H 3,7 bilhes de anos, quando a Terra ainda era bombardeada por meteoritos e os vulces mantinham uma atmosfera terrestre cheia de dixido de carbono e metano, no haviam olhos para testemunhar as cianobactrias que em Mato Grosso fizeram parte dos processos de fotossntese que oxigenou o nosso mundo.
Mas ainda assim existem provas de que isso aconteceu. So fsseis chamados estromatlitos, que carregam, incrustados em sua superfcie como uma impresso digital, o desenho do “tapete” criado por essas cianobactrias.
Um mar cheio formas de vidas ancestrais durante o perodo Devoniano, h 410 milhes de anos, glaciaes que cobriram longos territrios de gelo, um vulco em atividade e uma cordilheira montanhosa parecida com a Cordilheira do Himalaima.
Tudo isso aconteceu em Mato Grosso. Em Cuiab, em Rosrio Oeste, em Jangada, em Cceres, em todo nosso territrio estadual.
H 70 milhes de anos, o dinossauro “mato-grossense” Pycnonemosaurus Nevesi caava suas presas em florestas densas. Com mais de 3 metros de comprimento, bpede e carnvoro como o famoso tiranossauro.
H 27 mil anos atrs, mastodontes, preguias-gigantes, tatus gigantes e outros animais da megafauna coexistem com o ser humano, contrariando a tese e que o homo sapiens teria chegado ao continente Americano h 13 mil, como provavelmente voc aprendeu na escola.
E existem provas de tudo isso. Fsseis, a exemplo dos estromatlitos, carregados de informao. Carregados de histria e cincia sobre a nossa terra.
E esse conhecimento est disponvel no livro Histria Natural de Mato Grosso, que est disponvel online de forma gratuta e tambm apresentado em escolas pelo doutor em Geocincias Caiubi Kuhn, um dos seus organizadores, com quem o Leiagora conversou sobre divulgao cientfica em Mato Grosso:
Leiagora - Caiubi, explica o que temos nesse livro que o torna to especial?
Caiubi Kuhn - Tem a histria geolgica do planeta, desde a tectnica de placas, at a ocupao pelo ser humano. S que o que o bacana que traz isso para a histria geolgica do estado de Mato Grosso. Por exemplo, onde tem rochas formadas pelo mar, onde tem rochas formadas por rios, onde tem rochas formadas por glaciaes. Ento tudo isso a gente tem de rochas dentro do estado. Por exemplo o Domo do Araguainha, que a maior cratera de impacto de meteorito da Amrica do Sul.
Leiagora -Provocou frisson o novo mapa que o IBGE adotou, com o Brasil no centro. So coisas um pouco diferentes, mas so medidas que invocam o protagonismo local perante a cincia, a valorizao do local.
Caiubi Kuhn - Justamente! Para um professor, na hora que tiver um professor de histria ou uma professora de biologia que for falar de, por exemplo, da migrao do homem pela Amrica, poderem falar que a gente tem o segundo stio arqueolgico mais antigo das Amricas aqui em Mato Grosso, que o stio de Santa Helena, onde temos fragmentos que mostram a ocupao do homem aqui a 27.000 anos.
Trazer isso principalmente para quem est prximo, uma criana, um professor que est no municpio de Jangada, no municpio de Rosrio Oeste, ou o mesmo Cuiab, que esto bem prximos de um dos stios arqueolgicos mais importantes das Amricas, que mostram a presena do ser humano convivendo com os animais da megafauna.
Leiagora -Isso muda um pouco o que eu aprendi…
Caiubi Kuhn - Sim, Sobre o homo sapiens ter chegado s Amricas h 13.000 anos, pelo Estreito de Bering. , como ele chegou aqui uma outra histria, mas que ele j estava aqui, no centro da Amrica do Sul, h 27.000 anos, isso indiscutvel. Ento um dos stios arqueolgicos mais importantes das Amricas e fica aqui em Mato Grosso. S que quando voc olha na educao nossa, isso no trabalhado.
E a, a ideia do livro foi trazer isso, mostrar que que aqui a gente j teve os animais da megafauna. A gente j teve Preguia- gigante, a gente j teve Tatu-gigante, ns j tivemos Mastodontes, que so os elefantes brasileiros, n? Tatus do tamanho de fuscas. Tudo isso a gente j teve aqui em Mato Grosso.
Leiagora -Voc tem apresentado esse material em vrias escolas. Acredita que esse tipo de material tem mudado a percepo da criana e do adolescente em relao cincia?
Caiubi Kuhn - Muda o valor tambm que eles do para o prprio lugar onde eles esto. Se voc ver uma criana, s vezes ela mora do lado de um stio arqueolgico, paleontolgico, em cima de uma rocha que tem uma histria muito interessante…. E a na hora que ela entende que o lugar onde ela t faz parte da histria do planeta, que faz parte da histria da evoluo da vida, que faz parte da histria da evoluo humana, traz outra percepo.
