H cinco anos, s 5h17 do dia 8 de fevereiro, tinha incio o incndio que vitimou 10 atletas adolescentes alojados em contineres, no Centro de Treinamento (CT) do Flamengo, mais conhecido como o Ninho do Urubu, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. O processo criminal sobre a tragdia segue na Justia -a primeira audincia ocorreu em agostodo ano ado-, mas o recm-lanado livro “Longe do Ninho”, da jornalista e escritora Daniela Arbex, traz revelaes inditas daquela madrugada fatdica. Com idades entre 14 e 16 anos, morreram no incndio Arthur Vinicius, Athila Paixo, Bernardo Pisetta, Christian Esmrio, Gedson Santos, Jorge Eduardo, Pablo Henrique, Rykelmo de Souza Viana, Samuel Thomas e Vitor Isaas.
“Eu no escrevo sobre tragdias, mas sim sobre omisses que causam tragdias”, disse Arbex,, no incio da entrevista que concedeu na ltima tera-feira (6), ao programaStadium, da TV Brasil,um dia aps o lanamento do livro no Rio de Janeiro.
A ideia do livro surgiu aps a escritora ser procurada por uma me que perdera o filho no incndio. Aps dois anos reunindo depoimentos e investigando o caso, a escritora narra de forma comovente o dia a dia dos meninos, a amizade entre eles, o luto infinito dos pais e, sobretudo, o rol de negligncias que culminaram na morte de 10 inocentes.
Entre as revelaes inditas no livro est o fato de os meninos do ninho no terem morrido dormindo, como pensava a maioria dos pais.
“A gente consegue reconstruir aquela madrugada trgica, o que aconteceu em cada quarto. Uma das portas dos contineres onde os meninos dormiam estava com defeito. Quando ela batia com fora ela travava por dentro e s podia ser aberta por fora. Ento, em um determinado quarto, os meninos no tiveram a chance de fugir”.
Daniela Arbex traou uma linha do tempo “assustadora” em que enfileira vrias fiscalizaes do Ministrio Pblico no CT do Ninho do Urubu a partir de 2012, nas quais so apontadas diversas necessidades de melhoria em relao ao atendimento oferecido aos atletas da base.
“Em 2014 foi feita uma tentativa de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que no se realizou. O Flamengo se recusou a fazer o TAC. Isso foi judicializado e em 2015 foi instaurada uma ao civil pblica. Em 2019, quando o incndio aconteceu, esta ao ainda estava em andamento. Ento eu falo: o tempo da justia nem sempre o tempo de quem precisa dela. De 2012 a 2019 o Flamengo teve inmeras oportunidades de se adequar, j os meninos do ninho no tiveram nenhuma chance”.
No foram poucas as vezes que a escritora, me de um menino de 12 anos, se emocionou durante o trabalho de investigao.
“Quando as vtimas chegaram ao Instituto Mdico Legal (IML), a legista percebeu que todas as placas de crescimento [reas de cartilagem nos ossos longos] estavam abertas, o que mostra que eles [os garotos do ninho] teriam muito tempo para se tornar as estrelas que eles podiam ser”.
Para Daniela Arbex, o juiz Marcelo Laguna Duque Estrada (titular da 36 Vara Criminal do Tribunal de Justia do Rio), disse tudo que precisava ser dito sobre o incndio no CT do Flamengo ao acolher a denncia do MP-RJ.
“Ele fala em autorias colaterais, que o incndio no ar condicionado foi a ponta do iceberg. Houve vrias omisses anteriores que culminaram naquela madrugada trgica. Uma delas que o Ninho do Urubu sequer deveria estar funcionando; ele fala que aquele continer era uma arapuca mortal”.
Entre as reflexes suscitadas pela autora est o cuidado com a sade mental de adolescentes que iniciam muito cedo a carreira de atleta.
“Acho que o livro joga luz a um tema pouco discutido, que a capacidade de clubes cuidarem da sade mental desses atletas em formao, que saem de casa precocemente e j desenvolvem relaes comerciais, que te tm sobrecarga fsica; fragilidade dos seus laos afetivos porque esto longe dos verdadeiros ninhos, longe de casa e da proteo de seus pais. E qual a capacidade dos clubes de acolherem esses meninos afetivamente e oferecerem um e de sade mental. Fiquei muito impressionada com um dos meninos que sobreviveu e que me disse que aos 20 anos se sentia um fracassado, que ele era velho demais aos 20 anos”.
De acordo com a escritora, o Flamengo se recusou a dar qualquer depoimento para o livro.Daniela Arbex chegou a visitar o museu do clube da Gvea e se surpreendeu ao no encontrar registro algum sobre os garotos do ninho.
“Falo sempre que o esquecimento nega a histria. Quando uma histria no contada como se ela no tivesse existido. E por isso que esse livro existe: para a gente dizer que essa histria aconteceu e para gente eternizar a histria dos meninos”, concluiu.
Agncia Brasil
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