O Dia Internacional do Migrante celebrado neste domingo (18). A data tem o objetivo de reconhecer a contribuio de tantos migrantes em diversos pases do mundo, mas tambm evidencia uma realidade sofrida. Em Cuiab, por exemplo, h apenas um lugar que acolhe essas pessoas: o Centro de Pastoral Para Migrante, que fica localizado na Av. Gonalo Antunes de Barros, bairro Carumb.
O lugar muitas vezes a nica esperana para muitas famlias, no entanto, a por dificuldades e corre o risco de no ter o mesmo atendimento no ano que vem por falta de recursos. A esperana de quem trabalha l que seja firmado um convnio com a Prefeitura da Capital, para que o municpio auxilie no custeio mensal da Casa.
Quem falou sobre o assunto durante a entrevista da semana do Leiagora foi o padre Valdecir Mayer, diretor do Centro.
Confira a entrevista na ntegra:
Leiagora - Como funciona o Centro de Pastoral Para Migrantes? Quantas familas vocs atendem?
Padre Valdecir Mayer - A Casa ela hoje acolhe a maior parte de famlias, tendo em vista tambm que no temos no municpio uma casa que acolha essas pessoas. Ento hoje ns estamos com um atendimento praticamente mais focado nessa ateno famlia. Essa a primeira questo, outra que estamos com uma Casa praticamente cheia o tempo todo, que varia de 70 a 75 pessoas diariamente.
A Casa trabalha em cima de quatro eixos, que so um pouco dos quatro verbos do Papa Francisco. Que so: acolher, proteger, promover e integrar. Dentro do acolhimento entra toda questo que a Casa oferece alimentao, o local para descansar e dormir e, tem essa preocupao destas duas garantias. Depois temos toda uma preocupao com a questo da documentao, que aquilo que fundamental para que o migrante possa se inserir na sociedade e no mercado de trabalho.
Aqui a gente faz toda a documentao, at mesmo digitalizando toda ela e encaminhando para a Polcia Federal. At mesmo para facilitar tanto o atendimento da polcia, como tambm facilitar essa ida e vinda dos migrantes que muitas vezes acontecia. Vai na polcia, falta isso e falta aquilo. Ento hoje a gente possibilita atravs do servio que a Pastoral oferece, a gente digitaliza toda essa documentao e o migrante s vai na Polcia Federal para poder estar assinando e pegar a documentao dele. Depois temos todo um outro olhar dentro do aspecto da proteo que preparar os migrantes para o mundo do trabalho, tanto atravs dos cursos profissionalizantes que ns buscamos realizar ao longo do ano aqui na Casa, e principalmente oferecendo o aprendizado de uma lngua, no caso a portuguesa. Para que eles possam estar mais preparados para a insero tanto no mercado de trabalho quanto na prpria sociedade.
Outro aspecto daquilo que ns realizamos foi a ateno a essa situao de famlia que tem muitas crianas e com isso a gente acabou criando uma extenso, abrindo duas salas como se fosse uma pequena creche para que as mes tenham como deixar os filhos aos cuidados de uma equipe que fica responsvel por isso. Para que elas possam estar indo atrs de trabalho ou de atividades que realizam durante o dia. Ento so vrias aes que a gente tem nesse sentido de que a pessoa que chega aqui na Casa ela tem um tempo para poder descansar, se preparar atravs dos cursos e do aprendizado da lngua, como tambm uma equipe que ajuda encontrar trabalho. Alm desses servios, temos toda uma questo que vem aps essa insero no mundo trabalho que a sada da Casa, e essa sada que o grande desafio que a gente encontra. Porque os migrantes quando chegam vem praticamente com uma mala, quando eles encontram um lugar para poder estar morando, alm da precariedade dos locais de moradia, dos aluguis que esto bastante caros, ainda tem toda a dificuldade de estar equipando a casa. Ento a gente tem algumas parcerias, inclusive com as comunidades na qual a gente atua na Parquia do Divino Esprito Santo e tambm de outras pessoas amigas, que s vezes colaboram com doaes de um fogo, geladeira e de botijo de gs.
Leiagora - Vocs tem uma parceria com a comunidade e tambm sobrevivem de doaes?
Padre Valdecir Mayer -Isso, a gente vive bastante das doaes que so direcionadas mais para os migrantes e tambm temos aqueles que colaboram ajudando com a Casa. Mas claro que o nosso sustento maior fruto de uma congregao religiosa na qual a gente pertence que os padres descalavrenianos que mantm essa obra aqui. Temos tambm algumas parcerias, que temos com a OIT, que a Organizao Internacional do Trabalho que possibilita a gente dar uma qualidade melhor nesse atendimento. Nessas ajudas, seja atravs da congregao, da OIT, da comunidade, de projetos que conseguimos com o Ministrio Pblico, por exemplo, este ano conseguimos dar 150 cestas bsicas para as famlias que j saram da Casa, mas que ainda vivem a dificuldade de ter e sobrar recursos para a comida. Porque o salrio baixo, o aluguel caro, o custo de vida ficou bastante difcil e com isso muitas famlias am hoje necessidade. Ento a gente tem graas a este projeto que conseguimos com o Ministrio Pblico possibilitar essas 150 cestas bsicas que distribumos todos os meses.
