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Notcias / Entrevista da Semana 614x1d

20/08/2023 s 08:00 3fn4t

ENTREVISTA DA SEMANA 676l4l

Agressores de crianas em condomnios podem responder por at trs crimes, alerta delegado 28253z

O profissional tambm deu dicas de como identificar quando uma criana agredida, como so colhidos os depoimentos dos menores na delegacia, a importncia da denncia e muito mais 155aq

Gabriella Arantes

Dois vdeos que registraram crianas sendo agredidas em condomnios em Cuiab geraram grande repercusso nessa semana. Um deles mostra um menino autista de 5 anos sendo agredido com tapas na cabea enquanto brincava em uma brinquedoteca do condomnio Residencial Parque Pantanal. No outro, uma mulher d um forte tapa no rosto de uma menina de 11 anos na quadra do condomnio Piazza de Napoli, na Capital.

Em entrevista ao Leiagora, o delegado Alexandre da Silva Nazareth, da Delegacia Especializada de Defesa dos Direitos da Criana e do Adolescente (Deddica), comentou sobre ambos os casos. Conforme Alexandre, os agressores podero responder por at trs crimes: constrangimento ilegal, injria real e leso corporal (quando for comprovado no laudo perial).

“Coincidentemente, ns estamos falando de trs crimes, cuja pena, no seu tipo penal bsico, pode oscilar entre trs meses a um ano. [...] Todas seriam aplicadas pelo juiz, a depender das circunstncias do caso, circunstncias pessoais, antecedentes, reincidncia ou no da pessoa. Claro que como ns estamos diante de trs crimes com penas idnticas, 3 meses a um ano, a somatria daria 9 meses a pena mnima e 3 anos a pena mxima”, afirmou o profissional.

Alm disso, durante a entrevista, o delegado ainda deu dicas de como identificar quando uma criana foi agredida, contou como so colhidos os depoimentos dos menores na delegacia, e destacou a importncia da denncia.

Confira abaixo a entrevista na ntegra:


Leiagora - Nesses dois casos, a cmara de vigilncia registrou. Caso no tenha, como funciona? A verso da criana levada em considerao?

Delegado - Nesses dois casos, ns tivemos a sorte de o nosso futuro nos ajudar com provas robustas, a exemplo dos sistemas de vigilncia dos imveis, dos prdios. Mas quando no temos esse sistema de vigilncia, essas imagens, ns nos valemos das provas testemunhais. Claro que nos dois casos ns estamos produzindo provas testemunhais tambm. Mas quando no temos a prova de vigilncia, o elemento de informao atravs de imagens, a a gente procura a prova testemunhal e provas periciais. Nos dois casos, alm de ouvir todas as pessoas envolvidas, as que presenciaram e at aquelas que no presenciaram, mas ouviram falar, ns produzimos as provas periciais, no sentido de identificar se a violncia empregada contra as crianas resultou na prtica de leso corporal.

Ento, ambas foram submetidas ao exame de corpo de delito junto percia policial de identificao tcnica, que a Politec. Ns estamos aguardando, inclusive, os laudos periciais para poder, inclusive, definir se vai haver a somatria de mais um crime, alm de dois que ns identificamos de plano s assistindo as imagens e ouvindo testemunhas oculares.

Leiagora - Quais so esses crimes que foram cometidos?

Delegado - Ns temos, de imediato, um crime de constrangimento ilegal. Que constranger algum mediante violncia ou ameaa no caso. Precisamos de mais elementos para identificar eventual ameaa. Mas o que est evidente que houve o crime de violncia para para obrigar a criana a no fazer o que a lei permite. Ora, a lei no s permite que ela brinque, que ela tenha um momento de descontrao, um momento de lazer, como isso um direito da criana, previsto no estatuto da criana e do adolescente.

Est l no estatuto que a criana tem um trip de proteo, que formado pela famlia, pela sociedade e pelo Estado. E ns tivemos um dos trs trips, ns tivemos ali uma violncia empregada em um dos trs trips de proteo, olha que contrassenso isso, que a comunidade. Ento algum da comunidade, algum da sociedade viola um direito da criana ao lazer. Durante o lazer, claro que durante o lazer, uma criana pode exceder na brincadeira e provocar um comportamento um pouco mais fora da normalidade em relao ao colega, mas a interveno do pai, a interveno do terceiro, a interveno da sociedade deve ser no sentido de acalmar os nimos das crianas, e no de empregar mais violncia.

