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05/12/2021 s 08:00 3p301n

Diversidade sexual: coordenadora de ONG fala sobre preconceito e luta i243e

Mato Grosso considerado um estado violento e conservador pela populao LGBTQIA+ 6w2dp

Denise Soares

Diversidade sexual: coordenadora de ONG fala sobre preconceito e luta

Josi Marconi, fundadora e coordenadora do grupo Mes Pela Diversidade

Foto: Pedro Ivo

Na semana em que deputados mato-grossenses rejeitaram a criao de um conselho estadual para tratar sobre questes importantes para a populao LGBTQIA+, o movimento se une e mostra a fora que tem.

Uma das figuras presentes na luta dos direitos Josi Marconi, fundadora e coordenadora do grupo Mes Pela Diversidade, que acolhe e auxilia famlias com filhos LGBTQIA+.

Josi falou sobre o conservadorismo em Mato Grosso, a origem do preconceito e como as famlias podem ajudar quem precisa do apoio em questo. A necessidade das polticas pblicas para o pblico LGBTQIA+ tambm est presente na discusso.

Sobre isso, o Leiagora entrevistou Josi.

Confira a entrevista na ntegra:

Leiagora - Qual o trabalho das Mes pela Diversidade?

Josi Marconi - Mes pela Diversidade uma ONG nacional presente em quase todos os estados. Ns somos mes e pais de pessoas LGBTs. Nosso trabalho principal acolher mes e pais que acabaram de ter a notcia de que tem uma filha (o) LGBT e que ficam sem saber o que fazer, ficam sem cho ou desesperados. Muitos brigam com os filhos, batem e pegam o celular por total ignorncia, na maioria das vezes. O que a gente faz: a gente acolhe esses pais e mes que nos procuram, d informao, divide as nossas dores, faz como se fosse uma catarse, sempre chega uma me ou pai novo a gente chora.

Leiagora - E como essa relao com as famlias?

Josi Marconi - uma reunio de muito amor e acolhimento. Sempre com companheirismo. A gente fica mais forte. Cada elo que aumenta essa corrente, a gente vai ficando mais forte. Esse o nosso principal trabalho. Mas a a gente descobriu que s isso no bastava. Alm de acolher os pais e mes, tambm segurar nas mos dos nossos filhos e filhas. O nosso lema : tire seu preconceito do caminho que ns vamos ar com o nosso amor. Ento, a gente precisa fazer esse trabalho com a sociedade atravs das polticas pblicas para salvaguardar a dignidade e a vida dos nossos filhos.

Leiagora - O que a homotransfobia e quando ela comea?

Josi Marconi -A homotransfobia uma rejeio ao que no se enquadra na heteronormatividade, que o pressuposto de que toda pessoa que nasce heterossexual, que tem essa orientao heterossexual. Ningum pergunta a uma pessoa: voc heterossexual? Ningum faz essa pergunta, porque j se tem esse pressuposto na sociedade que todas as pessoas so heterossexuais. Ento, quando uma pessoa sai de dentro desse padro heterossexual, que tem uma orientao ou identidade de gnero diferente, causa fobia. Causa medo e repulsa. Isso a homotransfobia. Ela comea muitas vezes dentro de casa, na maioria das escolas, nas igrejas, no trabalho. Nas piadas do bar, nos xingamentos de trnsito, quando algum a e diz ‘, seu viado!’. Essa homotransfobia j est na sociedade, infelizmente, naturalizada. As pessoas acham que fazer uma piada homotransfbica no vai machucar a pessoa. Vai! Porque ela vai se sentir menor, vai se sentir excluda. So coisas que, para algumas pessoas pequeno, mas para quem est sofrendo muito.

Leiagora -E voc, ou por isso em casa?

Josi Marconi -Sim. Um exemplo: a minha filha lsbica. E ela estudava em um colgio religioso grande aqui de Mato Grosso. Quando ela 'saiu do armrio', os colegas de turma no queriam mais fazer trabalhos de disciplina com ela. A professora pedia para formar os grupos e ningum queria formar grupo com ela. Isso uma excluso, a pessoa j comea a sofrer ali. Essa homotransfobia est em todos os lugares, nas pequenas coisas, nos gestos sutis at os assassinatos. Mato Grosso um dos estados que mais mata homossexuais e travestis no Brasil e no mundo. O Brasil o pas que mais a sites erticos com pessoas transexuais.

