Reduo da maioridade penal ou leis especficas para adolescentes infratores; qual a soluo para o Socioeducativo? 6i3943
O Leiagora entrevistou o presidente do Sindpss, Paulo Csar de Souza, para conhecer a fundo as questes que permeiam o trabalho dos agentes em contato com os menores infratores 5j47k
H duas semanas uma srie de crimes brutais chocou o estado de Mato Grosso. Trs motoristas de aplicativo foram sequestrados e brutalmente assassinados em Vrzea Grande.
Deste ento, a sociedade voltou a discutir sobre as penas aplicadas aos adolescentes nos centros socioeducativos. Parlamentares de Mato Grosso aram a criticar as unidades, mais precisamente o Complexo Pomeri, onde os dois jovens esto internados.
A fim de entender a situao dos agentes do socioeducativo em Mato Grosso, o Leiagora entrevistou o presidente do Sindicato da Carreira dos Profissionais do Sistema Socioeducativo do Estado de Mato Grosso (Sindpss-MT), Paulo Csar de Souza. Ele contou as dificuldades pelas quais am os trabalhadores do socioeducativo, fez duras crticas s falas dos deputados e ainda relatou o estresse ao qual os agentes so submetidos diariamente.
Paulo Csar agente do socioeducativo h 14 anos e, h 12, atua como presidente do sindicato. Durante toda a carreira, j enfrentou situaes que mudam a viso de mundo de qualquer pessoa que no est ambientada com a dura realidade dos adolescentes internados.
Para ele, necessria uma mudana no Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), alm de melhores condies de trabalho a todos os envolvidos no sistema.
Confira a entrevista completa
Leiagora - Desde que os dois adolescentes foram internados pelo assassinato dos motoristas de aplicativo o socioeducativo ou a ser alvo de crticas pela sociedade e at mesmo por polticos, sendo que dois polticos na semana ada disseram que o local servia apenas para “criar bandidos”. Como o sindicato recebe essas crticas?
Paulo Csar – Quanto a sociedade a gente at releva, porque a sociedade ela fica refm de algumas falas, e ela no conhece a fundo o papel do sistema socioeducativo. Agora, a gente tem uns grupos em todo o estado e a categoria recebeu a crtica dos polticos como um insulto, uma falta at de considerao por ns. Quem faz as leis? Qual a atribuio de um poltico? fazer as leis, executar, fazer, votar. Qual que a funo do servidor do socioeducativo, ou servidor do estado em geral? Ns executamos a lei, o que t escrito l, a gente segue a lei. Essa lei foi criada l em Braslia. Existem alguns deputados que j foram deputados federais, j foram at senadores e no fizeram nada para isso mudar. Tanto o sistema socioeducativo como o sistema Judicirio, ns estamos seguindo uma lei de 1990 que o ECA (Estatuto da Criana e do Adolescente). Daquela poca para hoje mudou muita coisa. Os adolescentes que foram dos anos 90 no o mesmo adolescente de hoje, mudou tudo. Hoje a maioria so faccionados, infelizmente. Os que esto apreendidos dentro do sistema socioeducativo so os casos gravssimos. Ento a gente recebeu essa crtica com muita tristeza, uma infelicidade dos deputados essa fala deles e espero que eles se retratem. Talvez eles no conheam a fundo o sistema, mas que se retratem, porque tudo que pode ser feito dentro da lei feito, at mais a gente faz. Cursos externos, cursos internos, escola, tudo que voc imaginar que um adolescente aqui fora faz, l dentro tem at a mais.
Leiagora – Isso quer dizer que o ECA est defasado e precisa ser revisto de forma urgente?
Paulo Csar – Exato. Na verdade, o ECA precisa de algumas adequaes. Na minha viso tinha que ter uma lei exclusivamente de execuo penais para os adolescentes, no poderia ser o ECA o responsvel de fazer essas execues penais. Existem crianas e adolescentes que realmente o ECA vai ter que abraar, mas um outro tipo de adolescente que vai pra ns. O que vai pra ns teria que ter uma lei exclusiva, pois, no sistema prisional adulto a LEP (Lei de Execuo Penal) e uma outra exclusiva para esses crimes hediondos. isso que tem que ser feito, no questo de baixar a maioridade, isso no vai resolver o problema. Ns recebemos adolescentes com 12 anos l dentro, so vrios, no um nem dois.