Leiagora - O senhor acredita que o poder pblico poderia ajudar a melhorar a situao de vocs?
Padre Valdecir Mayer -Sem dvida, inclusive ns estamos lutando pra um convnio com a Prefeitura de Cuiab, j foi prometido pelo prprio prefeito Emanuel Pinheiro (MDB), em uma visita que fez na Casa. Est tramitando h mais de quatro meses, essa nossa busca por esse convnio que tivemos todos os acenos possveis. Na poca tivemos muita ajuda tanto da deputada federal Rosa Neide (PT), como do deputado estadual Valdir Brranco (PT), que ajudou nessa articulao com a prefeitura. O nosso principal problema dar continuidade com o trabalho, porque ns temos uma equipe e que vivemos muitas vezes de projetos. E a cada ano ficamos na eminncia se vamos conseguir renovar ou no. Se vamos conseguir continuar dando o mesmo atendimento ou se no vamos conseguir. Porque no tem como a gente arcar com toda essa despesa pelo volume de trabalho que ns temos aqui hoje. Ento claro, se a gente conseguisse ter esse convnio com a prefeitura, isso daria tranquilidade tanto pra gente pode trabalhar e tambm buscar outras parcerias mais pontual para ajudar os migrantes. O que a gente sente que no fcil pra quem chega s com uma mala, de repente comear uma vida sem ter o mnimo de apoio. Ento a gente hoje tem que ter duas preocupaes, uma manter a Casa, alimentao e a estrutura de servio que a gente oferece. E outra como a gente garantir a continuidade dos trabalhos que a gente realiza.
Leiagora - Vocs atendem imigrantes de todas as regies? No tem uma restrio?
Padre Valdecir Mayer -Ns atendemos os imigrantes, ento a Casa focada na migrao estrangeira. Tendo em vista que tambm temos uma migrao interna que a prefeitura tem alguns abrigos que atendem moradores de rua e acaba atendendo alguns migrante que esto sozinhos. Mas a grande preocupao que ns temos justamente conseguir dar um bom atendimento.
Leiagora - Como vocs lidam com essas famlias que infelizmente pedem dinheiro no trnsito de Cuiab? Como funciona essa parte com vocs?
Padre Valdecir Mayer -Claro que a migrao muito maior do aquilo que a gente abrange n e no conseguimos abranger todas as pessoas. A grande discusso que sempre eu vi, que como a gente vai abordar uma famlia que est na rua com criana, se ns no temos nenhuma proposta de uma oferta de oportunidade que ela encontra na rua. o que eu falo, se a pessoa encontra uma oportunidade na rua e v que isso melhor, porque no estamos conseguindo oferecer algo que seja mais atrativo. Acho que revela uma sociedade que est em decadncia. Se a rua a a ser uma opo melhor para uma famlia com criana, isso deve questionar profundamente esse modelo de sociedade que ns temos. Nesse sentido, a gente pensou nessa Casa de Apoio s mes. Porque a maioria das mes que chegam com crianas no encontram creche. No encontram a oportunidade de colocar os filhos na creche porque o migrante no tem hora pra chegar. Todo o dia vai chegando gente, e eu no consigo colocar todo o dia as mes que querem buscar emprego e colocar na creche. Ento por isso que a gente se obrigou a seguir esses os do Centro Pastoral que no um servio que a gente executava e no era uma misso nossa, mas que a gente viu como necessidade para que essas mes no tenham que ir pra rua levando os filhos. Nesse sentido a gente vem fazendo a nossa parte, para que essas mes que aqui chegam no tenham que buscar a rua. Eu escutava muitas vezes as mes que estavam aqui dizendo “olha, no tem como eu fazer uma diria porque no tenho com quem deixar a criana, no tenho como comear um trabalho porque no tenho como deixar o meu filho”. Ento claro que a rua ava a ser uma opo para que a pessoa pudesse pelo menos tirar algum recurso pra ela poder ter algum ganho. A gente j teve esse olhar, tendo em vista esse momento que vive essas famlias que vem chegando cada vez mais numerosas, com duas ou trs crianas e que temos que dar uma resposta rpida para elas. No adianta falar que vai garantir vaga para o ano que vem, mas o problema dela o amanh. Ento essas situaes que so muito urgentes deveriam ter respostas mais rpidas. O poder pblico deveria ter essa preocupao. At mesmo estamos realizando um seminrio, que vou trazer essa realidade dentro daquilo que so as garantias dos direitos humanos, para pessoa ser acolhida dentro da sua realidade, em um momento delicado.
