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Notcias / Entrevista da Semana 614x1d

12/03/2023 s 08:03 3n6o14

Juliana Segvia conta sobre as batalhas das cineastas mato-grossenses para ocupar espaos 3e61k

As lutas e batalhas enfrentadas pela mulher negra que quer ocupar espaos com arte e cultura 6x2p3h

Paulo Henrique Fanaia

Eram os anos 1990 e o vdeocassete estava no auge. Videolocadoras pipocavam em todos os cantos de Cuiab e um pai e uma filha sempre eram os primeiros a alugar filmes para curtir o fim de semana em famlia. Essa paixo por cinema cresceu no corao da pequena Juliana Segvia que, aps se formar em Rdio e TV na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e se tornar mestre em estudos de cultura contempornea, resolveu se tornar cineasta na cara e coragem.

Comeando a carreira em 2011, nada foi fcil para ela. No era comum ver uma mulher negra e jovem dirigindo, roteirizando e produzindo as prprias obras. Porm, com muita luta e garra Juliana se firmou no cenrio do audiovisual no s em Mato Grosso, mas do Brasil inteiro.

Hoje com 37 anos, Segvia j dirigiu e produziu diversos trabalhos que envolvem fico, documentrios e at mesmo videoclipes. As obras so premiadas e foram indicadas em diversos festivais Brasil afora. No currculo, Juliana leva na bagagem os filmes “Benedita”, “A Velhice Ilumina o Vento”, os videoclipes de Karola Nunes “Chorar” e “T Vendo Seu Moo?”.

Na Semana Internacional da Mulher, o Leiagora conversou com Juliana Segvia para conhecer um pouco mais da luta de fazer audiovisual em Mato Grosso e como ela v as mudanas que ocorreram desde 2011 at os dias de hoje. Segvia contou sobre o “Coletivo Quartiter”, algo to importante em sua carreira que ajudou a moldar sua viso de mundo e sociedade e ainda levou o cinema s camadas perifricas do estado que antes no tinham o stima arte.

Confira a entrevista na ntegra:

Leiagora - O que significa ser uma mulher negra e realizadora de audiovisual em Mato Grosso? Quais so os principais desafios?

Juliana Segvia - A princpio o que significa pra mim ser uma realizadora do audiovisual, eu fao questo de falar que eu sou uma mulher negra no audiovisual. Eu acredito que a gente pode construir, a partir do audiovisual, os nossos imaginrios pensando a o cinema ou at mesmo tudo que recurso miditico, o dispositivo miditico que constri ali os nveis de representao e de perspectiva da viso de pblico e espectadores sobre a sociedade. Hoje a gente v o cinema, as novelas, as histrias audiovisuais cinematogrficas abarcando novas narrativas e narrativas essas que envolvem a populao brasileira. Ento, a gente est num Brasil de maioria negra, a gente tem a o dado de 54% de pessoas que se autodeclaram negras no Brasil. S que a gente no via isso representado nem na tela da TV, nem na tela do cinema e nem na tela das redes sociais, nas profisses que vo pro YouTube por exemplo. Ento eu vejo o audiovisual como instrumento, como um tipo de arma de guerra, a minha arma, a cmera minha arma de poder a reconstruir esse imaginrio que envolve, porque a gente sabe da potncia do cinema, a gente sabe da potncia do audiovisual pra trazer debate. Seja um debate no meio familiar, seja uma conversa no botequim quando as pessoas se socializam. Ento quando eu empreendo como como uma mulher negra a fazer narrativas, escrever roteiro, ser diretora, eu deposito a nessas construes o interesse de atingir pessoas como eu, pessoas que entendem o universo da questo racial, entendem o universo da questo de ser mulher e se identifiquem nessas obras. Sempre que eu vou escrever um roteiro, sempre que eu penso em empreender uma direo, seja numa direo que o roteiro no seja meu, eu sempre penso que, enquanto espectadora, eu gostaria de assistir, porque antes eu no via na televiso, no cinema e agora tenho visto mais obras que conseguem dialogar com o meu universo e conseguem fazer com que eu me sinta representada, ou que falem de maneira sensvel sobre o universo do qual eu tenho vivncia. Inclusive numa das obras que eu trabalho, o argumento que eu usava era esse, porque a personagem desse filme que eu vou dirigir ela vai empreender uma vingana sobre uma pessoa que mandou matar a me dela e a, quando eu tive que defender esse projeto pra Amazon pra conseguir um financiamento, eu usei esse argumento. Eu falei: “eu gostaria de ser essa mulher com esse faco na mo”, porque no final ela tem um faco na mo que ela vai, simbolicamente, matar esse personagem. Porque eu vejo esse faco, na verdade, como esse poder, como o audiovisual, como essa arma. E de poder como outros meios de reparao como a cota racial histrica. Eu vejo que o cinema e o audiovisual tem esse poder de reparao numa sociedade, em um Brasil que tem 500 anos de histria e 350 anos a de uma relao no qual foi implementado uma lgica de escravizar pessoas e isso a gente v na nossa sociedade se repercutir de inmeras maneiras.