Leiagora -D um exemplo, por favor.
Caiubi Kuhn - Quando a gente leva fsseis de Mato Grosso, de dinossauros daqui, de tatu-gigante daqui, de preguia-gigante daqui, de animais marinhos de Chapada dos Guimares, de invertebrados, quando a gente mostra isso, leva isso at essas pessoas, eles entendem que o lugar onde eles esto tem uma riqueza cientfica muito grande, que tem uma histria muito importante.
E isso no est nos livros didticos nacionais. Normalmente os livros didticos nacionais, quando tem exemplo, so de outras regies e s vezes de fora do pas.
Ento muito mais legal aprender que, por exemplo, quando se fala de placa tectnica, que Cuiab est num limite onde j foi uma cordilheira parecida com o Himalaia. A Amrica do Sul foi ‘colada’ com a formao dessa cordilheira, onde antes existia um oceano entre o que o Sul do Brasil e o que que o norte do Brasil. Esse oceano, quando ele se fechou com movimento das placas, formou essa cordilheira E isso um pouco da histria das rochas que tem aqui em Cuiab.
Ento quando voc vai discutir tectnica de placas, por exemplo, e trazer essas referncias aqui para a gente as referncias, por exemplo, dos tipos de rocha que j se formaram aqui e de como se formaram, muda a percepo que a pessoa pode ter sobre um tema. Essa a ideia desse trabalho.
Leiagora -E essa ideia trabalhada com quais informaes no livro?
Caiubi Kuhn - Temos aqui informaes sobre aquferos, sobre utilizao de recursos minerais, sobre rochas, sobre os povoamentos do Estado de Mato Grosso, as diferentes culturas que j aram aqui. Ns temos aqui informaes sobre os biomas do Estado… Qual o municpio que est em cada bioma.. Cceres um municpio que tem os trs biomas, por exemplo.
S que ao mesmo tempo a gente entende que a transio dos biomas no igual como est no mapa. Ali em Chapada voc est no meio do cerrado e vai ter rvore que da floresta amaznica, vai ter animais que fazem a transio do cerrado para para o Pantanal,plantas que vo estar numa interseco do mesmo jeito. E a isso uma das coisas legais do livro, ter essas explicaes.
No meio do Pantanal tem os Mandacaru, que se relaciona com a caatinga, mostrando que inclusive o Pantanal e a Caatinga tm uma correlao. Em algum momento, alguma correlao histrica, talvez na origem do do Cerrado, j teve momentos com essa interligao.
Ento voc trazer essas informaes sobre animais, sobre flora, sobre relevos, os tipos de relevo. O livro tambm traz isso, as unidades de relevo de Mato Grosso. Quais as unidades de relevo que tem no estado de Mato Grosso? Ento voc tem aqui. O que que depresso, serra, chapada? Tudo com exemplos locais.
Leiagora -H quanto tempo voc est apresentando esse material j nas escolas?
Caiubi Kuhn - Esse livro ele foi lanado no final de 2022, mas a gente faz esse trabalho nas escolas… Eu comecei a fazer, na verdade, na poca que eu estava no ensino mdio. Em 2006 foram as primeiras exposies itinerantes que comecei a fazer, no estava ainda nem na faculdade. Eu estagiava no museu Casa de Dom Aquino. E desde ento a gente manteve esse fluxo de exposies ocorrendo de forma s vezes mais organizada, ou um pouco mais espordica .
Leiagora -E quando surgiu a ideia de criar um livro que disponvel online?
Caiubi Kuhn - Justamente pela questo de no se ter um material referncia para o professor utilizar aqui no Estado.Como que um professor vai abordar com seus alunos um assunto? Voc precisa dar uma informao sistematizada. Ento a ideia do livro trazer essa informao sistematizada, essa ideia surgiu j h alguns anos e conseguiu ser consolidada com a participao de diversos autores .
Ento a ideia apresentar isso de forma sistematizada e os captulos esto conectados tambm. Voc consegue ver aqui na sequncia a Geologia e os minerais, depois a parte de paleontologia, depois, na sequncia, voc j v por exemplo a ocupao humana. Ento voc consegue ver essa conexo entre os diversos temas com uma linguagem mais simples, que possa ser abordado numa Ensino Fundamental no ensino mdio e que um professor consiga ar para o aluno e falar vamos estudar os biomas do Estado? O contedo est em 10 pginas. Vamos estudar o relevo do Estado? Em 10 pginas voc estuda o relevo do Estado. Ento aquilo que pode ser feito em uma aula de uma forma tranquila e trazendo os exemplos regionais.
Leiagora -Eu sei que voc tem uma atuao muito ligada a Chapada dos Guimares, que voc nasceu e tambm onde trabalha a questo do geoparque, trabalha com divulgao Cientfica. Como a relao da criana, do adolescente chapadense com seu territrio?
Caiubi Kuhn - Eles j tem uma noo maior hoje do que Chapada representa principalmente por causa das exposies itinerantes que so feitas, os trabalhos que so feitos junto com as escolas e com os professores.
