A jornalista e pesquisadora Jlia Munhoz levou aos olhos de pesquisadores do mundo uma fotografia do cenrio que as mulheres enfrentam na poltica de Mato Grosso, durante uma sesso do grupo de Poltica e Comunicao da Associao Internacional para Pesquisa em Mdia e Comunicao (IAMCR), realizado na cidade de Lyon, Frana, no dia 13 de julho.
O artigo, intitulado “Mulheres na poltica partidria em Mato Grosso e a cultura do machismo”, um recorte preliminar da pesquisa de doutorado dela, no Programa de Estudos de Cultura Contempornea (ECCO) da UFMT em Cuiab, e mostra, em trs recortes, o silenciamento feminino atravs da violncia praticada por homens.
E esse comportamento machista no exclusividade de uma nica corrente ideolgica, mas sim de todas e representa um comportamento cultural e no apenas de uma matiz ideolgica.
O Leiagora conversou com Jlia para saber um pouco sobre o artigo apresentado em Lyon e o que a pesquisa dela mostra sobre Mato Grosso.
Confira abaixo a entrevista completa:
Leiagora - Jlia, voc acabou de voltar da Frana agora, teve oportunidade de participar do Congresso da Associao Internacional para Pesquisa em Mdia e Comunicao, e eu gostaria que voc compartilhasse um pouquinho dessa experincia que foi levar a sua pesquisa de doutorando daqui de Mato Grosso para o exterior.
Jlia Munhoz - Estou iniciando meu doutorado no programa de Estudos de Cultura Contempornea da Universidade Federal de Mato Grosso e no final do ano ado eu submeti um recorte da minha pesquisa. Como est inicial ainda, em andamento, fiz um recorte do que eu t pesquisando, que como a cultura poltica eleitoral conforma a presena das mulheres em Mato Grosso.
Ento eu fiz uma anlise inicial, bem preliminar, e fiz a submisso para para esse evento que um Congresso Internacional da IAMCR que Associao Internacional para Pesquisa em Mdia e Comunicao, que a organizao profissional mundial mais atuante na nossa rea de mdia de comunicao.
Essa anlise foi aprovada e a junto com pesquisadores do mundo todo, inclusive de Mato Grosso e do Brasil, tem vrios pesquisadores no Brasil que participam tambm, eu estive na cidade de Lyon, na Frana, agora no ms de julho, apresentando essa anlise Inicial.
Nesse primeiro recorte, eu trago um contexto do que Mato Grosso, esse estado rico na produo do agronegcio do milho, do algodo, mas que em contrapartida um estado que escancara um ndice altssimo de feminicdios, de mulheres mortas pela condio de ser mulher. Ento trago essa contextualizao do estado e fao uma anlise inicial de trs momentos distintos em analogia na poltica mato-grossense, sobre uma presena de mulheres de partidos de diferentes matizes ideolgicas, seja de centro, esquerda, extrema esquerda e direita.
E em meio a essa anlise, isso uma coisa que eu j pude identificar que muito do que os partidos escrevem nos estatutos no se aplica na prtica, por exemplo.
Leiagora - Fica tudo no campo terico?
Jlia Munhoz - Sim. Hoje ns temos 31 partidos no Brasil e essa miscelnea partidria abre esse vcuo, deixa esse vcuo que existe entre o que t escrito nos estatutos para a prtica. Alguns estatutos fazem at referncia presena das mulheres, alguns estatutos estabelecem punies para membros [que pratiquem violncia contra mulheres], mas isso no se aplica.
Outro fator que eu j identifiquei inicialmente que, considerando os estatutos dos partidos, desses 31, ns no temos hoje no Brasil um partido de matiz ideolgico de extrema direita como se imagina. Hoje, ns temos membros de um movimento e a eu dominei isso nessa anlise inicial que um movimento bolsonarista de extrema direita, que so lderes polticos que so influenciados obviamente pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e que eles esto espalhados nessa miscelnea partidria de partidos que vo desde centro, ando pela centro-direita e direita.