Ento, a partir do momento em que h esse constrangimento mediante violncia para que a criana no faa aquilo que de direito, o lazer, ou mesmo a convivncia comunitria, que um outro direito da criana previsto no estatuto, quando algum interfere na relao criana versus criana para poder entregar uma violncia obrigando a no fazer algo que a lei lhe garante como direito, isso configura o crime de constrangimento ilegal previsto no artigo 146 do nosso cdigo penal.

Alm disso, ns tambm identificamos a prtica de um crime denominado de injria real, que quando algum, um terceiro, no caso um adulto, mediante o emprego de violncia, e a o legislador ele insiste na palavra violncia, mediante o emprego de violncia ou vias de fato, se comporta de maneira a menosprezar a outra pessoa, que no caso agora ns estamos falando da criana. Ento o adulto, ele se comporta de forma a ofender a honra subjetiva da outra pessoa. Um tapa no rosto, ou um tapa na nuca, ou dois tapas na nuca, esses comportamentos sem dvida, eles tinham, sim, um condo de ofender a honra da criana. Ento, detectamos, alm de um constrangimento ilegal, que obrig-la a deixar de fazer aquilo que lhe de direito, que o lazer, a convivncia comunitria, bem como uma agresso lanada contra ela no sentido de fazer com que ela tenha a sua dignidade ofendida, a sua honra.

Ento, de plano, baseado nas provas cibernticas, nas imagens, e com provas testemunhais que j foram colhidas na delegacia da criana e do adolescente, ns identificamos j a prtica de constrangimento ilegal e de injria real, dois crimes previstos no Cdigo Penal. E que pode, eles sero computados em um concurso material, que ns chamamos, no sentido de que eles sero contabilizados de forma a somar, de modo que as penas sero somadas dentro do constrangimento ilegal com a injuria real.

E da, e assim que tivermos de posse do pericial, produzido pela percia tcnica, se o perito apontar a existncia de alguma leso, mesmo que seja um mero vermelhido, e isso por si s j uma leso, ns vamos trabalhar inclusive com crime de leso corporal praticado contra criana, contra pessoa menor de 14 anos. Alm do que, tanto da injria real, quanto da leso corporal ns temos uma causa de aumento de pena.

Leiagora - Quais so as penas previstas para esse caso?

Delegado - Coincidentemente, ns estamos falando de trs crimes, cuja pena no seu tipo penal bsico pode oscilar entre trs meses a um ano. Trs meses seria a pena mnima, um ano seria a pena mxima. Todas seriam aplicadas pelo juiz, e o juiz, a depender das circunstncias do caso, circunstncias pessoais, antecedentes, reincidncia ou no da pessoa, o que ns chamamos de circunstncias judiciais, o magistrado ele define se a pena vai se aproximar do mnimo, trs meses, ou se ela vai se aproximar do mximo.

Claro que, como ns estamos diante de trs crimes com penas idnticas, trs meses a um ano, a somatria daria nove meses a pena mnima e trs anos a pena mxima.

Mas alm disso, ns temos uns crimes de injria real, e uns crimes de leso corporal, uma causa de aumento de pena de um tero se a vtima for criana. Ento, na injria real, se a vtima for criana ou adolescente, ns temos uma causa de aumento de um tero.

E o curioso que essa causa de aumento da injria real de um tero aparece na nossa legislao por meio da lei Henry Borel. O ano ado incluiu no captulo dos crimes contra a honra essa causa de aumento quando o crime for praticado contra a criana e adolescente. E estende para deficientes, maior de 60 anos, enfim.

No fator corporal, o legislador j algum tempo previu e sendo a leso praticada contra uma pessoa menor de 14 anos, ns teremos a causa de aumento, a incidncia da causa de aumento de pena de um tero sobre a pena aplicada pelo juiz.

Leiagora - Como so colhidos os depoimentos dos menores? Tem uma dinmica diferente?