Leiagora - O senhor j est h 14 anos no sistema socioeducativo. O senhor acredita ento que penas mais duras e a reduo da maioridade penal no resolvem o problema?
Paulo Csar - Na questo da reduo eu acredito que no resolve. Agora, as penas duras, eu acho que a a gente tem que ver em que sentido sero essas penas. Eu acho que esse crime como por exemplo o dos motoristas, ele um crime brbaro, esse tem que ser punido exemplarmente. Tem que mudar essa realidade do pas, at para os prprios adultos teriam que mudar, ser mais rgidas. No adiantou nada, desde quando criou todo esse sistema de punio, s vem aumentando essa questo da criminalidade. As pessoas que se sentam na cadeira de chefe de estado, eles no esto nem a pra isso, nunca se fez nada. E hoje ns estamos colhendo o que foi feito o que no foi feito l atrs, o reflexo de tudo que no foi feito l atrs. So os adolescentes, so os adultos, e eu acho que as penas so muito banalizadas. 30 anos e quando o cara cumpre um sexto, o cara j sai. Adolescente que comete um homicdio, a um ano dentro do sistema socioeducativo, um ano muito que o cara fica mais tempo l dentro. Ele pode cometer o crime que for aqui fora, mas fora isso, no a mais de um ano no.
Leiagora - Na semana ada uma imagem chamou muita ateno da sociedade e acabou gerando crticas: os dois adolescentes que mataram os motoristas estavam comendo um lanche que a polcia deu para eles. A partir da comearam as crticas dizendo que eles so tratados como coitadinhos. O que o senhor acha disso tudo?
Paulo Csar - Como eu falei, tudo isso est escrito e ns temos que cumprir. L no socioeducativo caf da manh, almoo, tem o lanche dentro da sala de aula, a vem o lanche da tarde, a vem o jantar e a ceia da noite. A alimentao que eles tm l dentro, eles nunca vo ter aqui fora. Isso tambm que eu acho uma inverso de valores. Muitos governadores, at o prprio presidente, ficam falando de questo da fome. Dentro do presdio eles so tratados como, nossa senhora, voc dentro do centro socioeducativo no pode olhar torto pro adolescente que voc j est cometendo algum crime. E aqui fora a criana a fome, a criana no tem alimentao que tem l dentro, a sade l dentro, tudo que ele precisar, se ele sentir uma dor na unha, tem remdio. E aqui na rua ele tem isso? Essas coisas que a gente tem que rever, tudo que tem l dentro, teria que ter o dobro aqui fora, para eles no entrarem l. uma questo social muito grande que a gente tem que rever todo esse cenrio nacional.
Leiagora – Quando estvamos conversando o senhor disse algo muito interessante que chamou a ateno: dentro do socioeducativo, alm do ECA, vocs tm que seguir as regras paralelas das faces criminosas, que elas imperam dentro do socioeducativo. Como que trabalhar tendo que seguir uma lei escrita e uma lei no escrita?
Paulo Csar - Esse um complicador pra ns e isso nacional. Aqui em Mato Grosso at que no tanto, porque principalmente hoje em Cuiab a gente t com um sistema, uma reforma e uma construo, ento diminuiu-se o nmero de adolescentes. Mas os outros estados que tm um nmero maior de adolescentes hoje aprendidos uma dificuldade tremenda. Voc tem que separar o adolescente, fazer um estudo sobre ele, qual faco ele pertence, quais so as atividades que ele pode fazer em conjunto, com quem ele pode estar, ento uma dificuldade tremenda de se trabalhar com eles. Eles so inconsequentes. Do nada eles explodem, vo pra cima e fazem o que tem que fazer. No fcil, e isso a sociedade tem que entender. O papel do servidor do socioeducativo como pisar em ovos.
Leiagora – Afinal ele um ser humano que tambm tem medo de trabalhar ali no mesmo?
