Por Fabricio Carvalho*
Vivemos sob o reinado de um senhor discreto, mas poderoso. Sem coroa nem trono visvel, ele dita o que vemos, compramos, com quem interagimos e, pasmem, at o que pensamos. Esse soberano moderno atende pelo nome de “algoritmo”. Mas, ironia das ironias, seu nome uma corruptela de pronncia mal resolvida.
Sim, “algoritmo” no nasceu no Vale do Silcio, mas nos desertos e bibliotecas da Era de Ouro Islmica. Seu pai o ilustre Muhammad ibn Musa al-Khwarizmi — um sbio persa do sculo IX. Como seus contemporneos europeus tinham certa dificuldade com a pronncia do seu nome resolveram simplificar para “Algoritmi”. Assim nasceu um dos termos mais onipresentes da nossa era.
Ali, na cosmopolita Casa da Sabedoria de Bagd — uma espcie de Hogwarts da matemtica —, al-Khwarizmi pavimentou as bases da lgebra e dos mtodos de clculo. Tornou-se, com toda justia, o “pai da lgebra” e, por extenso potica, o “av da computao”.
Naqueles tempos, um algoritmo era um conjunto de instrues racionais e finitas — nada de mais, apenas uma receita lgica para resolver problemas. Mas o tempo ou, os computadores chegaram, e eis que os algoritmos saram do mundo dos nmeros para invadir o dos costumes. O que era rgua virou rede. O que era clculo virou captura.
Hoje, algoritmos no apenas ajudam: eles escolhem por ns. Mais que resolver problemas, criam dependncias, moldam desejos e empacotam o mundo em filtros, sugestes e notificaes. Um algoritmo pode no saber se voc est bem, mas sabe quando voc vai clicar. E isso, convenhamos, j basta para ditar muito da sua vida.
a que entra o olhar agudo de Mark Fisher, pensador britnico que enxergava o capitalismo como uma nvoa cultural to espessa que at os seus crticos respiram seus ares sem perceber. Para Fisher, o realismo capitalista esse estado onde o sistema parece inevitvel, onipresente e algoritmicamente confortvel.
A crena na neutralidade algortmica , no mnimo, um bom conto de fadas. Os algoritmos carregam os vieses de seus criadores e, mais ainda, os interesses de quem lucra com eles. Resgatar a origem dos algoritmos lembrar que eles nasceram para iluminar o mundo com lgica e clareza — e no para opac-lo com curadorias invisveis. Al-Khwarizmi nos legou cincia; ns o rebatizamos com vigilncia.
Da prxima vez que voc abrir o Spotify, o Instagram ou o aplicativo do banco, pense: por trs daqueles toques e cliques milimetricamente orquestrados, h uma longa histria de sabedoria e uma escolha muito contempornea de controle. Talvez seja hora de reprogramar a relao. Ou, pelo menos, comear com uma pergunta: a quem servem, afinal, os algoritmos?