Delegado - Na delegacia especializada na criana e adolescente, ns temos uma equipe multidisciplinar formada por dois psiclogos e duas assistentes sociais. Quando criana, vtima de violncia, ou mesmo adolescente, quando eles so apresentados na delegacia, eles so direcionados a uma recepo prpria para eles e so submetidos escuta especializada, onde os profissionais, psiclogos e assistentes sociais faro a escuta da criana ou do adolescente vtimas, sem forar, sem obrig-los a dizer o que de fato ocorreu.

E os profissionais vo conduzir a vtima para que ela, de livre e espontnea vontade, diga em detalhes o que ocorreu. Claro que, sim, se ela no tiver condies de falar, os psiclogos vo fazer um relatrio negativo dizendo que ela no mencionou nada sobre os fatos. Mas, em geral, em regra, elas falam. E a os profissionais documentam isso no relatrio psicossocial que anexado junto do inqurito policial.

Em relao ao acompanhamento, o delegado de polcia presidente dos autos. Aqui, so dois delegados, aqui na Delegacia Criana e do Adolescente. Mas o delegado que preside pode fazer um encaminhamento dessa criana para o Centro de Referncia de Assistncia Social (Cras) quando no houver rompimento de vnculo familiar, ou para o Centro de Referncia Especializado de Assistncia Social (Creas), quando houver rompimento de vnculo familiar, da criana com o pai, ou com a me e outro parente.

Pode fazer um encaminhamento para o sistema de sade, para a pasta que cuida de doenas psicolgicas, o Caps. Inclusive para sade, problemas de sade mental de adolescente, temos o Caps, a gente faz esses encaminhamentos. multidisciplinar, quando a criana, o adolescente vtima, quando eles precisam de um acompanhamento psicolgico, tambm faz esse encaminhamento direto do ncleo psicossocial para essas reas do municpio e se for necessrio do Estado.

A nossa delegacia faz acompanhamento psicossocial? No. Quem faz acompanhamento psicossocial? O municpio. Atravs dos rgos Cras, Creas e Caps. Ento a gente faz os encaminhamentos, ou via delegado de polcia, ou via equipe multidisciplinar. O que ns fazemos? Ns colhemos a escuta especializada da criana, que tem a finalidade, tem o condo de produzir provas dentro do inqurito policial da prtica do crime.

Isso tem previso na lei de depoimento sem dano, que de 2017 inclusive. Esse procedimento especializado, que seria uma realidade em todas as delegacias de polcia, inclusive no interior, ocorre com frequncia. Eu acredito que apenas aqui, na Delegacia Especializada da Criana e do Adolescente, por conta de toda a infraestrutura que demanda, profissionais especializados, e tem a estrutura fsica adequada para poder fazer a oitiva da criana. Mas quem sabe no futuro prximo ns conseguiremos levar para todas as sociedades. Porque isso importantssimo, para evitar que a criana, o adolescente, que a vtima, vai parecer at um jargo, mas para evitar que a vtima seja revitimizada.

Quando h violao do direito da criana, a o conselho ou a escola faz oitiva, n? Alguns profissionais, professores fazem oitiva. A criana chega na delegacia, o escrivo faz a oitiva, depois o psicossocial faz oitiva, vai pro frum, o frum faz oitiva e assim vai, a criana revivendo todo aquele acontecimento, toda aquela agrura que ela sequer gostaria de lembrar. Ento, a escuta especializada tem a finalidade de evitar que no futuro, o prprio frum, claro que se tiver uma situao bem peculiar que demande a reproduo da oitiva da criana, o frum vai fazer. Mas a escuta especializada tem inclusive a finalidade de evitar que a criana seja inquirida novamente sobre os fatos no futuro.

Leiagora - Alm das medidas criminais que podem enquadrar os pais, existe a possibilidade de algum tipo de interveno psicolgica com a famlia e a criana?

Delegado - O estatuto da criana no prev crime para menores de 18 anos. O que ele prev so duas medidas. Uma conhecida como medida socioeducativa, que para que as menores de 18 anos, acima de 12, menores de 18, que pratiquem um ato infracional anlogo prtica de crime. Ento, o menor no pratica o crime de homicdio, ele pratica ato infracional anlogo ao crime de homicdio. Injria, leso corporal, constrangimento, ele no pratica esses crimes, ele pratica a ato infracional anlogo ao crime de injria real, de constrangimento ilegal, enfim. A criana que pratica ato infracional, aquela dvida. Menor de 12 pratica ato infracional? Pratica.