Olha os opostos, so coisas que no se encaixam. O pas que mais mata o pas que mais consome sites de pornografia transexual. Como pode? Isso uma hipocrisia muito grande. A gente lamenta e sofre cada vez que um dos nossos filhos sofre, xingado, espancado e assassinado. Quando uma famlia 'sai do armrio', acaba brigando com tio, sogro, colega e at chefe. um mundo muito grande, um conjunto de pessoas que a gente acaba esbarrando. No simplesmente s a pessoa. Muita gente no aceita. Quando eu fundei o Mes, muita gente parou de falar comigo. Em compensao, muita gente se aproximou. Ns no queremos acabar com a famlia, ns somos famlia. Isso importante que a sociedade entenda.

Leiagora - O conservadorismo em Mato Grosso prejudica de que maneira a conquista dos direitos?

Josi Marconi - O conservadorismo vem tirando direitos j conquistados de muitos grupos vulnerveis. Mato Grosso no s um estado violento para LGBTs, um lugar muito violento para as mulheres. Eu sou colaboradora do Conselho Estadual de Direitos da Mulher. A gente v como esse estado machista, branco, conservador, htero e patriarcal vem matando mulheres e vem matando LGBTs. O conservadorismo no est aparecendo agora. Eles tm um projeto que comeou h mais de 10 anos e vem fazendo esse trabalho na poltica e nas igrejas fundamentalistas.

H igrejas que entendem o que o amor e o que ser cristo, ou buda ou outro profeta. As igrejas dos conservadores e fundamentalistas pregam o dio e tm um projeto de sociedade que j vem sendo construdo. Comeou com prefeitos, deputados e vem se alastrando. Hoje ns temos uma Cmara de Vereadores com apenas duas mulheres. Temos uma Assembleia Legislativa com apenas uma mulher. E ns temos uma Comisso de Direitos Humanos da Assembleia que s tem homens conservadores e foi essa comisso que disse no criao do conselho, sendo que todas as outras populaes vulnerveis tm, e a populao LGBT no. O nico conselho que deu toda essa repercusso foi o do LGBT. O conservadorismo vem criando uma sociedade exclusiva. Exclusiva para ele e exclusiva no sentido de excluir as minorias que eles no aceitam.

Leiagora - Qual maior dificuldade enfrentada pelos LGBTs no estado?

Josi Marconi - Temos mes de filhos que no conseguem fazer troca de nome e principalmente dificuldade para ar o sistema de sade. Veja como complicado: se eu sou uma mulher trans, tenho aparelho genital masculino. Ento preciso ar um proctologista. Se eu tenho o meu nome j retificado como de mulher e todos os documentos esto retificados com o nome de mulher, eu no consigo ar um proctologista no SUS. Mulher no a proctologista.

E o inverso tambm: se eu sou um homem trans, e tenho um aparelho genital feminino e todos os meus documentos, inclusive a certido de nascimento, j esto retificados com o nome masculino, eu no consigo ar um ginecologista. Olha a situao. uma das dificuldades. E se voc chega em uma unidade, os atendentes no querem te atender com o seu nome social. Se eles esto vendo um homem, no querem atender, mesmo que voc precise de um ginecologista. Se voc lsbica e vai at um ginecologista, algumas no toleram ser penetradas, e quando a mulher vai no ginecologista e vai fazer os exames, aquilo muito incmodo, desagradvel. No existe uma capacitao para esses profissionais atenderem essas demandas. So muito especficas. Ento, essas pessoas deixam de ir ao mdico. Morrem de cncer de prstata ou cncer de tero. Tem milhes de infeces e inflamaes e no vo ao mdico porque muito humilhante. No um privilgio.

Leiagora - Quais casos mais marcantes vocs acompanharam?

