Por Bruno Oliveira Castro
A recuperao judicial ainda carrega um estigma que muitas vezes no reflete sua real finalidade nem seus efeitos. Empresas que recorrem ao instituto so vistas com certa desconfiana entre parceiros comerciais, fornecedores e instituies financeiras. Esse olhar equivocado sobre a recuperao judicial ignora no apenas sua natureza jurdica, mas tambm sua funo econmica e social.
O ordenamento jurdico brasileiro, por meio da Lei n 11.101/2005 (reformada pela Lei n 14.112/2020), estabeleceu um sistema voltado preservao da empresa vivel, da fonte produtiva, dos empregos e dos interesses dos credores. Ao contrrio da falncia, a recuperao judicial no um atestado de encerramento das atividades, mas sim um instrumento legal que busca reestruturar ivos, manter a operao e restabelecer a sade financeira do negcio. Trata-se de uma soluo jurdica para tempos de crise — e no de uma ameaa segurana jurdica, como se costuma alegar de forma apressada.
A narrativa de que a recuperao judicial gera insegurana jurdica precisa ser enfrentada com base em dados, legislao e jurisprudncia. certo que o processo recuperacional traz desafios, entre eles o alongamento de prazos, a novao de dvidas e a suspenso de execues. Contudo, todos esses efeitos so previstos legalmente e regulados pelo Poder Judicirio, com participao ativa dos credores, Ministrio Pblico, es judiciais e demais rgos de controle.
justamente essa previsibilidade que assegura a segurana jurdica do instituto. O crdito fornecido a uma empresa em recuperao est protegido por regras claras: as classes de credores so estabelecidas, os quruns de aprovao do plano so definidos, os meios de recuperao so delimitados e h possibilidade de fiscalizao permanente durante sua execuo. Ademais, a reforma de 2020 trouxe avanos importantes: itiu o financiamento DIP com tratamento prioritrio, ampliou a recuperao extrajudicial e fortaleceu o papel do credor na conduo do processo.
Outro ponto importante: uma empresa em recuperao no perde sua capacidade de competir no mercado. Diversas companhias que aram por esse processo retornaram normalidade e, em muitos casos, emergiram mais organizadas, com gesto profissionalizada e estrutura de capital mais adequada sua realidade. A recuperao judicial , portanto, uma resposta jurdica estruturada a um problema econmico — e no um fracasso.
Empresas de diversos setores, inclusive do agronegcio e da indstria de base, j demonstraram que possvel se reerguer por meio da recuperao judicial. O que no se pode itir que o simples fato de uma empresa estar em recuperao sirva como argumento automtico para o bloqueio de crdito ou excluso de oportunidades de mercado. Essa postura, alm de injusta, pode ser contraproducente: ao dificultar o o ao financiamento, impe obstculos superao da crise e favorece, paradoxalmente, o desfecho que todos desejam evitar — a falncia.
Portanto, preciso revisar os preconceitos. A recuperao judicial, quando bem conduzida, respeitando os princpios da boa-f, da transparncia e da funo social da empresa, representa um ambiente de segurana jurdica e controle institucional. uma alternativa vivel, legtima e essencial para a preservao de negcios e empregos em tempos de adversidade.
Promover essa compreenso fundamental para que o instituto cumpra sua finalidade: preservar empresas economicamente viveis, estimular a renegociao com credores e contribuir para a estabilidade econmica. A empresa em recuperao judicial no uma ameaa ordem jurdica — uma demonstrao de que a ordem jurdica est funcionando.