Mas, se ns formos olhar isso h algum tempo atrs, era mais fcil uma criana do Rio de Janeiro ou de So Paulo ter tido o a um fssil de Chapada dos Guimares do que uma criana Chapada dos Guimares, mesmo essa criana s vezes estando h dois, trs quilmetros de distncia do lugar onde so encontrados esses fsseis.
Fsseis so coletados em Chapada, por exemplo, desde o sculo XIX, mas dificilmente chegava nessas comunidades exposies, informaes cientficas que possibilitasse que aquelas crianas, aqueles professores, que aquelas pessoas pudessem entender e trabalhassem aqueles contedos.
Leiagora -E isso tem mudado?
Caiubi Kuhn - Hoje, com essas iniciativas que so feitas em Chapada pelo geoparque, por essas exposies itinerantes, a gente consegue levar at essas comunidades essa informao que em alguns casos saiu de l mesmo. Ento aquele material cientfico que saiu de muito prximo da comunidade, que foi para uma instituio museolgica, no caso hoje o Museu de Histria Natural, aqui em Mato Grosso, que com quem eu trabalho esse tipo de projeto, e quando a gente retorna para essa comunidade a gente permite que eles tenham o quela informao cientfica que est ao lado deles.
E quem sabe incentivar os jovens de l a se dedicarem ao estudo. No s ao estudo da histria do planeta, mas ao estudo como um todo, entender que a cincia faz parte da vida deles.
de fato muito legal voc ver as criancinhas… eles te esperam com expectativa. A gente faz todo ano um concurso de desenhos e tem 400, 500 crianas de Chapada inteira que se inscrevem no concurso. Ento aquele negcio super esperado para eles conseguirem mostrar, para conseguirem falar sobre o que que tem ali na viso deles.
Mostrar o que tem em Chapada dos Guimares em termos de rocha, de fssil, de histria do municpio. muito, muito legal.
Leiagora -Eu imagino. Quando era criana assistia filmes sobre dinossauros, sobre o ado remoto de um lugar e nunca era sobre aqui. Parecia que existia somente um vazio..
Caiubi Kuhn - E isso no verdade. Eles entendem que, por exemplo, tem um dinossauro importantssimo que foi descrito com fssil de Chapada. Eles entendem que tem fsseis de crocodilos, de tartarugas, que tem fsseis de diversos tipos de animais em Chapada, dos Guimares. Que Chapada teve um vulco, j teve deserto, j teve outros rios, que j foi mar.
E isso legal para outras regies tambm. Quando eu vou, por exemplo, em Rosrio Oeste, ou quando eu t ali em Jangada, onde temos registros de rochas glaciais, que representam glaciaes que j existiam nesta regio. Ns temos tambm ali rochas que, dentro delas, guardam fsseis cianobactrias, que so algas que j fizeram o processo de fotossntese e ajudaram na oxigenao do planeta. Que se encontra nas cavernas, ali de Rosrio Oeste, fsseis de preguia-gigante, tatu-gigante.
Ento voc vai para lugares diferentes e voc encontra diferentes tipos de informao geolgica. Esse um dos exerccios que a gente faz quando vai num municpio.
Leiagora -Como assim?
Caiubi Kuhn - Qual a histria da Rocha que t embaixo da escola? Toda rocha conta alguma coisa. O que aquela rocha conta? A gente tenta trabalhar isso tambm, pra pessoa entender que o lugar onde ela t, por mais que seja uma referncia cotidiana e s vezes ela no veja como algo especial, s vezes traz uma parte importante da histria do planeta.
Leiagora -Ento, para finalizar, um resumo sobre qual a importncia da divulgao cientfica em nvel local na educao?
Caiubi Kuhn - A divulgao Cientfica, ela uma das formas no s da gente incentivar os jovens a se dedicarem ao estudo, mas deles entenderem tambm o planeta onde eles esto.
A divulgao cientfica em si, quando ela feita focada para as periferias, para o pblico que no tm o a ela normalmente, abre janelas, abre portas para curiosidade, abre portas para entender que o universo ao nosso redor formado por inmeros elementos que podem ser estudados. Que aquilo ali vo dar respostas fantsticas.
A divulgao Cientfica, ela , no fundo, uma forma da gente permitir que essas crianas consigam sonhar, que elas consigam enxergar que em volta delas tem um universo fantstico em termos de informao. Para eles entenderem que no s nos Estados Unidos que tinham dinossauro, que o Sid da Era do Gelo andava por aqui. Que aqui ns tnhamos mastodontes, que ns temos uma das maiores crateras de impactos de meteorito.
A divulgao cientfica traz muitas coisas e com isso eles am a entender que aqui tambm pode se fazer cincia. Esse o principal sentido, tanto do processo que feito de exposies em escolas, como do livro, mostrar que Mato Grosso um lugar rico em cincia e que pode ser muito mais se tiver investimento.
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