A criana pratica ato infracional. S que a criana, diferente do adolescente, ela no est sujeita medida socioeducativa, que seria a internao, a liberdade vigiada, enfim, no est sujeita a tais medidas socioeducativas. Mas a criana, sim, est sujeita a medidas de proteo. A maioria delas esto aplicadas pelo prprio conselho tutelar.

Ento, vou dar um exemplo: frequentar cursos de artes marciais. Por exemplo, no pode o conselho tutelar determinar que a criana agressora participe de um curso de arte marcial por entender que a arte marcial no tem o condo, no tem a finalidade de torn-lo um agressor, e sim ao contrrio, fazer com que ele apenas se defenda das agresses que eventualmente sofridas.

Mas claro, pode ser, se for envolvimento com drogas, o conselho do tutelar pode requisitar que a criana e os pais, sempre lembrando que quando o conselho que requisita para a criana, os pais, um deles, vai ter que acompanhar, ou os dois tero que acompanhar a criana no curso. At que essa ressocializao no seja apenas da criana, e sim seja um comportamento nico na famlia. Da, essas medidas de proteo elas podem ser aplicadas pelo conselho tutelar.

O conselho tutelar no pode aplicar, por exemplo, medidas de proteo que s o juiz da infncia pode. Por exemplo, substituir a famlia, a substituio familiar, ou ento colocar a criana numa casa de custdia. Isso a s o juiz da infncia. Mas as demais medidas de proteo o conselho pode aplicar de ofcio por meio de requisio. Ento qual seria a soluo para isso? A aplicao pelo conselho tutelar das medidas de proteo previstas no estatuto da criana.

Leiagora - Como identificar se uma criana foi agredida ou abusada sexualmente? Ela d indcios?

Delegado - Ns tivemos em 2021, em Cuiab, 71 inquritos policiais autuados a delegacia da criana por estupro de vulnervel. Em 2022, ano ado, ns tivemos 54 casos, porque o anurio publicou que houve um aumento no Mato Grosso dos casos de estupro. Ns fizemos um estudo aqui na delegacia para saber se ns tivemos em Cuiab um aumento ou reduo. Ento, em 2021, ns tivemos 71 casos, todos eles autuados em inqurito policial. Em 2022, ns tivemos 54 casos tambm autuados em inqurito policial. O que acontece que ns tivemos uma reduo de 24% de 2021 para 2022.

Mais de 90% dos casos de estupro de vulnerveis ocorrem em um ambiente familiar. triste, mas a verdade. Mais de 90% dos casos ocorrem dentro da famlia. O agressor, ele um membro da famlia ou algum muito prximo da famlia. Ento ele no conhece s a vtima, ele conhece a vtima, conhece os pais da vtima, os irmos. Ele conhece todo aquele ambiente familiar. bastante frequente a gente se deparar com casos em que o agressor o padrasto, que o agressor o av, que o agressor o vizinho. Ento, o agressor conhece muito bem a vtima, e ele vai tentar persuadir a vtima a manter essa relao sexual, essa aproximao sexual sem que a vtima denuncie, sem que a vtima noticie o fato para os pais, sem que ela noticie o fato para a polcia.

Ns, enquanto sociedade, precisamos mudar de comportamento. Ento, no aqui eleger os padrastos, avs e vizinhos como pretensos criminosos. Longe disso, no a nossa funo na delegacia da criana. Mas, sim, alertar os pais que o agressor, em regra, em mais de 90% dos casos, est dentro de casa ou prximo da casa. Ento os pais tm que ter uma mudana de comportamento no sentido de tentar detectar algum sinal, seja do agressor, seja da criana, de que isso est prestes a ocorrer ou de que isso j est ocorrendo. Claro que a responsabilidade no recai apenas aos pais, porque o trip da proteo. famlia, sociedade e poder pblico. Na famlia, pais. Na escola, professores.

