Racismo. Alm da criao da data, foi sancionada, em abril deste ano, a Lei n 12.479/2024, de autoria do deputado Ldio Cabral (PT), que cria um Protocolo Antirracista, determinando medidas de preveno, conscientizao e acolhimento de vtimas de racismo, a serem adotadas por estabelecimento com grande circulao de pessoas.
A norma estabelece, entre outros pontos, que os estabelecimentos promovam treinamentos sobre letramento racial e racismo estrutural para seus funcionrios, disponibilizem materiais informativos a respeito dos canais de comunicao de denncias e possuam espao fsico reservado para acolhimento imediato da vtima.
Desde maio de 2023, est proibido, no mbito da istrao pblica de Mato Grosso, conceder homenagens a pessoas que tenham praticado atos de racismo. A previso est na Lei n 12.129/2023, que inclui a denominao de logradouros, prdios, rodovias e quaisquer locais pblicos. O projeto que originou a lei foi apresentado pelo deputado Wilson Santos (PSD).
Em julho de 2023, os resultados da pesquisa “Percepes sobre o racismo no Brasil”, realizada pelo Inteligncia em Pesquisa e Consultoria Estratgica (Ipec), mostraram que 60% dos entrevistados consideram, sem nenhuma ressalva, que o Brasil um pas racista, e mais de metade disse j ter presenciado atos desse tipo.
De acordo com Antonieta, as leis existem, mas no funcionam sozinhas. Por isso, necessrio divulgar e contar com o apoio de todos os cidados para que sejam cumpridas. “Vivemos numa sociedade racista e, para citar a professora e filsofa Angela Davis, no basta apenas no ser racista, preciso ser antirracista”, destacou.
ALMT
