Em 2009, Cuiab foi eleita uma das doze cidades sedes da Copa do Mundo de 2014. Naquele momento, os mato-grossenses foram convencidos de que a regio metropolitana de Cuiab receberia novos investimentos, infra-estrutura, novos empregos, novas empresas e solues modernas para o trnsito. A expectativa foi imensa, mas os resultados efetivos foram trgicos. Aps dez anos desde o fatdico anncio feito pela FIFA e c estamos em um gigante imbrglio, com vrias frentes polticas tentando decidir algo que vai muito alm de uma busca por votos: O futuro de um estado inteiro.
E aqui, no est em jogo apenas uma questo moral de fazer cumprir a meta proposta da instaurao do VLT (Veculo Leve Sobre Trilhos) e que fora paga com os impostos dos contribuintes. Estamos diante de um trem fantasma, cujo seu valor original equivale a R$ 1,4 bilhes, com seus gastos se expandindo +ainda mais, caso suas obras sejam eventualmente retomadas. E no podemos deixar que uma m deciso tomada no ado com fins exclusivamente polticos seja repetida, perpetuando o erro e sobrecarregando a populao com um fardo ainda maior. Diante de um cenrio catico, preciso abrir o debate para algo que v alm da implantao do modal, abordando a real questo que Cuiab ainda no enfrentou, que o investimento, planejamento e estruturao de uma mobilidade urbana ampla e abrangente, que compreenda a construo de novas avenidas instalao de um meio de transporte eficaz, econmica e socialmente vivel.
Foi essa falta de perspectiva e a sede apelativa por votos que fez com que as discusses a respeito do modal tivessem se transformado em palanques para ludibriar o povo. Usando argumentos frgeis e contestveis, o VLT substituiu a implantao do BRT (Bus Rapid Transit), arrastando consigo um cenrio de endividamento, uma alastrada corrupo e prises que envergonharam o nosso estado e nos deixaram a ver navios. Na poca das discusses, a verdade foi deixada de lado para sustentar o ego de figuras que hoje fazem parte da lista negra do ramo poltico e social e no se levou em considerao os prprios dados da consultoria contratada para levantar o estudo de viabilidade do modal. Nmeros esses que comprovam ser necessrio ter uma mdia de 15 mil ageiros por hora para garantir a sustentabilidade econmica do veculo, em um contexto cuiabano onde a quantidade seria de pouco mais de sete mil, considerando ainda a defasagem deste levantamento, feito em uma poca onde o aplicativos de carona e de corridas particulares no existiam na Capital.
E esse cenrio de inviabilidade ainda maior, ao considerarmos as novas frentes tecnolgicas que tm redefinido o trnsito em Cuiab e ao redor do mundo. Segundo um estudo feito pela Consultoria Delloite em 20 pases, incluindo o Brasil, 39% dos brasileiros esto interessados em servios de carona como o Uber, 99 Taxi, Lyft, entre outros, salientando uma mudana na dinmica de deslocamento da prpria populao. E em um universo onde corridas dessa natureza saem pouco mais que uma tarifa de um transporte pblico, no possvel decidir os rumos da nossa cidade e - logo - o do VLT, sem considerarmos o contexto contemporneo que a mobilidade urbana enfrenta. Fechar os olhos e apertar o "play" na obra leviano, irresponsvel e vai sair mais caro que todos pensam.
Indo mais longe, os nmeros que norteiam o VLT so assustadores. Alm de j ter consumido mais de R$ 1 bilho dos cofres pblicos, sem ao menos andar um metro sequer, seu custo de instalao R$ 700 milhes a mais em relao implantao do BRT. Essa obra se transformou em uma lembrana do que a corrupo, falta de planejamento, organizao e fiscalizao podem acarretar na vida da populao. Como um erro berrante que grita a plenos pulmes, ela a incerteza do desenvolvimento que nunca veio, das oportunidades jamais nascidas e da qualidade de vida prometida que jamais fora cumprida.
E neste balaio de promessas frgeis e fracas demais, existe um estado que perece em uma crise econmica, com hospitais regionais desabastecidos e em condies precrias de atendimento, uma perigosa ausncia de medicamentos nos Postos de Sade da Famlia (PSF) e uma greve de professores estaduais que evidencia ainda mais a falta de recursos pblicos para honrar o trabalho desses profissionais. Com um quadro preocupante, leviano alterar a voz com demandas descabidas, que exigem a retomada das obras de um monumento fracassado que sabemos ser completamente invivel. Sejamos francos, construir o VLT - a essa altura do campeonato - no a soluo para um povo que possui problemas to graves que ainda no foram solucionados.
E como uma espcie de bandeira pr-VLT, infelizmente testemunhamos representantes sociais exigindo uma obra que, desde seu princpio, j estava errada. Considerando as extenses de Cuiab e toda sua estrutura, evidente que o modal mais adequado e de implantao mais certeira seria o BRT, cuja obra custaria R$ 423 milhes. Mas a irresponsabilidade scio econmica, em virtude de vaidades polticas, comprometeu o genuno desenvolvimento de Cuiab e Mato Grosso poca da deciso, nos deixando deriva, em busca de uma soluo que - financeiramente - no funciona em nosso atual contexto.
Alm disso, muito mais que entregar o VLT, necessrio ponderar seus gastos frequentes de manuteno. Segundo os dados mais recentes da Secretaria de Estado de Infraestrutura e Logstica (Sinfra-MT), os custos e despesas anuais de sua operao seriam de R$ 78 milhes, sendo que a receita anual do veculo seria de mais de R$ 48 milhes - considerando que o valor das agens seria de R$ 3,60, com a integrao custando R$ 1,36 (o montante ainda considera todas as gratuidades vigentes em nosso sistema). Com este quadro, Mato Grosso teria um dficit anual de mais de R$ 37 milhes. E a pergunta que no quer calar: De onde viriam os recursos necessrios para garantir a subsistncia desse modal?
Em um universo onde as empresas que compam o Consrcio VLT esto entre recuperaes judiciais e crises financeiras sem precedentes e o Ministrio Pblico move aes civis para que mais de R$ 100 milhes sejam devolvidos aos cofres pblicos, ser mesmo que retomar as obras do modal a melhor deciso? Enquanto os hospitais e PSFs estiverem desabastecidos e servidores no estiverem sendo devidamente remunerados, a bvia resposta no. Desconfie de quem pensar o contrrio.