E da se porventura tiver suspeita na famlia ou na escola, isso vai chamar a uma interveno do poder pblico, que seria no caso a polcia no primeiro momento, depois o Ministrio Pblico e o Poder Judicirio. Mas veja s como o trip. Ento, na famlia, os pais teriam que detectar isso, ser um pouco mais atentos.

uma famlia plural? Acriana convive com a me e com o padrasto, por exemplo. Olha, a me tem que ter essa sensibilidade.Primeiro a me, durante o banho, durante a colocao de uma vestimenta, observar sinais na regio genital da criana. Ou mesmo o pai que casado, que segundo relacionamento, tem uma madrasta, de repente pode ser o contrrio, em menor nmero, sim, sem dvida, em menor nmero. O menino vtima um percentual muito baixo, mas isso possvel. Da o pai que teria que ter esse cuidado de durante a colocao da roupa, at para no constranger a criana, para pedir para tirar e tal.

Durante essa convivncia que tem que notar sinais, tem que questionar. s vezes a criana d sinal de que est sentindo dor na regio genital. Por que est sentindo dor na regio genital?

Ns tivemos um caso recente. [A criana] chegou na escola e colocou a mozinha dentro do calo. Ela tinha 7 anos, acredito que 7, 8anos hoje. E da ela botou a mozinha dentro do calo e a professora foi e chamou a ateno. “Fulana, olha, tira a mozinha dentro do calo”. A ela insistiu com a mozinha dentro do calo. Olha isso, olha s. E da a professora teve a sensibilidade l. “Minha filha, por que voc est com a mozinha dentro do calo?” A ela falou que estava doendo. “O que est doendo?” Ela falou que o rgo genital estava doendo. E a a professora: “por que est doendo?” A ela, no final das contas se abriu para a professora e disse: “olha, vov, tocou aqui no meu rgo genital”.

Ento veja, olha o sinal, n? A mozinha dentro do calo tocando a vagina. isso que a sociedade precisa entender. Ns vivemos uma poca em que ns precisamos de mudanas de comportamento. No sentido de ser mais atento, de tentar identificar, porque o crime de violao sexual, de explorao sexual, de estupro, so crimes que a maioria das vezes, eles acontecem no ambiente familiar. Ento, so as pessoas ali que tm essa funo de guarda, de vigilncia, de educao, de disciplina, e a gente repete, n?

Pais, professores, educadores, devem ter essa sensibilidade. Claro que os professores tm os educadores, eles tm todo o treinamento para lidar com a criana, ento para eles mais fcil identificar alguns sinais. Para os pais um pouco mais difcil por falta desse tato, desse curso que no aberto para todos. Mas assim, mesmo sem o curso, identificar sinais no corpo da criana, ouvir as reclamaes da criana, se ela disse que est doendo, que est encostando, mas por que motivo est assim? E da levar para o hospital, a equipe mdica vai identificar se uma infeco ou se uma leso produzida por terceiro. Na dvida, o mdico vai pedir para a polcia encaminhar para o perito fazer a inspeo da criana.

Num primeiro momento a me pode ficar: “eu levo direto para a polcia?” No, t reclamando de dor, de coceira, melhor ver primeiro se no uma infeco, leva ela para o mdico. O mdico fala: “olha, me, isso aqui est longe de ser uma infeco, isso uma leso provocada por algum”. O mdico levantou a lebre e ele mesmo j vai acionar. Ou vai falar para a me: "leva para a polcia porque houve violao da criana". Ento, so esses os cuidados.

A a gente volta, famlia, sociedade e poder pblico. Da o mdico fazendo a vez do poder pblico, porque sade um dever do Estado. Ento sempre esse trip funcionando para poder proteger a criana e o adolescente. E esse trip constitucional, a nossa Constituio fala dele, o estatuto da criana fala desse trip e a ele tem que funcionar. No s dever do Estado, no s dever da sociedade, um dever da famlia tambm, cuidar, assegurar os direitos da criana.

Leiagora - Nos dois casos de violncia que ocorreram em Cuiab, os responsveis foram delegacia tomar providncia. Mas o que acontece quando os pais fazem a justia com as prprias mos?

Delegado - No caso, a gente detectou uma falha de comunicao do poder pblico. Porque naquela ocasio onde o fato ocorreu, se os pais da criana vtima ou algum que esteve no local durante a agresso, qualquer um deles, se tivesse ligado 190 ou 197 a polcia teria feito a priso em flagrante do agressor. Porque o que acontece com a criana adolescente a partir da lei Henry Borel, que entrou em vigor no ano ado, que semelhana do que j vinha ocorrendo com a lei Maria da Penha, os crimes contra a criana adolescente, eles no am o termo circunstanciado de ocorrncia.

