Aquela que iluminava a todos aqui na Terra, v Francisca, se fez luz. A benzedeira e parteira Francisca Correa da Costa partiu no ltimo sbado (19), mas segue eterna aqui nas memrias, nos ensinamentos e, sim, em alguns registros culturais em homenagem a ela - felizmente - lanados em vida. Voc j pode ar a exposio fotogrfica “A F de Francisca” neste link, bem como ouvir o lbum musical homnimo nas principais plataformas de udio e, de quebra, ser abenoado pela benzedeira centenria.
Sim, porque os sorrisos, as mos, as msicas, as rezas, tudo isso bno, manifestao de f, propagao do amor de v Francisca, to respeitada pelos chapadenses, pelos mato-grossenses e por gente de toda parte.
Francisca Correa da Costa nasceu em 8 de outubro de 1913. Superou as epidemias de varola e de gripe espanhola e a pandemia de covid-19. Completou 108 anos em 2021. Dormiu na sexta-feira (18) e no acordou no sbado. Partiu dormindo, tranquila, como sempre desejou. Atravessou.
Cabelos brancos, 1,45m de altura, sorriso enorme. Parteira desde os 10 anos, benzedeira desde sempre, distribua vida e f. Para ela, benzer ajudar pessoas, “um dom dado por Deus”, dizia.
Nasceu em Lagoinha de Baixo, quilombo a 28 km de Chapada dos Guimares, 25 anos depois do fim oficial da escravido no Brasil. Mas conviveu muito de perto: os pais de Francisca foram escravizados nas primeiras fazendas de Sant'Ana da Chapada, nome anterior da cidade.
A singela casa onde Francisca vivia, na regio central de Chapada, foi tambm o bero escolhido por ela para o velrio, do jeito que gostava de estar: entre santos, velas e muito sincretismo entre o catolicismo e as religies afrobrasileiras.
Sempre amou benzer, mas nos ltimos anos estava reclusa, antes mesmo da pandemia, pelos riscos da prtica diante da perda de viso e do manuseio com velas. Mas seguia dando conselhos, que tambm so rezas.
Mestra da Cultura
V Francisca partiu pouco menos de um ms aps ter sido homenageada “mestra da cultura mato-grossense”. Ttulo inconteste oficializado mediante aprovao do projeto transmdia “A F de Francisca”, proposto pelo fotgrafo documentarista e diretor audiovisual Henrique Santian, no edital “Conexo Mestre da Cultura”, realizado pela Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel/MT), com recursos da Lei Aldir Blanc.
Em quatro dias festivos, no Espao Aldeia Velha - espao cultural em Chapada dos Guimares, foram pr-lanados o lbum musical autoral, com 14 faixas gravadas por artistas mato-grossenses ou outros com alguma relao com a homenageada; um documentrio de mdia-metragem (47 minutos); uma exposio fotogrfica virtual - com os registros de Henrique Santian; e uma interveno urbana, por meio de colagem de cartazes divulgando o pr-lanamento e de lambe-lambes. Os dois cartazes foram montados por Andr Gorayeb, com arte de Mavi e Paty Wolff, a partir de fotografias de Santian.
O lbum musical pode ser ouvido aqui e neste link est toda a ficha tcnica, especialmente a lista de artistas, formada por nomes como Vera Capil, Deize guena, Rog Alm, Estela Ceregatti, Luciana Bonfim e o produtor do disco, Paulo Monarco. D tambm para ser “benzido” por v Francisca em duas faixas musicais.
As fotos - produzidas ao longo de anos de amizade entre Santian e v Francisca - podem ser conferidas neste link. A galeria fotogrfica digital tem curadoria de Oswaldo de Carvalho Junior, que selecionou mais de 30 fotografias, parte de acervo e parte inditas.
Aps a exibio no pr-lanamento presencial no Espao Aldeia Velha, entre os dias 20 e 23 de janeiro, o documentrio-videoarte seguir resguardado, para participar de mostras e festivais. Em breve, ser transformado em longa-metragem (de 1h a 1h15), para ser exibido em uma TV aberta, com a qual o diretor audiovisual Henrique Santian est negociando.
Mas voc pode ver o teaser aqui:
O idealizador ainda far um lanamento oficial e est aguardando o momento adequado para ter um nmero maior de pessoas. “Vai ser divulgado ainda. Todo mundo vai ficar sabendo, porque vai ser um grande evento”, contou Santian ao Entret.
Henrique est em paz. Sabe que a amiga centenria cumpriu a misso dela e, aos olhos dele, ela esperava esse trabalho documental nascer para se despedir.
A amizade entre Santian e v Francisca j era longa, quando surgiu a proposta de document-la no prprio cotidiano. E no partiu dele a ideia, ele no queria ser invasivo… Surgiu das conversas sobre perdas inevitveis, medida que os anos iam ando.
“Com o ar de muito tempo, suponho que uns cinco anos de amizade [...], tudo surgiu quando a Francisca comeou a perder muita amiga [...] e teve uma poca que ela s falava de morte”, contou Henrique.
Seguiu explicando que ela comeou a dizer s amigas como queria seu velrio e ela mesma sugeriu: “Henrique est aqui. Henrique pode fazer a filmagem pra ficar registrado disso que eu estou falando pra ningum fazer errado”. V Francisca, poca, "exigiu" que o prprio velrio fosse em casa, muito singelo, bem distante das pompas de uma figura pblica chapadense.
Tempos depois, a “autorizao” veio.
“Tinham os dias que eu ia l pra cuidar da Chica. Ficar com ela, ar o dia l. Francisca sempre ficava nesse transe de incorporao, de comunicao com a ‘turma toda’. A ela estava falando com o Preto Velho [...] e comeou a falar umas coisas que eu no estava entendendo direito: ‘est bom, ento esse trabalho est feito, muito obrigada por essa autorizao, Henrique vai fazer esse registro’. A eu falei: ‘Chica com quem voc estava falando?’. Ela falou: ‘Preto Vio, meu filho, Preto Vio. Pai Joaquim abenoou voc pra fazer esse trabalho’".
E Henrique ia visit-la, levava os equipamentos e registrava quando sentia que era o momento. Inicialmente, apenas fotografias. Depois, pequenas cenas do cotidiano.
“Eu falei: ‘Francisca, estou com meu equipamento no carro, se voc autorizar, eu posso fazer uns registros seus’. E foi assim que nasceu, a partir dessa amizade, desse afeto, desse carinho, que a gente tinha um pelo outro. [...] Eu ficava na casa dela conversando por horas e comeava a fotograf-la na natureza dela. Ficava ali, como se eu no existisse. [...] Sempre fui fotgrafo documentarista. Ento, meu papel traduzir a realidade da pessoa sem nenhuma interferncia de direo. [...] Como Francisca falava muitas coisas interessantes que na fotografia no tem como traduzir de forma literal, eu comecei a fazer uns takes curtos. E ela falava, o tempo todo, prolas e prolas”.
Esses registros, essa amizade, essa irao e tanto aprendizado geraram uma exposio fotogrfica em 2018; um curta documentrio (11 minutos), disponibilizado virtualmente em maro de 2020, comecinho da pandemia; tal projeto transmdia em 2021/2022; gerar um longa metragem e muitas memrias.
Todas as fotografias desta reportagem so de Henrique Santian.
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