Josi Marconi - Certa vez fiquei quase um dia inteiro no telefone com um rapaz que precisava de ajuda. Mais tarde fui em um restaurante e entrou um rapaz, uma moa e uma criana. E ele veio falar comigo, perguntou como eu estava e eles foram se sentar em outra mesa. Uma das pessoas que estava comigo perguntou quem era e eu no sabia. E quando eu fui ao banheiro essa pessoa me segurou no brao e disse ‘me, eu quero te apresentar a minha prima’. E virou para essa pessoa e disse [se referindo a Josi] ‘essa daqui a responsvel por eu no suicidar. Ela me acolheu, me ouviu e ficou conversando comigo’. E depois ele foi para o psiclogo. Voltei para o banheiro e comecei a chorar. Eu s o conhecia por telefone e ele me reconheceu. um trabalho cansativo e desgastante e no recebemos um tosto por isso.

Leiagora - Na luta LGBT, o que h para se comemorar e o que h para melhorar?

Josi Marconi -Podemos comemorar que a transfobia crime e os LGBTs conseguem usar o nome social. Em outros lugares h o ambulatrio transexualizador que uma briga que temos desde 2017 em Cuiab. H um decreto do Ministrio da Sade que diz que todas as capitais tm que ter um ambulatrio transexualizador e a gente no consegue implantar isso aqui.

Leiagora -Como funciona esse ambulatrio?

Josi Marconi - Nele as pessoas trans vo fazer a hormonizao. No nem a cirurgia. A mulher trans toma o hormnio feminino e o homem trans vai tomar o hormnio masculino para fazer as modificaes das caractersticas sexuais secundrias. Dessa forma, as mulheres ficam com a voz mais fina e as feies suavizadas. E os homens conseguem pelo no rosto, no peito e a voz engrossa. Assim, ficam com essas caractersticas mais visveis. Hoje eles tomam pelo mercado negro, as meninas usam silicone industrial. uma mutilao. So vidas que esto em jogo. Quando as pessoas trans usam hormnio sem receita mdica, tomam dosagens que, s vezes, so muito acima do que o necessrio e isso prejudica rins, fgado e tudo. O ambulatrio vem para salvar vidas. J pedimos para o Ministrio Pblico, mas muito difcil as coisas andarem em Mato Grosso. Se a comisso da Assembleia conservadora, como que a gente vai andar aqui nesse estado?

Leiagora - Na ALMT, h semanas vem se discutindo a questo da criao do Conselho LGBTQIA+. E no foi aprovado. Na sua opinio, por que no foi aprovado? Como o grupo reagiu a isso e o que pode ser feito daqui para frente?

Josi Marconi - Eu chorei muito na Assembleia e gritei perguntando quantos filhos precisam ser xingados, levar surra e serem assassinados para esses deputados entenderem que polticas pblicas so importantes para a populao LGBT e que ela vulnervel. A gente vai fazer de tudo e o melhor que podemos fazer votar bem na prxima eleio. Votar em pessoas LGBTs, para que tenham representantes LGBTs, que tenham negros falando por negros, que tenham mulheres falando por mulheres. No pode ter comisses de direitos humanos s representadas por homens, pastores, brancos, hteros e do agronegcio. Cada um tem que ser representado no seu segmento. No foi aprovado por preconceito, falta do que fazer e palanque.

Leiagora -Que conselho voc daria para uma me/pai que descobriu que o filho gay? Como vencer o preconceito?

Josi Marconi - O que acaba com a famlia no o LGBT, a falta de respeito e a falta de amor. A coisa principal voc lembrar do amor por esse filho (a). O amor pode vencer o preconceito quando a gente coloca ele acima de tudo. E se informar. A me/pai de um LGBT, quando o filho sai para se divertir, tem preocupao dupla se algum vai olhar para o nosso filho e dizer ‘ um LGBT, vou bater, merece apanhar’. Ento temos essa preocupao, no sabemos se eles voltam. No sabemos se no trabalho eles vo sofrer piadas, se vo sofrer bullying na escola, se vo ser espancados nos banheiros das boates e se vo apanhar quando sai da boate, simplesmente por serem quem so. Pais e mes: tenham amor pelos filhos acima de tudo. Ns queremos que nossos filhos tenham um bom carter, sejam bons profissionais, sejam generosos, amorosos. Com quem nossos filhos dormem ou por quem eles sentem afeto, isso no importante.
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