Qualquer crime praticado contra criana e adolescente, se tiver demonstrao flagrancial, o sujeito vai ser autuado flagrante delito. No vai chegar na delegacia para um termo de compromisso e ir embora. Ele vai ser autuado flagrante delito, ento faltou a comunicao. Ou se essa comunicao existiu, o poder pblico no se fez presente. Eu no sei dizer se no houve comunicao. Se no houve a comunicao, importantssimo que sejam os pais ou as testemunhas.

Eles devem acionar a polcia, seja ela qual for, 190, 197, Polcia Civil. Qualquer uma delas e comunicarem que os policiais iro fazer a priso flagrante. E no Brasil, o que a populao desconhece, interessante que eles saibam, que a populao saiba disso. No flagrante s quem est cometendo a infrao, s o sujeito que pego cometendo a infrao penal. No Brasil no assim.

Ainfrao penal no Brasil funciona assim: quem est cometendo, quem acaba de cometer, quem perseguido logo depois pela polcia ou quem encontrado com algum objeto que faa presumir ser ele o autor da infrao penal, tambm assim, ns no Brasil temos o direito, isso o direito brasileiro, direito penal brasileiro, ns no Brasil temos uma interpretao extensiva daquilo que seja flagrante.

De modo que essa elasticidade do flagrante permite que a polcia faa a captura do sujeito alguns minutos, tempos depois da prtica do crime. Ento, olha l, o sujeito foi l, deu um tapa no rosto da criana. As razes por que uma criana estava brigando com a outra, ento, nada justifica o fato. Alis, isso no justificaria o fato de a criana sofrer uma agresso. Da, o sujeito saiu do local. A polcia chegou l no prdio, tomou as informaes, perguntou para as testemunhas quem o sujeito, onde ele mora, quem ele , qual o carro, qual a placa. Vai l, pergunta para o porteiro, pegue as imagens do prdio do sistema de vigncia para ver a placa do veculo. A a polcia iniciou uma perseguio, foi atrs do cara e achou o cara l no centro da cidade. Enfim, o sujeito ainda est em flagrante delito. Porque foi logo aps a prtica do crime que a polcia interceptou a marcha dele.

Leiagora - Existe um planto 24h para esse tipo de ocorrncia?

Delegado - No temos isso ainda. Ento ns temos uma delegacia da criana especializada no tratamento da criana e do adolescente que funciona de segunda a sexta-feira, das 08h s 18h, isso uma pena. Mas assim, existe uma poltica estadual no sentido de a semelhana do que ocorreu com os crimes contra a mulher, que foi implantado um planto de atendimento mulher no Planalto. Ento 24h funciona, tem escala de delegados, ajustadores de escolas.

Existe a vontade do Estado de fazer com que isso acontea tambm quando se tratar de violncia contra a criana e adolescente. Alis, vai na contramo da Constituio e do Estatuto da Criana o fato de no ter uma delegacia que funciona 24h em Cuiab. Por que que vai na contramo? Porque a Constituio fala que a criana e o adolescente devero ser tratados com prioridade absoluta. A vem o Estatuto da Criana e repete a Constituio disse. A criana tem que ser tratada com prioridade absoluta e ns no Brasil adotamos desde 1990 a doutrina da proteo integral da criana e do adolescente.

Qual doutrina da proteo integral? Quando a criana s tem o atendimento na delegacia das 08h s 18h, de segunda a sexta. Ento, assim, no temos uma delegacia de criana e do adolescente que funcione 24 horas. Isso vai de encontro a Construo e o Estatuto da Criana.

Leiagora - Como que as pessoas podem denunciar caso acontea alguma violncia, uma agresso ou at mesmo um abuso sexual contra a criana e o adolescente?

