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Artigos / Opinio / Rafael Detoni f74n

05/04/2019 s 11:15 4a1h15

Sobre a minha cidade l4i5n

No ms em que Cuiab comemora seus 300 anos de fundao, trago 3 perguntas: De quem a cidade? A quem ela pertence? Quem deve usufru-la? 24t5i

Foto: aondeircuiaba.blog

Ao andar pelo centro da cidade me deparei com placas de “aluga-se” ou “vende-se” anunciando a morte lenta do comrcio local. Algo semelhante desperta a ateno quando tiramos os olhos da pista e focamos nos estabelecimentos comerciais ao longo da Avenida Historiador Rubens de Mendona (a Avenida do A). O cenrio de instabilidade poltico-econmica empresta sua parcela de contribuio, sem dvida, mas h um outro elemento que acelera a decadncia deste comrcio: na rua sobra carro e na calada falta gente.

Comrcio de rua, pelo prprio nome, s tem movimento quando h gente ando em frente e no apenas carros. Ruas como a Pedro Celestino, Campo Grande, 13 de Junho, Voluntrios da Ptria e Cndido Mariano tem espao para automvel em circulao e estacionado, porm, no prov caladas com larguras suficientes para acomodar um poste e uma pessoa ao mesmo tempo. No h rvores e as nicas sombras na regio so produzidas pelos prprios prdios no incio da manh ou no final da trade.

Um carro estacionado em frente loja no se traduz em fluxo de pessoas e, consequentemente, no movimenta a economia. Pelo contrrio, resulta em uma rea aproximada de 6,5 metros quadrados ocupada geralmente por uma nica pessoa (o motorista) e que mesmo assim no permanece no local. O comrcio morre pela falta de gente circulando em detrimento da oferta das vagas de estacionamento gratuito na rua.

No ano 2000, Cuiab possua 483.346 habitantes para uma frota de 120.658 veculos. ados 18 anos, a populao estimada pelo IBGE de 607.153 habitantes para uma frota de 418.760 veculos segundo dados do DETRAN/MT. Ou seja, h 18 anos atrs tnhamos a proporo de 01 veculo para cada 04 habitantes e hoje alcanamos o ndice de 02 veculos para cada 03 habitantes. Neste perodo a populao cuiabana cresceu 25,6% enquanto a frota aumentou em 247%. Neste ritmo impossvel prover sistema virio que e essa variao.

Falando em sistema virio a cidade apresentou nestes anos muito menos em expanso da malha estrutural, aquela constituda de vias com alta capacidade interligando diferentes regies da macrozona urbana. Nestes 18 anos ficamos limitados apenas construo da Avenida das Torres e, nos demais casos, trata-se de alargamentos e duplicao de vias existentes como Archimedes Pereira Lima, Repblica do Lbano, Juliano Costa Marques, MT 251, MT 010 (ainda inconclusa), Dante de Oliveira (apenas um trecho), Avenida Antrtica, entre outros. No mais, foram tratamentos pontuais como aplicao de sentido nico, eliminao de estacionamentos ao longo da via, implementao de direitas livres e as ditas “obras da Copa”, dentre as quais destacam-se as trincheiras e viadutos na Avenida Miguel Sutil. Aes pontuais que em pouco tempo sucumbem ao elevado crescimento da frota.

Para o transporte coletivo ficamos no “mais do mesmo”, exceto pelos 10,7 km de faixas quase exclusivas que ajudaram no desempenho da frota, pela entrega recente das estaes Alencastro e Ipiranga no centro, pela instalao de alguns poucos novos abrigos e pelo aumento pouco perceptvel de frota com ar-condicionado. Enquanto isso, do outro lado da Prainha, na histrica Praa Bispo Dom Jos, usurios do transporte pblico se confundem em meio a vendedores de gua, churrasquinho, cachorro quente, churros, etc. Na 13 de Junho, a rua “empresta” suas caladas para os comerciantes exporem seus produtos em meio disputa de espao com os ambulantes e tudo acontece com anuncia da (des)ordem pblica.

Nas aes para pedestres e ciclistas reina o silncio!!!

Na cidade sem um Plano Diretor de Mobilidade Urbana, a ausncia de polticas pblicas bem definidas a curto, mdio e longo prazos d lugar s solues pautadas no (des)conhecimento sobre o tema e baseadas apenas da experincia sensorial que, via de regra, se convertem em aes que andam na contramo da mobilidade sustentvel e jogam Cuiab ainda mais para o abismo. Na Cuiab dos 300 anos planta-se vagas de estacionamento nos canteiros centrais para atender a vontade de estabelecimentos privados, invs de rvores, e faz da via pblica uma extenso do seu comrcio sem recolher nenhum centavo a mais no IPTU. Cito dois casos recentes como a Avenida Mato Grosso, no centro, e a Avenida das Palmeiras, no bairro Jardim Imperial, onde o que restou de canteiro tem largura suficiente para acomodar uma palmeira e nada mais. No me causar espanto se em poucos dias tivermos praas sendo reduzidas para dar lugar aos estacionamentos em reas mais nobres da cidade.

No quesito mobilidade urbana, a mesma gesto que prega pela humanizao peca ao atuar demasiadamente em favor da mquina quando cobre os buracos no leito carrovel, porm ignora a remoo das barreiras (obstculos, buracos, desnveis, mato, lixo e carros) que limitam o caminhar nas caladas; destri canteiros transformando-os estacionamentos e no amplia as caladas a fim de prover o plantio de rvores que futuramente tragam sombra e amenizem o calor escaldante dos meses de agosto a novembro; aplica 15 milhes de reais em inteligncia artificial nos semforos para reduzir os congestionamentos, mas ignora a programao de tempos de travessias dedicados aos pedestres nos cruzamentos.

Investir na expanso da infraestrutura viria uma necessidade para a capital nos prximos anos, sabemos, mas apenas isso no ser suficiente para tir-la do congestionamento e devolver mobilidade aos seus mais de seiscentos mil habitantes.

A Cuiab dos 300 anos ainda maltrata seu pedestre e queles que fazem uso do transporte coletivo, que no conseguem se fazer ouvir na mesma altura daqueles que reclamam quando o trnsito no anda ou quando no encontram uma vaga para estacionar onde desejam. Mas h esperanas!!!

Emprestei do Gabriel o ttulo desse artigo. Um garoto de 14 anos pertencente classe mdia, usurio do transporte coletivo, e que nesta semana satirizou em sua rede social a jornada de atravessar a Avenida do A, mostrando caladas destrudas e o mal funcionamento do foco verde do pedestre com o boneco “apressado”. O vdeo de 10 segundos mostra a inverso dos valores fazendo notar que h muito desequilbrio na oferta do espao pblico entre os motorizados e os no motorizados. As vozes silenciosas das caladas comeam a se manifestar e quem sabe, bem antes dos 600 anos, possamos ver pedestres consumidores de volta s ruas fomentando a economia do centro e protegidos do sol escaldante num dia da primavera cuiabana.

Afinal de contas, a quem pertence a cidade?

Rafael Detoni

Rafael Detoni
Arquiteto Urbanista e Consultor em Transportes.
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