Leiagora - Por parte do poder pblico, voc acredita que h dificuldade no Estado de conseguir inserir essas pessoas na sociedade e no mercado de trabalho?
Padre Valdecir Mayer -Eu acho que o poder pblico tenta dar algumas ajudas, mas eu vejo que por termos um estado considerado rico, onde tem um PIB bastante grande, claro que poderia ter uma ateno maior. Ns no nos omitimos de realizar um trabalho at maior e melhor aqui, mas ns precisamos contar com esse apoio. Se ns pudssemos contar com mais apoio a nvel mesmo do Governo Estadual, que praticamente ns no temos nenhum. Ns temos algum apoio da prefeitura, que pelo menos nos ajuda pagando a luz e ajuda semanal com uma pequena ajuda com frutas e verduras n, que no atende a necessidade, mas ajuda. Mas o pouco que s vezes o poder pblico acaba no fazendo. Mas eu vejo que o Estado tem como pensar no s nessa questo do migrante, mas em todas as demais necessidades que vive muitos dos nossos irmos e irms que tambm moram aqui no pas. Ento os migrantes hoje encontram muita dificuldade, mas fruto tambm da realidade com que muitos esto ando hoje aqui. Ento acho que o que a gente vem discutindo que possvel ter polticas pblicas que atendam de uma maneira mais satisfatria a migrao. O Brasil tem um olhar de um pas acolhedor, de um pas que abriu as portas para acolher a migrao, s que s vezes a compreenso que acolher o migrante s deixar entrar no pas e dar um visto de permanncia. Ento no s isso, precisamos inserir eles em outras polticas pblicas que no so s essas emergenciais. Quando se fala que o imigrante est sendo assistido porque tem direito a sade e a educao que so as necessidades bsicas e at primitivas. Que comer, ter direito sade limitada n. Porque muito limitado esse atendimento sade, falta remdio e a gente convive com essa realidade que as pessoas vo e so atendidas nos postos de sade e vem com a receita aqui pedindo que a gente compre os medicamentos porque no encontram na farmcia pblica. Ento, so essas situaes que a gente precisa realmente estar debatendo, estar refletindo porque temos condies. Como sociedade, como poder pblico, e facilitar e diminuir a dor e o sofrimento de tantas pessoas.
Leiagora - H alguma meta ou projeto que a Pastoral est planejando para 2023?
Padre Valdecir Mayer -Essa a grande dificuldade nossa. Para o ano que vem temos esperana que esse convnio com a prefeitura saia. Pelas mensagens que eu troco sempre est dizendo que est tramitando, ento no sei quanto tempo vai continuar assim. Mas tenho esperana, porque no tenho em vista que mesmo o projeto que temos com a OIT que nos possibilita essa ateno mais especfica ao migrante um projeto que termina em junho e que no tenho perspectiva de renovar. J o terceiro ano e eles no queriam renovar este ano, mas mediante a necessidade eles atenderam a nossa solicitao. Mas j no tenho mais a garantia para o ano que vem. Ns fizemos um outro projeto com o Ministrio Pblico do Trabalho para continuar com as cestas bsicas e estamos aguardando. Mas a gente v a necessidade de continuar dando esse apoio. Enquanto ainda no tiver uma concretizao dessa ajuda governamental que a gente acredita que isso vai estar melhorando, mas enquanto no tiver isso temos que pensar na forma que vamos auxiliar essas famlias. Claro que temos uma boa vontade e temos uma limitao de poder no ter clareza naquilo que ns no temos de perspectiva para o ano que vem. Como congregao, no vamos deixar que a Casa feche, pelo menos mantendo aquilo que o bsico do acolhimento e da comida, mas no s isso. At mesmo nas prprias palavras do Papa Francisco. Como so uma coligao religiosa que trabalha com o migrante desde a sua fundao que nasceu com essa finalidade, mas a gente tinha as Casas de migrantes mais com a viso de acolher e dar comida. Mas hoje a gente v que no mais o suficiente. Porque o mundo tambm tem desafios maiores e os migrantes tm que estar mais preparado para essa realidade. Antigamente a gente falava que precisvamos no dar o peixe, mas ensinar a pescar. Hoje no basta mais ensinar a pescar, tem que ajudar a saber onde tem peixe. Ento a mesma situao da realidade, hoje se o migrante no estiver preparado para enfrentar os desafios do tempo presente, complicado. Se ele no souber a lngua portuguesa ele vai ter muita dificuldade de conseguir tanto trabalho como insero no mundo do trabalho.