Sobre os desafios, os desafios so os os pra alcanar todos esses mecanismos, por exemplo, concorrer a um edital, ter um currculo pra concorrer a um edital, que seja um edital pblico ou entender uma estrutura de desenvolvimento de projetos pra apresentar pra uma empresa privada, uma empresa pra voc ter financiamento, pra alcanar todo esse mecanismo pra gente conseguir ter viabilidade financeira, porque o cinema ele custa, o valor de se executar uma obra muito alto, envolve trabalhadores, e a gente quer remunerar bem esses trabalhadores. Eu enquanto mulher negra nesse universo, a dificuldade eu costumo falar que so trs vezes maiores pra alcanar. A gente sempre tem que pensar em fazer com excelncia, porque seno a gente sempre visto de uma maneira abaixo, subestimada. Enfim, comea pelo ser mulher, pelo ser negra. Esses desafios so diferentes para todos os recortes de minorias.

Leiagora - Voc formada em radialismo. De onde vem a paixo pelo audiovisual? Como comunicar e fazer arte por meio de imagens?

Juliana Segvia - Ento comea por ter um pai que assistia muitos filmes. Eu acompanhava o meu pai nesse assistir aos filmes, ele comprava muitos desenhos animados, muita coisa pra mim e meus irmos em fita cassete ainda, a nessa conexo eu comecei a alugar DVD pra assistir filme sozinha. Eu tenho uma mente que eu acho que muito inventiva. Eu fico criando histrias na minha cabea. Se eu saio na rua eu observo uma pessoa e j crio toda uma narrativa pra essa pessoa, uma leitura corporal por exemplo. Ento eu gostaria de saber a histria dessa pessoa. Eu gostaria de ver a vida dessa pessoa. Eu acredito que o cinema, que o audiovisual tem esse poder de fazer a gente ar universos dos quais nunca teramos o e, s vezes, ar esses universos so maneiras de evolucionar o nosso olhar pra sociedade. Tem documentrios que mudaram a minha vida que eu assisti e a partir daquele momento meu raciocnio para muitas coisas se alertaram. So micro revolues e uma revoluo profunda do pensamento e do olhar. A arte ela tem esse poder. Tanto que quando temos um governo que sabe que esses mecanismos de educao e arte so emancipadores, as primeiras coisas atacadas so elas. A arte tem esse poder de fazer que com a gente veja o lugar que a gente est e dizer que precisamos sair dessas amarras e pensar novas formas de trazer e alcanar novas formas de liberdade, uma emancipao de uma vida que terrvel e que a gente nem v que terrvel.

Leiagora - Quais os filmes mudaram sua vida?

Juliana Segvia – Nossa, teria que pensar muitos, mas vou elencar os mais recentes. O “13 Emenda” da Ava DuVerney um filme muito bom que explica a lgica prisional nos Estados Unidos que nasceu h 200 anos pelo menos. “Ensaio Sobre a Cegueira” dirigido pelo Fernando Meireles que uma obra do Saramago, um impacto muito profundo, uma avaliao social. O prprio “Bacurau” e “O Som ao Redor” do Kleber Mendona Filho so filmes que me encantaram de uma forma profunda. Uma gama de filmes. Tem documentrios que fizeram me olhar para a vivncia das mulheres trans e travestis, que so capazes de fazer com que voc queira aprofundar a discusso.

LeiagoraDesde que voc comeou desde que voc comeou a carreira, isso em 2011 at hoje, o que j evoluiu no cenrio audiovisual em Mato Grosso?