Delegado - Ns temos trs canais de comunicao que so imediatos. Temos o 197, que o nmero da Polcia Civil com atendimento 24h. Temos o 190, que da Polcia Militar. Temos o Disque 100 que um canal de comunicao incrvel. As notcias chegam nas delegacias. At no interior, eu j estive em Aripuan e Colniza. E de l eu recebi notcias do Disque 100. De crimes de violncia contra mulheres e contra crianas. Ento, um canal que funciona. E alm disso, ns temos o atendimento. de expediente das 08h a 18h aqui na delegacia especializado da criana adolescente, se o fato ocorrer durante o expediente, ou se o fato ocorrer durante o final de semana, a me no acionou, o pai no acionou, deixou transcorrer o prazo flagrancial, no fez, no tomou as medidas. Segunda-feira a delegacia funciona, aqui ns temos atendimento para lavratura do boletim de ocorrncia, para fazer uma oitiva da criana, uma escuta especializada da criana, para encaminhar a criana ou o adolescente l para percia para fazer exames de conjuno carnal, de ato libidinoso, de leso corporal, exames laboratoriais pra ver se h vestgios do agressor, se h algum smen do agressor na vtima, exames de DNA, enfim.

Ns no Mato Grosso, pelo menos aqui em Cuiab,eu vou reforar que ns estamos em Cuiab, porque em alguns cantos do Mato Grosso a gente ainda tem dificuldade com esses exames. Mas aqui em Cuiab, ns temos o a todos esses exames, inclusive ao coquetel. A criana foi submetida a sexo vaginal ou anal, que seja, ela precisa tomar um coquetel junto ao SUS, ao Sistema nico de sade, para preveno de doenas sexualmente transmissveis, imediatamente. Isso feito pelo sistema de sade geralmente. A gente faz um caminhamento da criana tambm para a rede pblica de sade para tomar esse coquetel.

Leiagora - Na sua opinio, qual a importncia da denncia?

Delegado - Ainda que o fato no seja registrado imediatamente, porque a vtima s vezes tem um certo temor de sofrer alguma represlia, o fato que de repente, uma vez que for fazer isso, ela pode fazer de forma at annima. Ela entra na pgina da Polcia Civil, ns temos l a pgina de denncias. Clica l, de forma annima, no precisa dizer o nome dela, e o fato vai chegar na mesa do delegado. Ah, no quero me identificar, vai l no disque 100, no se identifica, narra o que est acontecendo, quem a criana e manda para a gente que vai parar na mesa do delegado para despachar.

Ento assim, as pessoas tm precauo, com o medo de revelar identidade. “Ah, isso est acontecendo com o meu vizinho, mas eu no o denuncio porque eu no quero me envolver com isso”. Ento no precisa se envolver, faz a notcia de forma annima, vai chegar na mesa delegada, ele vai instalar o procedimento, vai mandar a gente chamar a famlia toda. Pais, vizinhos, enfim, avs, vai chamar todo mundo pra se ouvir da delegacia e tentar entender o que est acontecendo com a criana. Sem a notcia, isso chamado de cifras negras. Muitos crimes ocorrem e a polcia nem sequer toma conhecimento porque as pessoas no noticiam o fato da polcia. Isso pssimo, no s porque a gente vai ter efetivo porque a estatstica foi baixa e tal. No por isso. A gente tem uma estatstica que no reflete a realidade, porque eu tenho aqui, que eu te falei, eu tenho 71 casos de estupro de vulnervel em 2021. Esse crime no reflete a realidade, porque muitos outros casos no chegaram ao conhecimento da delegacia da criana e do adolescncia. No tem como combater a criminalidade, no tem como combater o crime contra a dignidade sexual de uma criana ou adolescente, se a polcia no tem conhecimento de todos os casos, porque de fato ns no temos.

No porque fechamos os olhos, porque muitos casos no chegaram na delegacia. E da o agressor continua praticando com outras pessoas, com outras crianas, com outros adolescentes, at que algum tome coragem de trazer o fato ao conhecimento da polcia. No tem como combater crimes sem que a polcia torne o conhecimento de que o crime exista, que o crime ocorra, no tem como combater. E a responsabilidade eu retorno, a responsabilidade de combater, de proteger a criana, de afastar a criana dessas violncias, no s do Estado. A responsabilidade , sim, do poder pblico, mas tambm da sociedade e tambm da famlia. Ento o Estado no vai conseguir combater a criminalidade como gostaria se a sociedade e a famlia no fizerem o papel delas.
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