Na semana em que se comemora o dia da Conscincia Negra, a coordenadora do Coletivo Negro Universitrio da Universidade Federal de Mato Grosso (CNU/UFMT), Alice Marqueto, alertou sobre o racismo estrutural e apontou que as pessoas conhecem a histria da populao negra, mas quando so chamadas para aes polticas e sociais de combate descriminao, se sentem “desconfortveis” em lidar com as complexidades e desafios.
Comemorado no dia 20 de novembro, a data homenageia Zumbi dos Palmares, um dos principais representantes da resistncia escravido no Brasil. Figura est que virou smbolo da luta dos negros.
Segundo a ativista, o ms tambm um convite para que possamos refletir e dialogar sobre aes e polticas pblicas e privadas para o enfrentamento do racismo e promoo da igualdade de oportunidades.
A coordenadora tambm contou ao Leiagora um pouco sobre o trabalho desenvolvido pelo CNU promovendo discusses das questes tnico-raciais e articulando o desenvolvimento de lideranas negras dentro da comunidade universitria. Bem comosuas experincias e referncias.
Leia abaixo, a entrevista completa:
Leiagora - Primeiramente, gostaria que voc falasse sobre a importncia do Dia da Conscincia Negra. um momento de reflexo?
Alice Marqueto - O Dia da Conscincia Negra, que tambm Dia Nacional de Zumbi dos Palmares, representa um momento para celebrao da cultura afro-brasileira, em suas manifestaes artsticas, religiosas e contribuies em diversos campos, mas principalmente marca o reconhecimento das histrias de lutas e conquistas da populao negra brasileira.
Por isso, esse dia no apenas comemorativo, tambm um convite para que possamos refletir e dialogar sobre aes e polticas pblicas e privadas para o enfrentamento do racismo e para promoo da igualdade de oportunidades, compreendendo as diversas nuances da identidade negra, desde a sua riqueza cultural at os desafios enfrentados cotidianamente.
Leiagora - Como explica a relutncia de algumas pessoas em comemorar a data e no refletir sobre a importncia da mesma?
Alice Marqueto - Essa postura de recusa pode ser atribuda a diversos fatores, mas acredito que a mais evidente seja a dificuldade de entenderem o racismo estrutural presente na nossa sociedade. Em muitos casos, essas pessoas conhecem a histria da populao negra, mas quando so chamadas para aes polticas e sociais de combate ao racismo, se sentem “desconfortveis” em lidar com as complexidades e desafios que enfrentam a populao negra.
Leiagora - O que o CNU e como ele fomenta a conscincia negra no ambiente universitrio?
Alice Marqueto - O Coletivo Negro Universitrio (CNU) um movimento social negro atuante no mbito da UFMT, que surgiu em junho de 2013, formado por estudantes, docentes e tcnicos da universidade. O nosso espao poltico se d por meio de processos educativos, com formaes sobre relaes tnico-raciais e onde tambm tratamos de assuntos pertinentes a nossas vivncias na UFMT.
Temos conseguido assento permanente em espaos de decises e viabilizao de Aes Afirmativas na UFMT, participamos junto sociedade de discusses e de aes do Estado, contamos com representao no Conselho de Polticas de Aes Afirmativas da PRAE/UFMT e representao na Coalizo Negra por Direitos.
Durante esses 10 anos, o CNU se inspira em grandes lideranas de Mato Grosso, contribuindo para o fortalecimento do movimento negro, estimulando a conscientizao, o dilogo e a busca por solues concretas para os desafios enfrentados pela populao negra. Assim, estamos em constante construo promovendo discusses profundas das questes tnico-raciais e articulando o desenvolvimento de lideranas negras dentro da comunidade universitria.
Dentre as nossas aes, quero destacar aqui dois de nossos projetos realizados em 2022, o “Na txintxa: descomplicando a escrita acadmica!” e o “Podcast Leva-e-Traz: (com)fuso e (re)existncias na UFMT”, que foram aprovados no edital de apoio financeiro a projetos estudantis de incentivo s polticas de aes afirmativas da Pr-Reitoria de Assistncia Estudantil (PRAE) e em parceria com o Ncleo de Estudos e Pesquisas sobre Relaes Raciais e Educao (NEPRE).