Ento voc no tem hoje um partido de extrema direita. E a gente v isso na prtica, se a gente for contextualizar, o problema que o PL enfrenta internamente: um partido que hoje, no discurso o presidente Valdemar Costa Neto, fala que de extrema direita, mas um partido que historicamente atuou como centro e internamente a gente j v os membros enfrentando esse embate entre votar a favor ou contra [projetos do interesse da gesto do presidente Lula]. Enfim, ento essa a anlise inicial, mas voltada, lgico, para o contexto da conduo das mulheres.
Leiagora - Ento no tem um partido de extrema-direita, mas existe um movimento?
Jlia Munhoz - Ento, um movimento que na minha anlise o que eu nomeei. Tenho filsofos pragmatista que utilizo nas minhas pesquisas e um deles, que atravessa essa ideia da essncia e da existncia, que o John Dewey, ele fala que por nomes e tambm por valores.
Ento como eu fao essa anlise de entender quais valores so acionados, quais valores so defendidos, eu fiz essa nominao, porque esses homens que transitam em todos esses partidos de hoje, seja Mato Grosso ou no Brasil, eles seguem os valores defendidos pelo lder que o ex-presidente Jair Bolsonaro.
S que essa questo do machismo tambm preciso que fique claro, que ela no restrita s a partidos de centro, centro-direita, no. Tem partidos de centro e centro-esquerda tambm em que os homens evidenciam esse preconceito e esse machismo em relao presena das mulheres.
Leiagora - Pode dar um exemplo?
Jlia Munhoz - O prprio MDB. Ns tivemos um caso, e a quando eu fao a anlise do recorte dos trs momentos, eu peguei trs momentos dentro da histria de Mato Grosso. Um primeiro momento que muito emblemtico e at hoje conhecido "voc uma excelente candidata, apesar de ser mulher", que foi no embate na TV Vila Real, entre a Gisela Simona e o Ablio Brunini.
Ela, do Podemos na poca, ele eu no recordo agora qual partido dele porque ele j mudou de partido, mas ele um dos lderes desse movimento bolsonarista de extrema direita. Isso evidente. Ele no segue o partido, ele segue o movimento e os valores da ideologia dele.
Alm desse recorte, eu trago um outro recorte que da tem um poltico do MDB que um poltico que transita mais para centro, centro-esquerda, que aquele episdio de "uma menina histrica", que foi aquele episdio entre presidente da Cmara de Cuiab, na poca o vereador Juca do Guaran, e a vereadora Michelly Alencar. Ela hoje do Unio Brasil, era Democratas, e ela tem uma postura que ela pessoalmente se diz defender valores da direita, mas ela t em partido, teoricamente, de centro e que tem lderes da extrema direita tambm, que o Unio Brasil. E o Juca do Guaran, depois se desculpou, mas a gente v os valores acionados quando voc faz essas aproximaes.
Leiagora - E uma coisa clssica, associar a mulher histeria, no ? Um clssico do machismo.
Jlia Munhoz - um clssico do machismo. No fazendo a defesa do movimento bolsonarista de extrema direita, mas eu no posso ignorar o fato de que isso no se restringe s esse perfil de lder poltico. E o terceiro momento o mais recente, que esse tambm foi encabeado por um lder tambm do movimento bolsonarista de extrema direita, que assim como o Ablio, ele tambm se identifica como o bolsonarista raiz, que o caso deputado estadual Gilberto Cattani, que comparou as mulheres grvidas s vacas.
E voc v assim a forma como os membros de integrantes de outras siglas partidrias, inclusive mulheres, no olham para esse contexto do matiz ideolgico do partido. Por exemplo, o PL no se manifestou. Quer dizer, contra o que t previsto no estatuto do partido, mas mesmo assim se calou. A gente diz popularmente, "ou pano", n?! Ento eu trago esses trs momentos em analogia e isso evidencia que nesse primeiro momento que esse movimento bolsonarista de extrema direita est espalhado em vrias siglas.
