O Dia Nacional de Zumbi e da Conscincia Negra, em 20 de novembro, foi criado por lei federal em 2011, com a finalidade de marcar a data da morte de Zumbi - o ltimo lder do Quilombo dos Palmares, o maior do perodo colonial - em 1695. Anos antes, em 2002, Mato Grosso j institura tal data, elevando, inclusive, a feriado estadual.
O dia relevante para a comunidade negra, por entender ser mais significativa do que o ‘13 de maio’, data da promulgao da Lei urea pela Princesa Isabel, em 1888, lida pelo movimento negro como uma ao meramente formal, atendendo aos preceitos burgueses da poca, sem prever, todavia, condies de vida para os negros libertos.
Por outro lado, o Dia da Conscincia Negra est no mesmo ms de outros dois feriados nacionais - um catlico e outro cvico. E, por esse motivo, repetidamente, h projetos de lei de alterao do status de feriado para ponto facultativo, pelo argumento de impacto econmico, especialmente prximo s vendas de Natal.
Professor Carlos Alberto Caetano, presidente do Conselho Estadual de Promoo da Igualdade Racial (Cepir/MT) - binio 2021 - 2023, conversou com o Leiagora sobre a data, sobre polticas pblicas de combate ao racismo e sobre incluso social da populao negra, grupo mais vulnervel socialmente.
Confira a entrevista na ntegra abaixo:
Leiagora - Est tramitando na Assembleia Legislativa de Mato Grosso um projeto de lei que torna ponto facultativo o feriado de Dia da Conscincia Negra. Por que o movimento negro de Mato Grosso contrrio? Qual a importncia da data?
Prof. Carlo - O feriado uma reparao histrica, porque ele a culminncia de todo um processo de discusso e de trabalho que vem sendo organizado no Brasil inteiro pelo movimento negro e ele acontece justamente no dia da morte de Zumbi dos Palmares, que um dos maiores lderes que lutou pelo povo negro no Brasil. Mas o setor lojista argumenta que em novembro tem trs feriados e portanto ns deveramos ter um feriado facultativo. O entendimento nosso, do movimento negro, que essa uma da poltica de reparao. Ela no pode ser mexida e se tiver de mexer com algum tipo de feriado teria que ver os outros feriados. O Dia de Finados, por exemplo, que um feriado nacional, para ns que acompanhamos a histria da ancestralidade, tambm comemoramos o Dia de Finados no Dia de Zumbi.
Leiagora - Como combater o racismo em Mato Grosso?
Prof. Carlo -Ns entendemos que o caminho implantando polticas afirmativas e de reparao. Para isso ns temos que ocupar os espaos polticos dentro dos partidos polticos, dentro de todas as instncias de deciso de polticas pblicas, acompanhar o processo oramentrio nos municpios, no Estado, de maneira que seja de fato aplicado o recurso em polticas de reparao.
Ns precisamos que educao escolar quilombola e a educao das relaes etnico-raciais seja parte dos currculos escolares durante o ano inteiro e no s na data do 20 de novembro, do 13 de maio [ da Lei urea] ou do 25 de julho, quando comemoramos o Dia de Tereza de Benguela. E ns entendemos que Mato Grosso, que o estado onde j temos mapeadas 129 reas de quilombo, inclusive com quilombos urbanos histricos, como o caso de Vila Bela da Santssima Trindade, que ns precisamos avanar na implantao de poltica pblica. E o trabalho que ns temos feito dentro do conselho. Temos ido aos municpios, ajudado as Cmaras de Vereadores a elaborar projetos de lei que criam os conselho municipais, fazendo a composio dos conselhos, que so paritrios entre governo e sociedade civil, e, a partir da, propondo polticas para o Parlamento e garantindo que essas polticas, de fato, venham com oramento pblico, j que se trata de uma reparao.
Ns do Conselho estamos fazendo este trabalho: implantar o Sistema Nacional de Promoo da Igualdade Racial, por onde vem a chamada pblica de programas e projetos, financiando essa poltica no nvel nacional, estadual e municipal.
Leiagora - Voc comeou a falar outro ponto importante. Qual a atuao do Conselho Estadual de Promoo da Igualdade Racial?
Prof. Carlo - Atualmente ns estamos atuando por quatro grandes linhas de trabalho. Ns estamos no apoio a polticas de aes afirmativas e reparativas queam pela luta, pelo reconhecimento das religies de matriz africana e povos de terreiro, a pela luta contra a violncia populao negra, que tem os maiores indicadores de feminicdio e de juventude negra assassinada no Brasil...