Paulo Cesar - Exatamente. Ele tem famlia aqui fora, tem me, pai, filho, esposa, tem toda uma situao que a gente vai pra dentro do sistema e no sabe se volta. L o adolescente pega uma escova de dente, faz uma arma e vai pra cima e fere. E esse ferimento, dependendo do local que pegar, chega ao bito. Ento complicado, no fcil no.
Leiagora - Muito se fala dos investimentos que vm sendo feitos na segurana estadual. Estes investimentos esto sendo feitos no Complexo Pomeri?
Paulo Csar – Sim. Quanto ao investimento do governo do estado, desde que assumiu, e isso no politicagem, a gente v que o sistema socioeducativo evoluiu bastante na questo de estruturas. Hoje em todas as unidades j tm a previso da construo de um novo centro. J foi entregue Rondonpolis, que j est funcionando, em Barra do Garas e Sinop j esto prontos, onde os servidores tomaram posto ms ado e j esto fazendo um curso para poder irem para essas unidades novas, junto, claro, com os servidores que j esto nas antigas. Em Cuiab dentro do Pomeri hoje tem uma construo que j est uns 80% ou 85% quase pronta para 60 adolescentes onde vo ser nomeados outros servidores para aumentar o efetivo para que se receba mais adolescentes. A questo de estrutura ns no temos do que reclamar. Est dentro do que foi programado l atrs pelo governo e est sendo executado. O que tem que se mudar mesmo so as leis e alguns entendimentos de algumas pessoas que ficam dentro do ar-condicionado e lendo um livro e acham que muito simples, muito fcil lidar com esse tipo de adolescente infrator. Eles esto dentro de uma bolha com ar-condicionado, gua gelada, banheirinho limpo, sai de l, entra no carro, ar-condicionado, vai para a sua casa, dentro de um condomnio fechado, segurana mxima, cmera, tudo certinho, a vida perfeita, mas no vive a vida do mundo real. Quem trabalha l dentro, quem est ali dentro do sistema, vendo todas as barbaridades que acontecem na questo da violncia dos adolescentes, da forma que eles se tratam, da forma que eles agem, ento no fcil. E a lei, na verdade, como ela est escrita hoje, qualquer evento, se voc entra para salvar um adolescente, eles no veem a atitude desse servidor, por exemplo, que salvou a vida daquele cara, mas ele foi muito bruto com o outro que estava com o chuo [espcie de faca artesanal muito utilizada em presdios] furando o outro. “Ah, mas o que que isso? No precisava disso?”. Como que no? Voc vai salvar a vida de algum, voc vai falar: “por favor, no fura ele a”. No tem como! Se voc no tiver um preparo, se voc no souber como entrar pra voc no ser atingido. A dificuldade muito grande, a tenso, a todo momento que os adolescentes esto soltos, o stress vai l em cima porque a qualquer momento pode acontecer alguma coisa.
Leiagora – Para finalizar. Quais so as principais demandas dos agentes do socioeducativo que chegam a no sindicato?
Paulo Csar - A questo jurdica relacionada aos confrontos com os adolescentes igual ao caso que eu contei pra voc, essa uma das principais. Eu t levando o adolescente aqui e ele agride o outro, a eu fui separar e ele j fica com raiva de mim. A ele j faz uma denncia que eu fui l e ataquei ele, mas ele no fala porque eu fui nele. A tem as pessoas que ficam no ar-condicionado que vo receber essas denncias e isso vai virar um PAD (Processo istrativo Disciplinar) pra responder. A o jurdico do sindicato vai trabalhar incansavelmente para provar que no tem nada, que aquilo ali foi fruto de uma agresso dele ao outro adolescente ou a um outro servidor. Quando ele comea a agredir algum, no tem como voc pedir: “ Joozinho, calma a, para de bater nele”, no tem como. As pessoas que fazem alguns comentrios, elas no tm noo do que um adolescente infrator que j cometeu um crime, que j matou. Pra ele matar outra pessoa assim, como se fosse matar uma formiga, rapido. Tem pessoas que trabalham dentro do nosso sistema que so de alguns rgos de proteo e eles mesmo fazem as denncias, mesmo que o adolescente no faa, eles vo l e fazem. Como eu falei, a gente trabalha pisando em ovos dentro do sistema socioeducativo.
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