Juliana Segvia - Eu acredito que o que mudou foi essa construo desses novos cinemas porque tudo isso que falei do ar, at um dado momento, estava nas mos de pessoas que conseguiam ar e eu entendo nossa lgica social e eles estavam nas mos de homens brancos. Quando entra essa dinmica dos debates raciais e de gneros que vinham pulsantes desde a dcada de 70, a vieram com mais forca a partir da implementao da cota racial, eu vejo que esse movimento das pessoas que querem ar, que vem de outros universos perifricos, sejam do gnero ou da raa, chegam para reivindicar o espao, a partir desse momento que comeam a voltar os editais em Mato Grosso e Cuiab, ns enquanto coletividade comeamos a reivindicar a insero de polticas afirmativas, seja no mbito do municpio, seja no estado, pra gente no s, enquanto pessoas, mas para que outras pessoas possam ar. Hoje eu vejo pessoas novas, caras, cores e gneros novos, porque ns temos mulheres travestis em editais, temos mulheres brancas, negras, empreendedoras nos editais conseguindo ar e realizar suas obras. Homens negros comeam a diversificar. bvio que no estamos no momento que gostaramos de estar. No queremos tirar o espao de ningum, mas ocupar o espao com nosso direito de ocupar e de maneira igual. Eu vejo que hoje a gente tem muito o que empreender de luta reivindicar esse direito a cota tem um papel importante nesse cenrio da concorrncia, querendo ou no, a cota ela se exprime na pontuao, nesse ltimo edital teve pontuao pra gnero, para raa e ai a mudana essa conseguimos um cenrio mais diversificado, mas temos muito o que avanar.

Leiagora - O que mais pode ser feito para projetar o cinema em Mato Grosso, do ponto de vista de polticas pblicas?

Juliana Segvia - Eu acredito que o que pode ser feito so as crenas veementes que fora da coletividade no tem como isso se alterar. Quanto mais coletividades, mais grupos que empreendem reunies de pessoas com debates crticos e polticos. A formao um aspecto fundamental no s a tcnica do conhecimento da rea, mas uma formao poltica da viso do entendimento de porque precisamos reivindicar isso enquanto coletividade. Eu falo isso pela experincia do “Quariter” que foi outro momento em minha vida, o momento que eu comeo a conviver com pessoas e debater as questes raciais, mas no s debater, trazer leituras, juntos formamos grupos de estudos, isso vira um outro momento da minha criao de conscincia da sociedade. O que eu vejo para avanar o desenvolvimento de novas coletividades, desenvolvimento de informaes tanto crticas quanto polticas e que envolvam todos, no s pessoas negras, mas pessoas brancas, mulheres que consigam desenvolver um entendimento racial de si mesmas. Entendam porque a necessidade dessa luta se as pessoas negras no conseguem, porque lutamos por polticas afirmativas, para ter o espao. As pessoas sempre vo ser contra a agente, ser contra esse debate, mas porque no tem essa viso poltica critica, porque se aprofundssemos no estudo entenderamos porque estamos fazendo isso.

Leiagora - Atualmente, voc uma cineasta reconhecida e premiada na cena aqui do estado. Como o nosso audiovisual visto fora daqui?

Juliana Segvia - Recentemente eu fui em um festival chamado “Mostra de Cinema de Tiradentes”, que uma mostra que rene cinema do Brasil inteiro h 26 anos. Eu vejo que as pessoas do eixo, o mainstream, muitos que detm esse conhecimento de mercado esto interessados nessas narrativas que falem desse Brasil que abarca Centro-Oeste, Norte, esto interessados nessas outras tonalidades de peles, formataes de corpos, esto interessados nos sotaques que nos constituem. Eu vejo que ns aqui em Mato Grosso nos falta, de uma maneira geral, olhar para nossa sociedade e tirar dali o que a gente tem de riqueza, e no estou falando dos smbolos que j conhecemos, do Siriri, do Cururu, do caju, da viola de coxo, isso importante, mas da complexidade e riqueza que envolve a nossa populao de maneira geral, seja na periferia, nas nossas vivncias sociais, o lambado, pois temos uma maneira nica de viver culturalmente. Vejo que essas pessoas de fora s vezes olham com mais brilho no olho para essa construo social do que ns mesmos. Acho que isso pode ser representado na nossa arte

Leiagora - A Juliana Segvia tem um recado para dar a todas as mulheres que querem seguir no audiovisual?

Juliana Segvia - O recado que eu deixo para as mulheres que acreditem mais em si, dem menos valor as crticas, porque sempre vamos ser subestimadas. Que acreditem em outras mulheres porque ns somos construdas tambm pelo machismo. Se a gente no observar isso, ns tambm descredibilizamos nossas companheiras. Que a gente tenha uma f religiosa naquilo que realizamos e que aceitemos nossas fraquezas, mas que observemos aquilo que a gente trata a partir das nossas conquistas. Que a gente conhea nossa fora e, se possvel, no desista nunca e que acreditemos na coletividade.
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