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17/04/2022 s 10:00 37s4p

Filhos esquecidos: quem so as crianas vtimas de abandono acolhidas em lar em Cuiab 465w66

O Leiagora visitou o lugar e conheceu histrias como do menino que era criado como cachorro e a Cinderela cuiabana 4y5t15

Denise Soares

Filhos esquecidos: quem s

Filhos esquecidos: quem so as crianas vtimas de abandono acolhidas em lar em Cuiab

Foto: Denise Soares/Leiagora

Abandono, maus-tratos, abuso e rejeio. Foram deixados para trs, simplesmente esquecidos pelos prprios pais e pela sociedade. Essas so as memrias em comum dos 17 moradores do Lar Doce Lar, localizado em Cuiab.

A instituio cuida de pessoas em regime de abandono e que possuem algum tipo de deficincia fsica ou mental.

O Leiagora visitou o lugar e conversou com a coordenao e funcionrios, figuras mais prximas de uma famlia que essas pessoas conheceram um dia na vida.

Eram crianas quando foram abandonadas s por serem quem so ou tiveram que ser resgatadas por sofrerem negligncia na prpria casa onde nasceram. Os moradores, atualmente com idades entre 30 a 40 anos, tm a mentalidade de adolescentes.

As histrias de vida de alguns deles foram contadas pela coordenadora Sarah Arnoldi, pelo diretor-geral do Ciaps Adauto Botelho, Paulo Henrique Almeida, e pela enfermeira Snia Duarte, que atua h 28 anos na profisso, considerada a ‘tia’ dos moradores.

Antes de serem acolhidos no Lar Doce Lar, isso nos anos 2000, ‘os filhos esquecidos’ aram por antigos orfanatos na capital e at a extinta Fazendinha, o que atualmente seria um centro de deteno para menores infratores.

“A patrulha [policial] ava nas ruas e saa recolhendo, fazendo um ‘limpa’ na cidade, mesmo no sendo infratores, alguns ficaram no antigo Pomeri. At que o Adauto acolheu essa unidade, mas precisavam de um lar, pois no eram pacientes e nem precisavam ficar internados”, disse Sarah.

O Lar comeou a ser equipado entre os anos 2005 e 2006. Eram 26 moradores que aram a ter atendimento mdico especializado e com amparo jurdico na peculiaridade de cada caso. Dos moradores iniciais, a direo conseguiu reintegrar cerca de oito que voltaram para as respectivas famlias.

“Todos os moradores que esto aqui so aqueles que no identificamos familiares ou que no tm condies de serem devolvidos. melhor estarem aqui do que sofrerem abuso, violncia e maus-tratos”, afirmou a coordenadora.

Mesmo sendo de portas fechadas (no recebem mais moradores de fora nessas circunstncias), o Lar Doce Lar ouve histrias parecidas de famlias que abandonam pessoas com deficincia na capital.

Os familiares argumentam que no conseguem mais cuidar dos entes e pedem ajuda.

“ muito difcil a vida do cuidador. Mas o abandono muito mais. O estar abandonado e ser abandonado, muito mais sofrido”, acrescentou Sarah.



Quem so as ‘crianas’


Todas as 17 pessoas acolhidas no lar tm histrias de abandono muito parecidas. Em todos os casos, carecem de documentos pessoais fidedignos, j que foram deixados pelas famlias sem qualquer tipo de informao bsica como nome e idade corretos.

So nove mulheres e oito homens que convivem como uma famlia de irmos. Eles possuem rotina, alimentao balanceada, vo para escolas especiais, como a Apae-MT, e alguns trabalham. Somente os que precisam de cuidados intensivos e integrais ficam na casa.

Os moradores ouvem msica, assistem televiso e filmes, fazem atividades, piqueniques e eios. A estrutura fsica, que pertence ao governo estadual, foi reformada e entregue recentemente.

Vivendo como cachorro

Uma das histrias mais chocantes e complexas de Eric*, hoje com 31 anos. Ele vivia em um canil na casa da famlia, em Cuiab. O garoto fazia as necessidades no canil, comia lavagem em um pote de margarina e, s vezes, as prprias fezes. Sem conseguir falar, era difcil enxerg-lo como um ser-humano.

Diferentemente das famlias ‘perfeitas’ retratadas nas propagandas do pote de margarina, a me de Eric* no cuidava mais do filho e o deixava no quintal, como um cachorro. Ele tem deficincia intelectual e sinais de autismo.

Um vizinho descobriu o que acontecia na casa da famlia e denunciou s autoridades.

“Hoje ele se senta mesa e come com colher. Ele tem movimentos estereotipados, agressivos, que o que ele recebeu a vida toda, mas isso j melhorou bastante”, avalia a coordenadora.


As cicatrizes de Fabiano

Fabiano*, de 30 anos, nasceu saudvel. A me era prostituta e o pai, usurio de droga. Ele tinha seis meses de vida quando foi arremessado pelo pai contra a parede de casa, na cidade de Novo So Joaquim, interior mato-grossense. O pai teve um rompante de raiva durante uma briga com a mulher e machucou gravemente o menino.

Fabiano ficou seis meses internado, em coma, em Cuiab. A agresso do pai resultou em sequelas e o menino perdeu massa enceflica.