E tambm evidencia como emergem esses valores e como os partidos que so controlados majoritariamente por homens conformam a presena das mulheres. Como as mulheres so caladas no s ao longo da histria ada, mas na histria presente tambm.
Leiagora - Voc citou que somos um estado com alto ndice de feminicdio. Sei que ainda est em fase inicial de pesquisa, mas d para afirmar que Mato Grosso, assim como ele violento com as mulheres no dia a dia, ele violento com as mulheres no cenrio poltico tambm?
Jlia Munhoz - Sim. D, sim. Volto a dizer e afirmar que ainda muito inicial, a gente sabe que uma pesquisa de doutoramento leva quatro anos e muita coisa pode acontecer, inclusive nesse meio do caminho, eu vou pegar alguns processos eleitorais. Mas a gente pode dizer que no s Mato Grosso, o Brasil tem um contexto de violncia poltica assim em relao s mulheres, tanto que necessrio e foi necessrio se estabelecer normas, leis e regras para punir esse tipo de violncia. O grande problema no caso da violncia poltica, porque tem a violncia poltica eleitoral e tem a violncia poltica de gnero, que teve que se estabelecer uma lei para punir. Porque as pessoas no entendiam que aquilo era um crime, que aquilo era errado, que um discurso violento contra uma mulher reverbera e influencia outras pessoas.
Leiagora - Quando voc fala de uma lei especfica, fala de qual?
Jlia Munhoz - Isso foi uma anlise que eu fiz tambm de um recorte da minha pesquisa inicial, mas tambm para o meu artigo final da faculdade de Direito, como eu precisava fazer essa aproximao com a lei, a Lei da Violncia Poltica de Gnero, que ela teve que ser estabelecida no Brasil.
O grande problema que diferente de uma violncia fsica, a violncia poltica de gnero muitas vezes ela est no discurso e as pessoas culturalmente entendem como violncia, no sentido bem raso do contexto, como se fosse um tapa, um soco, e no entendem s vezes um discurso como violento. A gente tem um exemplo do Cattani, n? Que ele no s comparam mulheres com gestantes com vacas, como ele debochou disso por mais de uma vez. E esse tipo de discurso violento machista, ele influencia outras pessoas. Principalmente vendo de lideranas polticas.
Ento no s Mato Grosso. Acho que Mato Grosso a gente destaca por conta dos ndices de feminicdio, infelizmente, que so tristes e alarmantes. Mas uma cultura da poltica brasileira.
Leiagora - Voc v uma perspectiva de mudana?
Jlia Munhoz - Olha eu gosto de ser otimista, n? Acredito que mude, j mudou muito, j evoluiu muito, mas tem muita coisa para evoluir e mudar e eu acredito que possa vir a mudar sim, com as prximas geraes.
Mas um contexto que ele no a s. Essa semana eu fui questionada assim: "o que voc acha que deveria mudar? Voc acha que deveria se estabelecer mais leis ou no so necessariamente mais leis? Voc acha que tem que mudar a regra dos estatutos?". Eu penso assim, que talvez fazer valer o que tem de forma justa, n e mudar mais a cultura. Porque isso a muito pela nossa cultura. Ns amos por um processo de reconstruo cultural muito grande todos os dias. Eu venho de uma gerao que at outro dia certo comportamentos eraM considerados naturais e hoje so mais.
Ento, eu acredito, sim, que h uma perspectiva de mudana a partir do momento que as novas geraes venham j com esse contexto cultural mais alargado, de mais respeito, de mais participao, de mais igualdade.
difcil hoje voc falar em democracia quando 52% do eleitorado feminino no no significa ser 52% da representatividade, nas legislaturas, no Congresso, nas Assembleias, nas Cmaras. Ento como que voc fala em democracia se ela na prtica, l na ponta, no se aplica necessariamente. Ento muito complicado isso. Mas eu quero ser otimista. Eu quero acreditar que tem uma perspectiva de melhora. No sei se to breve, mas quem sabe. A gente tenta, n?