Em nossas mdias sociais esto os materiais desses projetos, que podem ser ados e utilizados como referncia sobre o tema, no Youtube e Spotify - Coletivo Negro Universitrio UFMT.
Leiagora - Essa nova gerao de jovens tem se mostrado bastante engajada em levantar vrias bandeiras e defender causas nas redes sociais. Isso tem sido notado no cotidiano presencial tambm?
Alice Marqueto - Essa gerao atual cresceu em um ambiente de o mais facilitado informao, principalmente por meio das redes sociais, e ainda que existam preocupaes sobre quem tem o e o que se consome nas mdias sociais, penso que as prticas dentro e fora do mundo digital podem variar.
A produo de contedos em uma diversidade de pautas raciais, sociais e polticas, acabam influenciando ao empoderamento e ao engajamento nessas causas tanto de forma virtual quanto presencialmente, pois algumas pessoas gostam de mostrar sua participao em atividades dos movimentos sociais, e por outro lado outras que preferem atuar apenas nas mudanas concretas em suas comunidades, sem se manifestar publicamente.
Em minha experincia, inicialmente me interessei pelo movimento negro acompanhando alguns influenciadores digitais e consequentemente ei me identificar e atuar em Cuiab. Participei de atividades realizadas pelo CNU antes de ingressar na UFMT e ao longo dos ltimos 5 anos conheci algumas das lideranas que aram pelo Coletivo, a professora Dra. Zizele Ferreira, Claudenilde Lopes, Lupita Amorim, professora. Dra. Candida Soares da Costa que uma das formadoras cientficas do CNU, e assim como outras pessoas que integram esse espao, so inspirao para a continuidade do nosso movimento.
Leiagora - Alm desse ambiente jovem, ainda comum nos depararmos com pessoas que tm dificuldade para se reconhecerem como negro. Qual a importncia desse autorreconhecimento? Isso impacta na elaborao de polticas pblicas? O coletivo tem alguma frente de atuao nesse sentido?
Alice Marqueto - Essa uma realidade enfrentada por muitas pessoas, que no sabem que fomos educadas a internalizar esteretipos negativos e estigmas sobre os padres estticos e intelectuais relacionados identidade negra, pois diariamente ouvimos que no somos pessoas bonitas, inteligentes e afetuosas.
Quando amos a nos auto reconhecer e nos declarar como pessoa negra um reflexo das lutas do movimento negro para a valorizao da nossa identidade, que nos conecta a nossa cultura e hisria, e certamente impacta na implementao de polticas pblicas, pois uma populao que se reconhece como negra mais propensa a demandar polticas que abordem suas necessidades especficas.
Nesse sentido, o CNU tem atuao nos processos formativos de seus integrantes, criando espaos de dilogo e acolhimento, respeitando a nossa diversidade e potencialidade para construo das nossas aes.
Leiagora - O governo Federal sancionou recentemente mudanas na Lei de Cotas que incluem quilombolas e reduzem renda mxima. Como o coletivo avalia essa alterao?
Alice Marqueto - No caso da UFMT, o envolvimento da juventude negra e quilombola foi importante e impactou essa poltica nacional, pois parte de nossas pautas. Ento, podemos considerar que um avano muito positivo, sobretudo a incluso de quilombolas como resultado da luta para que a lei contemple diferentes grupos tnicos afetados pelo racismo estrutural.
O impacto real dessas mudanas vai depender da implementao na prtica e das possveis medidas complementares para a equidade no o educao superior no Brasil, observando que de suma importncia que se continue o acompanhamento dessas mudanas e que se discuta criticamente sobre o desenvolvimento da lei com as instituies federais e a comunidade acadmica a fim de buscar a efetividade dessa poltica.