Hoje ns temos cerca de 77 jovens negros mortos porarma branca e arma de fogo todos os dias, segundo o Mapa da Violncia de 2020, lanado pela prpria I do Senado Federal. Ento, ns temos a umindicador muito alto de violncia. Essa a segunda bandeira.
A terceira bandeira a regulamentao da terras de quilombo. Embora tenhamos hojeum indicador de mais de trs mil reas em todo o Brasil, na grande maioria dos estados, essas reas ainda no foram mapeadas, certificadas edevolvidas populao negra.
Existe uma luta para que haja, de fato, a devoluo das reas de quilombo populao negra quilombola, conformefala o aritigo 68 da Constituio Federal, que fala que todas as terras de quilombo devero ser tituladas e devolvidas s populaes negrasatravs de ttulos coletivos. uma luta que est em processamento na maioria dos estados e aqui em Mato Grosso a mesma coisa. E a ltimabandeira de luta que ns estamos levando frente e a de implantao de polticas de ocupao de espaos de deciso para a populao negra.
Entendemos que a populao negra tenha que estar nos partidos polticos, tem que estar participando do processo eleitoral. Atualmente j comcotas eleitorais tambm: foi votado pelo STF no ano ado uma certa cota para os candidatos negros no Brasil. A grande maioria dos partidos noobedeceram a legislao... Ns vamos fazer com que essa legislao seja de fato cumprida risca, porque, se h uma reparao, ela por atambm, j que a maioria dos candidatos negros oriunda de setores mais empobrecidos da sociedade. No Brasil, ns herdamos um empobrecimento muito grande aps a abolio, j que os negros no puderam voltar para o seu pas de origem e notiveram tambm nenhuma apoio ps a abolio da escravatura. Ns temos nas grandes capitais os grandes bolses de misria e, na sua grandemaioria, os indicadores so ocupados pela populao negra em geral.
Leiagora - A populao negra a com menor renda familiar, menor grau de instruo e, do outro lado, o maior ndice de encarceramento? Como possvel mudaresse cenrio?
Prof. Carlo -Ns temos duas grandes bandeiras que a gente vem defendendo. Uma o reconhecimento da identidade da cultura da populao negra. Temos o entendimento de que no basta no ser racista, voc tem que lutar contra o racismo. E isso cabe aos negros e aos no negros. Ns estamos discutindo privilgios que esto colocados sociedade onde h uma naturalizao que s a populao no negra desfruta desses privilgios. E quando ns temos essa concesso, ela vem somente para os indicadores no negros de beleza. E isso faz que, na verdade, voc no avance na discusso de que ns precisamos de reconhecimento. Porque quando a gente vai para a universidade e lutamos por cota, essa cota muitas vezes tambm ocupada por elite no negro que entra nessa disputa ou, muitas vezes, no aceita que haja cotas raciais nas universidades, porque os cursos so ocupados na sua maioria por uma elite branca e que s vezes no tem conscincia de que preciso haver as polticas afirmativas.
Leiagora - Quais avanos podemos apontar para a comunidade negra em Mato Grosso? Em outras palavras, h o que se comemorar?
Prof. Carlo -Temos o que comemorar, quando ns nos organizamos entre ns para a reflexo a partir do reconhecimento das nossas lutas. Hoje a luta do movimento negro, da populao negra est na agenda dos governos. Ento ns comemoramos a entrada na agenda dos governos. Agora, ns entendemos com clareza que esse o campo de disputa. A cada vez que ns achamos que a poltica j est consolidada, surge um deputado querendo tirar uma conquista dessa populao. Ns nunca teremos s o que comemorar. Ns entendemos que a felicidade do negro uma felicidade guerreira, j dizia a msica. Quando ns paramos para fazer a reflexo, ns temos que nos deparar com aqueles que so contra e ns lutamos em uma sociedade que racializada, mas que ainda nega o racismo. Ento, o que ns temos a comemorar? o encontro com essa identidade, com essa cultura, a ampliao da luta, porque hoje ns temos muitas pessoas que no so negras e que lutam contra o racismo [inclusive, nos espaos de deciso poltica]... Vai ter uma parcela ainda pequena? Sim. Mas uma parcela que faz a diferena.