Fabiano cresceu no interior, o pai morreu e a me deixou o prostbulo, se tornando diarista. A vida do garoto continuou gerando cicatrizes: como ficava sozinho, ele entrava nas casas de moradores para pedir comida ou apenas procura de companhia.

Ele era recebido com agresses e at gua quente para espant-lo.

“Se voc quer ver o quanto uma pessoa j sofreu na vida, s raspar a cabea dela. Tem um monte de cicatriz. Quanto maior o nmero de cicatriz na cabea, maior o sofrimento. As pessoas batem na cabea para no deixar marcas. O Fabiano uma dessas pessoas que sofreu”, lamentou Sarah.

Fabiano recebeu a visita da me uma ou duas vezes, mas no tem vnculo afetivo com ela. Recentemente os funcionrios souberam pela televiso que a irm dele, tambm prostituta, foi morta a facadas dentro de um prostbulo na cidade da famlia.

‘Cinderela cuiabana’

Joana*, tem 42 anos. Quando criana, estava em um nibus, acompanhada da me, quando sofreram um acidente. A me morreu e Joana teve traumas e sequelas. O pai entrou com processo e ou a receber indenizao pela morte da mulher. Com o ar dos anos, ele conheceu outra moa, se casou e teve duas filhas.

A vida foi seguindo na nova famlia, at que o pai de Joana morreu. A histria da ‘Cinderela cuiabana’ comeou a: assim como no conto de fadas, a menina rf ficou sob a guarda da madrasta.



A mulher cruel e as irms obrigavam Joana a fazer todo o trabalho domstico. Ela era excluda enquanto as irms tinham de tudo e ganhavam tudo que queriam. Alm disso, se beneficiavam das condies financeiras herdadas pela jovem.

O caso da Gata Borralheira de Cuiab foi parar no Ministrio Pblico, que interferiu na situao e conseguiu respaldo judicial para retirar a menina da madrasta e das irms.

Atualmente Joana tem independncia financeira e consegue investir na prpria sade e vida, sem interferncia da famlia.

Sem pais, sem carteira!

Mrcia da Silva*, de 43 anos. uma das moradoras mais antigas, veio da Fazendinha. Deficiente, ela foi resgatada, mas ningum sabia o nome dos pais dela. Com o ar dos anos, a coordenao comeou o processo de inserir a moradora no mercado de trabalho.

Os funcionrios a acompanharam at uma central de emisso de carteira de trabalho. Para a surpresa de todos, o Ministrio do Trabalho se recusou a emitir a carteira por causa da ausncia do nome dos pais dela no documento de identidade.

“Fomos parar na delegacia. Eu falei para o delegado: ‘o senhor vai repetir com ela o que a vida fez? No vai deixar ela trabalhar porque no tem o nome da me e do pai e a culpa dela?’ Conseguimos a carteira”, riu Sarah.

A carteira veio h dois anos. Mrcia ainda no conseguiu trabalho, mas est feliz por ter o documento.



Abandonou uma criana e enterrou um homem


Gustavo*, de 26 anos, estava dormindo quando morreu em um dos quartos do Lar, h seis anos. Os funcionrios se organizaram para reunir a papelada e providenciar o enterro. Deficiente intelectual, ele foi abandonado pelo pai em uma creche, em Cuiab, quando tinha apenas 4 anos. A famlia nunca voltou para busc-lo e jamais o procurou.

Enquanto corriam atrs da burocracia do enterro, os funcionrios foram surpreendidos por um idoso que se apresentou como av de Gustavo. At aquele momento a existncia do av e de qualquer familiar era zero.

“O av disse que queria enterrar o neto, como ltima ao. Resistimos, afinal, ele nunca havia recebido uma visita durante todos esses anos. Concordamos e deixamos que o av enterrasse o neto, sem velrio”, lembrou a coordenadora.

Os ‘irmos’ de Gustavo, os funcionrios e Sarah foram at o cemitrio para acompanhar o enterro. O local estava lotado. Outra surpresa: todas as pessoas que se aglomeravam no cemitrio eram da famlia de Gustavo.

A me do rapaz estava inconsolvel. Acompanhada de duas filhas pequenas, ela chorava, gritava aos prantos e implorava para abrir o caixo do filho que havia abandonado.

“Sabe cena de filme? Estvamos vendo. Quando abriu o caixo, essa mulher entrou em desespero: ela havia abandonado um guri de quatro anos e enterrou um homem. Gustavo era lindo, alto. Saudvel. Era perfeito”, disse a coordenadora.

Sarah e os demais funcionrios tentaram no julgar a famlia de Gustavo e demonstraram empatia com a situao.

“Eu apresentei todas as pessoas que cuidaram do filho dela. Ela agradecia e chorava. Nessas horas a gente no consegue se revoltar. Como ser humano, temos que entender. Da nossa parte, fizemos at o fim”, finalizou.

*A reportagem usou nomes fictcios para preservar a identidade dos moradores
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1 comentrio 403t38

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  • Maria Gabriela Mazzetti 20/04/2022 s 00:00

    O trabalho desenvolvido dentro desse espao de acolhimento e amorosidade. So histrias que machucam nossos coraes e tocam a alma.

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