O corpo o principal instrumento de trabalho do ator, que incorpora personagens e compe partituras cnicas no s para entreter, mas provocar reflexes. Em seu processo de amadurecimento artstico, o varzeagrandense Andreel Ferreira, que, antes de se formar ator e pesquisador de teatro, j era umbandista praticante desde os 12 anos, ou a notar a influncia da religiosidade em sua performance teatral, o que culminou na criao de seu primeiro monlogo: ‘Encruza’.
O espetculo, que j foi encenado em Cuiab e So Paulo, foi adaptado para o audiovisual pelo Teatro Imagem e a Solta Cia de Teatro. O resultado ser apresentado ao pblico a partir das 19h desta sexta-feira (07), por meio do canal do Youtube da Solta, onde ficar disponvel durante 30 dias.
No formato audiovisual, ‘Encruza’ cresceu com uma estrutura de cenrio, figurino, iluminao, captao de imagem e som, de profissionais sensveis e capacitados para registrar o espetculo em um espao diferente de um palco de teatro. A obra foi gravada diretamente do terreiro de Andreel, sem que a performance perdesse a potncia do “encontro” com o pblico.
O trabalho objetiva proporcionar uma experincia sensorial para quem assiste, ao mesmo tempo que desconstri uma interpretao “demonizada” das religies de matriz africana. “Um preconceito sobre ns, de que cultuamos o demnio, de que coisas negativas esto do lado do povo preto”, comenta o ator.
A intolerncia religiosa , portanto, o principal disparador do espetculo, baseado em casos extrados de sua experincia pessoal no Centro Esprita Nossa Senhora da Guia-Seara Pai Joaquim de Angola. Segundo Andreel, ao denunciar e expor estas vivncias, ‘Encruza’ se apresenta como uma mensagem de reao:
“No estamos mais disponveis a sofrer com intolerncia, a ficar quietos quando vamos a uma encruzilhada e um carro nos segue e nos d quatro tiros nas costas. Nem mais a nos calar quando entram no terreiro e depredam tudo, colocam fogo e matam nossos adolescentes”.
Com a responsabilidade de um Ogan, ele usa o corpo, em estado cnico, para desmistificar esteretipos que fundamentam esta intolerncia religiosa. “A umbanda o meu corpo e meus atos ritualsticos fazem parte de mim. Muitas vezes a gente se inibe pelo receio de no ser bem interpretado ou bem quisto. Por muito tempo eu deixei esse lado meu no reverberar”, reflete o artista sobre o processo de pesquisa que tambm se configura como afirmao de identidade e libertao.
Em ‘Encruza’, ao protagonizar a prpria histria a partir das vivncias de um corpo inserido na umbanda, Andreel tambm sublinha outros tantos relatos semelhantes, e na maioria das vezes silenciados, relacionados intolerncia sofrida por praticantes de religies de matriz africana.
Dentre os elementos ritualsticos que compem o espetculo, esto os pontos cantados e o ponto riscado (cnticos sagrados e desenho de representao das entidades espirituais), o toque do atabaque, a defumao, a dana, as velas coloridas. Em dado momento, representando a personagem Maria Boipeva, Andreel se coloca em cena como a entidade Exu Mulher.
“Fao minhas as palavras de me Flvia Pinto: eles [os intolerantes] no entendem de onde vem a nossa fora, acreditam que estamos do lado do mal porque ns somos resistncia. Resistimos a mais de 400 anos de escravido e continuamos resistindo ao racismo religioso”, refora o artista.
Do terreiro para as telas
A gravao de ‘Encruza’ a continuidade de um processo criativo que comeou em 2019. Andreel Ferreira um dos diretores do grupo Teatro Imagem e egresso da MT Escola de Teatro. O espetculo nasceu de uma experincia pedaggica em que os alunos [da MT Escola] tiveram liberdade para criar a partir de qualquer tema e linguagem teatral. Posteriormente, foi apresentado ao pblico na Praa da Mandioca e, em novembro, integrou a programao do renomado festival Satyrianas, em So Paulo.
Nesse percurso, o espetculo contou com o trabalho de Benone Lopes, da Solta Cia de Teatro, que exerceu a funo de encenador, diferentemente de uma direo de teatro e audiovisual tradicional. “Foi muito mais um processo de montar uma equipe, de organizar as criatividades e propor procedimentos para instigar o Andreel a potencializar o lado performativo. A grande sacada de ‘Encruza’ a histria dele enquanto artista e umbandista, e foi para potencializar isso que a gente comeou a trabalhar juntos”, explica Benone.
Para Andreel, o resultado foi muito positivo. “Eu estava ali dentro da minha casa, onde nasceram todas as referncias de Encruza. Minha plateia eram as entidades, o calor daquelas paredes, a vibrao, as minhas lembranas”. Ele acredita que o vdeo ser importante para levar a mensagem ao pblico que, principalmente nesse momento, no pode estar em um teatro.
“A performance tem uma coisa muito forte que o acolhimento, que faz com que as pessoas se sintam participantes daquele ritual, justamente o que faz com que os no umbandistas possam refletir como essa prtica religiosa. Foi preciso pensar uma experincia audiovisual para o online que fosse prxima da imerso”, refora Benone.
Com o projeto, realizado com recursos da Lei Aldir Blanc, atravs do Edital MT Nascentes, da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT), tambm foi possvel realizar um mini documentrio que retrata o espao do Centro Esprita Nossa Senhora da Guia-Seara Pai Joaquim de Angola, a vida de Andreel junto a sua me de santo e outros frequentadores do terreiro. O material ser disponibilizado em breve.
Ficha tcnica
Ator/Performer: Andreel Ferreira
Encenao: Benone Lopes
Ogan Convidado: Fabiano Andrade
Produo: Manoel Vieira
Cenografia: Bruno Custdio
Iluminao: Everton Britto
Figurino: Jaqueline Roque
Direo de Fotografia: Juliana Segvia
Captao de Som: Augusto Krebs, Karola Nunes, Thiago Veloso
Fotografia Still: Rodolfo de Oliveira
Design Grfico: Laura Paschoalick
Assessoria de Imprensa: Maria Clara Cabral
Apoio Cultural: Solta Cia de Teatro, Teatro Imagem, A Casa do Centro
Agradecimentos: Idemary Regina, Regy Reis e Centro Esprita Nossa Senhora da Guia - Seara Pai Joaquim de Angola
Servio
Espetculo Encruza
Data: Sexta-feira, 07 de maio de 2021
Horrio: 19 horas (MT) - 20 horas (BSB)
Local: Canal do Youtube da Solta Cia de Teatro
o: Gratuito
Com informaes da Assessoria - Maria Clara Cabral
Fotos: Rodolfo Luiz
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